Uma Noite Qualquer

Aqui estou, aprisionado dentro de um quarto minúsculo, com todas as luzes apagadas, tendo somente o brilho do luar cheio penetrando minha janela entreaberta. Um vento frio transpassa os vidros e logo chega a meu corpo esguio. A noite parece como outra qualquer. Animais andando pela rua. As pessoas seguem com suas vidas, comendo e bebendo como se o amanha não fosse existir. Talvez não exista mesmo...

A Escuridão me acolhe com ternos abraços enquanto estou posicionado na frente da máquina de escrever. Nenhuma palavra sai da minha mente. Nada. Tateio cada pedaço daquela mesa à procura de alguma coisa que possa abrir minha visão, de algo que trará à luz para essa página em branco, que parece não ter fim, nem começo. Apenas um longo meio, que não encontra uma mente capaz de preenchê-la...

O sono me caça como uma ave de rapina persegue um pequeno roedor na noite. Ela é implacável. Não desiste a nenhum momento. Fico inquieto e impaciente na cadeira, que de tão dura começa a me trazer dores na coluna e nas pernas. Essa é a armadilha dela. A cama, bagunçada e suja, lençóis desarrumados, imundos, com folhas e mais folhas amassadas e rasuradas em cima dela, parece um refugio da qual eu urgentemente necessito. Mas não posso deixar a maquina e a folha ali, em branco. Se nada escrever hoje, não sei o que comerei, não sei como pagarei o inquilino da casa. Com aquela folha em branco, minha vida se esvai tão rápida como a doença que consome minhas entranhas e traz à tona minhas golfadas escarlates...

Por isso, desistir não pode ser uma opção, eu ainda tenho uma chance...

Saio do meu quarto, e na gélida avenida pela qual percorro entre sombras e vultos animalescos, procuro algum lugar que possa me vender uma bebida. Encontro um pequeno bar, que não me recusa umas pequenas garrafas de cerveja. Quando eu deixar meu lado sóbrio de lado, tenho certeza que encontrarei alguma insanidade para colocar naquela folha...

Bebo umas garrafas antes de sair do bar, com a intenção de naquele exato momento, até a volta ao meu quarto, eu já encontrasse a historia completa a escrever. E, no inicio funciona. Minha mente começa a trabalhar em carga total, e as palavras flutuam em minha mente e dançam como que uma valsa em frente a meus olhos. Elas se insinuam para que eu as domine, eu as tome para mim. Era isso que eu esperava conseguir trancafiado naquele quarto asqueroso...

Porém, durante minha inspiração, recebo a visita de uma pessoa, se posso dizer que é uma pessoa, de figura pálida e cadavérica, que não faz questão de mostrar o rosto. Essa criatura, por debaixo de seu capuz, solta um breve ruído, como um leve sorriso de felicidade. O vento gélido toma a forma que um frio insuportável, que sinto ate o mais profundo da minha alma. Qual será o motivo dessa visita?...

Pergunto o nome dele, mas não recebo respostas, somente o breve sorriso. Aquela cena perturba minha alma. Fico inquieto. Enquanto retorno a meu quarto, ele me persegue, me vigia, me observa. Mesmo que não consiga ver seu rosto, sinto seu olhar esquadrinhar o recôndito de mim. Sinto que ele sabe dos meus vômitos ensanguentados, da minha fome e da minha incapacidade. Sinto que ele me vigia á muito tempo...

Entro em minha casa, me tranco no quarto e fecho com a chave e com seus três trincos e olho pelo ferrolho, desejando sua distancia de mim. Não encontro nada do lado de fora. Por um momento, sinto que estou seguro e que já posso trabalhar no meu conto. Aquela figura sombria não esta mais me perseguindo, posso agora escrever o que será a semente da minha sobrevivência...

Antes, porém, sinto em minha boca um gosto horrível, e familiar. Na pia da cozinha, mais uma vez o liquido vermelho e espesso sai da minha boca e mancha tudo o que estava ali dentro. Sinto o vento vermelho, a brisa avassaladora, o chamado de Hades ecoar no meu quarto. Mas ainda posso resistir, faltam somente alguns passos e meu conto estará escrito...

Sento em minha maquina de escrever e entro em um frenesi de batidas nas teclas da maquina. A historia vai tomando sua forma, ao mesmo tempo em que minhas entranhas se contorcem por dentro de mim. A dor insuportável predomina minha mente e logo toda a historia que havia prescrito se vai como a névoa que se dissipa ao raiar do sol. E a criatura novamente aparece a mim. Dessa vez, posso ver suas mãos e sua pele. Descarnada, tenho a certeza de que a criatura abaixo dessa manta não é um ser humano. Sinto que ela veio me buscar...

Seu riso se torna mais desesperador. O som da sua risada penetra nos meus ouvidos a ponto de fazer meu corpo parar de agir à minha vontade. Meu corpo já não responde ao meu comando. A criatura, então, aproxima um de seus braços que se dirige a tocar em minha testa. Talvez meu fim deva ser assim: morrer sem ser lembrado por nada nem ninguém. Não era a morte que eu esperava ter...

Em um ultimo ato de desespero, tento negociar minha morte com ele: deixe-me ao menos encerrar meu conto, para ao menos não morrer sem ter sido útil a alguém. Ele para, recua e fica imóvel, a observar-me. Sinal de que foi aceita a proposta. Então passo a noite dedicando minha atenção exclusivamente ao conto e nada mais.

Ao termino, coloco o conto em uma carta e a envio para o jornal. Essa criatura então repete a mesma ação e toca em minha testa. Sinto aos poucos a pouca vitalidade que eu tinha se esvair. Minha visão começa a falhar. Depois minhas pernas cambaleiam e já não tem forças para me sustentar em pé. Minha voz se torna inaudível. Minhas mãos começam a falhar. Não sei se terminarei essa escrita, ao menos espero que alguém se apaixone e goste do meu conto. Que, ao menos, eu seja importante pra alguém...

Chavinski
Enviado por Chavinski em 27/01/2015
Código do texto: T5116381
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.