Era uma vez outra vez (2) - O Medo

O adeus da despedida e lá estava, perto do portão de embarque. Na bagagem estavam somente histórias e lembranças para uma tarde ensolarada de conversas ao chegar no lar, o fim de dezembro sempre soava como festejo, recompensas de um ano passado seja por sacrifícios ou felicidades. Ele também estava comigo, o medo de voar, minhas pernas tremiam de ansiedade e pavor pois andar de avião não me deixava nem por um segundo confortável, poltrona no centro da aeronave e meio comprimido de rivotril, e que eu acorde lá!

Deu certo, acolhida por morfeu cheguei em meu destino sem muito nervosismo e a salvo o que é mais importante, era aguardada por sei lá quem e só não queria estar lá sozinha, procurei então alguns rostos conhecidos amigos e parentes talvez mas ninguém estava no saguão de desembarque, e eu tinha atentado a todos de minha chega, a tristeza da solidão foi tomando conta de mim e logo eu que tinha planejado uma surpresa a todos com meu novo corte de cabelo e temia também desapontar quanto a isso, até por ser uma terça-feira os compromissos podem ter tomado seus tempos e eu estou aqui feito boba cheia de expectativas de ver todo mundo. Liguei para o táxi o qual me deram o número em seguida a voz de um senhor me acalenta, já não me sinto tão só, um preço justo e combinado antes de ir embora e dar de cara com a falta de consideração.

Malas a bordo daquele carrão amarelo, o moço me indagava da viagem, chegada ou partida? Turismo ou trabalho? Entre outras conversas de taxistas, falou do perigo que estavam as ruas e também da economia quebrada do país, e eu? Eu só queria chegar em casa e olhar para a cara mal lavada de cada um que me largou naquele aeroporto.

Catei as chaves sem muito sucesso, três malas são bem complexas de se achar algo, será que vou ficar trancada do lado de fora? O calafrio invadiu minha alma que já estava apertada, forcei o portão e o alivio veio rápido, estava aberto, então resolvi fazer uma surpresa esperando uma surpresa, sempre crio algum tipo de esperança quando as coisas estão muito caladas, uma festa surpresa, uma reunião, eu tinha fé que alguém poderia se sensibilizar ao ponto, então fui entrando na calada dos passos de um gato e de repente me sobe o pânico, o vazio, uma situação aterradora digna de filmes de terror e tudo que eu sentia naquele momento era medo!

Sim eu estava com ela em todo tempo, desde a infância, no escudo, a insegurança da adolescência, o primeiro beijo, na montanha-russa e eu sempre estive ao seu lado. Ela me segurava como se eu fosse a mão de alguém seguro, me agarrava para se proteger e em muitas vezes eu conseguia, apesar dela ser uma pessoa super positiva se prendia a pouco de mim e não conseguia seguir em a diante.

- Largue de mim Laura você precisa ser independente; Ela nunca me ouvia colocando-me na frente de todo obstáculo que lhe aparecesse. Eu lhe acompanhava em vôos dopados, manias de perseguições, homens lhe olhando e na solidão. Na solidão eu era a melhor companhia dela, desenterrava personagens místicos de sua mente e lhe lembrava que existia mais coisas entre o céu e a terra do que simplesmente matéria! Criava perguntas para suas mais embaraçosas situações e o melhor de tudo que em meio a todo caos, ela só sabia se agarrar em mim e tudo guardado em segredo.

O saboroso sentimento da dependência alheia é esse, dominar! Eu tinha total controle sobre ela e quando ela se desprendia de mim, eu me reinventava das mais diversas formas, altura, lugares fechados, insetos e até mendigos. Eu sou o piscar da luz na madrugada, o barulho de correntes, o cheiro de queimado, a ligação perdida, o carro enguiçado, o abrir de uma porta, eu posso ser sua maior surpresa!

Todos os cinco caídos era o que eu via, meus olhos estavam cheios de lágrimas então, uma situação totalmente deplorável a qual se entregaram, o cheiro pútrido indicava uma cena de longa data, seus rostos abatidos e manchados mostravam na pele os mal tratos, farrapos e lixos espalhados dentre seus corpos e poucos espaços vazios. Tudo saiu de controle!

O apartamento no qual cheguei da viagem estava todo revirado, seus moradores até então meus amigos e companheiros de faculdade estavam todos entregues a aquela droga, pareciam zumbis, sem noção de higiene ou organização. E eu só corria e gritava, reações completamente conhecidas de quem vivia na agonia daquele sentimento! Toda recuperação tinha ido embora junto comigo, e dessa vez era pior. Mais que uma droguinha para recreação, Rix era o nome daquela ruína, novamente nos derrubou!

ERA MEU MEDO! Enfim o resultado da viagem estava completo, eu os abandonei e eles me abandonaram, nossa recuperação foi por água abaixo. Minha culpa eu dizia com voz trêmula, se estar junto nos fazia participar de um vício sem fim, me afastar e fugir foi egoísmo, agora todos fadados a esse tipo de escravidão por simples medo de encarar os fatos.

Eu já estava cansada de tanto medo, esse sentimento me fez errar em todas as minhas escolhas, medo de crescer, medo de encarar a realidade, medo do diferente e do desconhecido, e por tudo eu sentia medo, uma companhia indesejada e totalmente guardada como um segredo. EU E ELE, ELE E EU, O MEDO!

William Devillart
Enviado por William Devillart em 31/01/2015
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