A IGREJA DAS ALMAS PENADAS

PARTE - 1

A família de Antônio vivia na cidade de Juazeiro do Norte e todos eram devotos do “Padim Cíço”. Aos três anos, Toninho (como seus próprios pais o chamavam), contraiu tuberculose e sua mãe em promessa ao santo padre, jurara que se ele escapasse dessa, ela faria com que ele se tornasse padre também. Pois é; Toninho se livrou da doença e contra a vontade teve que se tornar padre!

Cresceu dentro da igreja, ajudando o padre Manoel da Penha nas missas todos os domingos. Sua mãe tinha orgulho de ver o filho vestido com a roupa de coroinha. Mas quando ele chegou à adolescência, começou a lhe desperta o interesse pelas filhas das beatas que iam assistir as missas e participar das novenas.

Engraçou-se com Mariazinha; a filha da beata Francisca, a mais zelosa, fervorosa e diga-se de passagem, a mais chata de todas as beatas da cidade! Mariazinha sentava-se sempre nos primeiros bancos com sua mãe, Toninho não conseguia tirar os olhos da menina. Ela por sua vez, já tinha percebido os olhares dele e sempre sorria em resposta as piscadelas que ele lhe lançava entre uma pausa e outra do padre Da Penha! Durante um bom tempo, paqueraram e ficaram no namorico às escondidas.

Quando completou a idade de ir para o seminário, bateu pé firme que não queria ser padre e que seu sonho era se casar com Mariazinha! Sua mãe, pela milésima vez, lhe explicou que não podia quebrar uma promessa feita ao “Padim Cíço”, pois poderia perder o lugarzinho reservado ao lado dele lá no céu!

- Foi a “sinhora” minha mãe que fez a promessa e não eu!

- Mas foi “pru” teu bem!

- Mas “pru” quê então não esperou eu crescer "prá" “mim” perguntar se eu queria ser padre? A “sinhora” sabe que eu gosto “dum” bochinche!

- Se eu esperasse, tu não “taria” vivo! E esse negócio de “bochinche” é pra “hômi” que não presta! Eu já lhe disse “pru” que fiz a promessa e “tarmos” conversado e pronto! - a mãe de Toninho lhe deu as costas e saiu.

Ele sabia que não conseguiria mudar a decisão dela, e ainda o que é pior; seu pai já havia lhe dito que nem que ele fosse amarrado no cabresto, ele iria para o seminário e seria padre, assim como a mãe prometera para o seu protetor! Toninho tinha mais medo do pai, que do próprio capeta!

No dia que antecedia sua viagem para o seminário na capital, conseguiu entregar um bilhete para Mariazinha assim que passou com o incensário pelo meio da igreja; escrevera que precisava falar com ela nos fundos da capela, assim que terminasse a missa. Mal o padre encerrou o sermão, correu para os fundos da igrejinha e esperou por ela; seu coração batia a mil por horas. Mariazinha chegou se esgueirando pelos cantos das paredes:

- Fale logo que eu “num” posso me “ademorar, visse?”

- Tu sabe que tô indo contra a minha vontade “pru” seminário, “nu” sabe?

- Mais eu acho tão “bunito” um “hômi” ser padre!

- Mas “hômi” padre “num” pode fazer isso; - Toninho tascou um beijo em Mariazinha, que a princípio, respondeu para logo em seguida empurrar Toninho com as duas mãos;

- Tu tá maluco? Se “mainha apega” agente assim, ela manda meus irmãos te arrancarem os bagos fora! – Mariazinha tinha cinco irmãos, que eram cabra da peste “arretados” de valentes;

- Eu “num” me importo... não vai mudar em nada o meu destino... ser padre e “num” poder usar a banana! – ele olhou para baixo; ela sorriu sacanamente e falou;

- Então continua a descascar ela como tu faz quando me vê no riacho tomando banho! – deu as costas e começou a caminhar; Toninho a puxou de volta pelas mãos:

- Mais um beijo antes de eu ficar donzelo pra sempre! – Mariazinha olhou para o rosto dele e o beijou desta vez, com vontade!

Afastou-se dele e caminhou de volta para a porta da igreja ao encontro da beata Francisca. Toninho ficou a observá-la se distanciar, com o vestido dançando ao sabor do vento e coberto de cacundês coloridos. Aquela seria a última vez que ele veria mariazinha... (ou não)...?.

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Passou os anos e finalmente, Toninho agora era o Padre Antônio do Carmo! Orgulho para seus familiares e em especial, para sua mãe que no dia da sua ordenança, não parava de chorar! Durante o seminário, tentou de todas as formas conseguir que fosse enviado de volta para a sua cidade, mas o padre Da Penha continuava vivo e forte como um touro! Além do mais, Da Penha já era padre daquela cidade havia mais de quinze anos e a diocese da capital já tinha outros planos para o padre Antônio.

Dois meses depois de ter sido ordenado padre, finalmente ele soube para onde seria enviado; Almense! Uma cidade pequena de poucos habitantes, e que ficava entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Padre Antônio não gostou muito da ideia, mas não tinha outra alternativa, arrumou as malas e partiu rumo ao sacerdócio...

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A viagem não foi nada tranquila; ao chegar em Mato Grosso, teve que parar na cidade de Cáceres e de lá, locar um barquinho para descer o rio Paraguai e chegar até a bendita cidade! Chegou por volta das seis horas da tarde e foi recebido pelo caseiro de uma fazenda que ficava à beira do rio. Desembarcou já reclamando dos inúmeros caroços que seus braços e pernas apresentavam por causa das picadas dos mosquitos. O caseiro o conduziu para um pequeno casebre ao lado da igreja:

- A igrejinha amarela que eu vi quando passamos perto do coreto é a que eu irei pastorear? – perguntou ele;

- Ela mesmo!

- Então deve ter um aposento ou mesmo um quarto dentro dela onde eu possa morar?

- É melhor o padre dormir aqui mesmo!

- Mas na igreja eu não precisaria ter que caminhar para realizar as missas!

- Meu conselho é que o padre durma por aqui mesmo! – disse o caseiro colocando as malas dele no chão;

- Por que? Tem algum problema com a igreja? – insistiu ele;

- Não!... amanhã o padre vai lá na igreja e ver como ela é; hoje já tá tarde e eu ainda não fiz a ligação de energia da igreja! Boa noite! – deu as costas e bateu a porta do casebre ao sair.

Antônio ficou olhando para a porta de madeira cheia de buracos feitos pelos cupins. Olhou ao seu redor e só então percebeu que aquele casebre deveria ter mais de cem anos, a julgar pelo estado do telhado, paredes e a única janela que ficava à direita da porta. Retirou o chapéu e o jogou em cima de uma pequena escrivaninha na entrada do que lhe pareceu ser o acesso para o quarto. Caminhou até a janela e com um certo esforço, conseguiu abri-la; a janela dava justamente para o lado esquerdo da pracinha onde avistara o coreto e que lhe dava a visão em diagonal da igrejinha.

Suspirou fundo; por causa de sua mãe é que estava agora naquele lugar, longe de sua terra natal, de seus irmãos, de seus amigos e de... Mariazinha..., balançou a cabeça como se quisesse lançar a lembrança para fora dela; precisava esquecer aquela “dulcinéia”!

Estava quase fechando a janela quando percebe que duas mulheres se dirigirem para a igreja; fitou o olhar em direção a elas e viu quando entraram pela porta lateral da igreja. Logo em seguida, um casal de idosos fez o mesmo trajeto, Antônio encostou a janela, pegou o amicto e caminhou com passos largos para a igreja.

Tentou empurrar a porta da frente, mas esta se encontrava fechada; rodeou a igreja e chegou à porta por onde avistara aquelas pessoas adentrarem. Puxou a porta que se abria para fora e esticou o pescoço para olhar para dentro; avistou as quatro pessoas próximas a um altar com três imagens de santos graças a uma vela que o idoso segurava em suas mãos. Todos viraram a cabeça ao mesmo tempo, com uma lentidão mortal, que o padre Antônio se arrepiou dos pés à cabeça!

Um vento frio de gelar até os ossos passou por ele, os quatros estranhos entraram por uma porta do lado contrário a que Antônio se encontrava, e sumiram na escuridão da noite. Mesmo temeroso, o padre entrou na igreja e foi atrás daquelas pessoas, mas tudo que encontrou foi um pequeno caritó. Como não enxergava nada, resolveu retornar para o casebre; amanhã averiguaria com o caseiro quem seria aquelas pessoas e o que elas estariam fazendo dentro da igreja a noite...

EMANNUEL ISAC

EMANNUEL ISAC
Enviado por EMANNUEL ISAC em 22/11/2014
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