Somente Minha

Eu tive que segurá-la. Era o máximo que eu podia fazer. Jamais iria agredi-la. Não sou louco a esse ponto. Mas ela queria ir embora, e eu precisava de um motivo sincero e coerente.

“Preciso estudar! Cuidar de mim”, disse ela. Mas não acreditei. Estávamos juntos há poucos mais de sete meses. Uma paixão avassaladora, entende? De querer tá junto, falar toda hora... De ter ciúmes de qualquer pessoa que oferecesse algum tipo de “perigo”. Mas eu me garantia. Achava que ela me amava tanto quanto eu a amava. Mas ela precisava ir. Simplesmente ir. Tudo esfriou.

Eu tive que segurá-la. Mas ela se debateu e acabou caindo. Não aguentava ter que vê-la chorando. Mas ela caiu, muito irritada por sinal. Eu é quem deveria estar puto da vida. Juntos há tantos meses, e ela só me avisa que vai embora no dia em que vai embora? Fez isso para “Evitar um mal maior.”, como se sentir esse baque fosse me deixar menos mal. Pego de surpresa. Porra! Viajar sem mim! Me abandonar desse jeito...

Disse que eu era a ultima pessoa com quem iria falar antes de ir embora. Evitou que sua mãe a levasse ao aeroporto, evitou que seu pai lhe desse carona. Queria partir só. Estudar em outro estado, morar com tios. Ah, que merda! Onde foi que eu errei? Onde foi que errei ao ponto de não conseguir me tornar uma âncora? Não uma âncora que deixasse sua vida estagnada, mas uma que fosse essencial. Que sem ela você num pudesse seguir. O sentimento de ser descartado é horrível. Dói.

Fechei a porta do banheiro e ela saiu. Fui até a janela e já havia sumido. Provavelmente entrou no primeiro táxi e partiu. O que eu fiz? Enchi a cara! Tomei todas as cervejas da geladeira, e ainda fiz um suco de maracujá da fruta, e apaguei. Chorando como uma criancinha. Dormi.

Acordei com um perfume conhecido. Abri os olhos. Ela estava de volta. Como era possível? Minha vista ainda estava embaçada, mas minha mente reconhecia aquela silhueta. Aquela silhueta que pelas manhãs abria todas as cortinas, fazia a luz do sol invadir o quarto e dizia:

- Bora acordar, Senhor sonífero?

Ela disse de novo. Eu pensei que nunca mais fosse ouvir aquilo. Veio até mim e me beijou. Nossa! Eu pensei que ainda estava sonhando. Levantei da cama e fui até o banheiro. Tentei abrir a porta, estava travada. Merda de fechadura!

- Chama um chaveiro pra consertar isso, amor. Você num reparou que você ainda num conseguiu consertar essa porta direito? – disse ela, enquanto preparava o café.

Ela tinha razão. Mas o chaveiro era conhecido por dar em cima das mulheres. Dar em cima fossem elas casadas ou não. Ele dava em cima! Não queria esse escroto em casa, sozinho com ela, enquanto eu estivesse no trabalho. “Domingo eu chamo ele!”, disse eu. E ela sorriu.

Sentamos pra tomar café na mesa da sala. Ela ligou a TV, mas a Sky estava fora do ar. Acho que esqueci de pagar. Aquele anúncio de código estava estampado na tela faziam uns dias. Coisinha constrangedora. Ainda mais quando tem visitas, ainda mais quando essas visitas têm Sky, e sabem que aquele aviso é atraso nos pagamentos. Foda-se! Foda-se! Que se danem.

Ela me contou que desistira. Ela me contou que o amor falou mais alto. Que procuraria alguma universidade por aqui mesmo, e que trabalharia em outra loja, para poder ter dinheiro. Eu disse que ajudaria. Ela me beijou e segurou meu joelho. Me senti amado. Me senti seguro com ela ali. Eu precisava daquilo. Eu vivia procurando provas do amor. Insegurança... Eu não sei o que... Mas eu nunca achava que estava perfeito demais. Sempre havia algo. Uma respiração mais pesada dela, um olhar perdido, uma resposta mal criada... Sempre eu estava desconfiado. Mas agora era diferente. Ela estava de volta, e parecia... Ela parecia apaixonada. Como eu sempre quis que ela fosse. Sabe? Somente minha?

No dia seguinte foi idêntico. Em casa, acordando ao lado dela. Usei o banheiro da suíte. O do corredor tava com aquela porta fodida. Ela estava no computador procurando faculdades. Parei atrás dela, e com um olhar rápido, tentei achar alguma aba de Facebook, Bate-papo, ou algo assim. Ela estava centrada. Que orgulho!

Fui para o trabalho. Antes passei na banca de jornais. Meu amigo Guilherme trabalhava lá. Comprei o Jornal Extra, e me despedi. Guilherme veio atrás de mim. Sua expressão não parecia boa. Perguntou se eu estava bem. Como eu estava com a viagem dela. Eu sorri. Nada disse, apenas sorri, e pude ver o estranhamento em seus olhos. Informei que ela não havia viajado. Informei que ela estava em casa, morando comigo... E que... Ia pedi-la em casamento em breve. Nem sei o motivo de ter dito isso. Foi meu inconsciente. Que mulher não quer casar? Ela com certeza queria. Deixar de realizar um sonho, ou pelo menos adiá-lo, por conta de um amor... Isso é casamento certo. Minha linda... Tão minha.

Ao voltar, fui procurá-la. Ela não estava em casa. Fui tomado pelo desespero. Fui aos quartos, no quintal dos fundos, fui à cozinha... Ela simplesmente havia sumido. Ela simplesmente havia ido embora. De novo! Será que havia se arrependido? Será que...

Saí na rua. Fui ao mercado, revirei o bairro chamando por seu nome. Não! Não sou idiota! Não!...Não ia suportar isso! Não se deve brincar assim com o coração das pessoas, porra! Ela ia ouvir muito. Ia sim!

Voltei pra casa. Lá estava ela no sofá. Comendo sorvete direto no pote. De calcinha e sutiã... Meu coração amoleceu. Meu coração... Tão linda. Cheiro de sorvete tomava a sala, junto do cheiro do creme hidratante... Me sentei ao lado dela. Ela disse que havia saído pro algumas horas. Fora ao centro do Rio. Eu nem comentei nada. Apenas beije-a. um beijo com sabor de sorvete. Derrubei o pote propositalmente no chão. Pulei em cima dela. Ela sorriu. Um sorriso safado.

Acordei. Tive um sonho estranho. Gritos. Socos. Portas batendo. O medo de que ela me deixasse... Aquele medo continuava me consumindo nessa porra. Fui até a sala. Havia sumido novamente. Provavelmente saído. Sentei no sofá... Mas logo me levantei. Fui até o banheiro... Merda! Ainda tá com a porta ruim! É aquele tipo de esquecimento escroto que temos vez ou outra, né? Procuramos um óculos que está em nossos olhos. Procuramos uma caneta que está na nossa mão... Tentamos ligar uma televisão quando está faltando luz... Aquela porta... Eu sempre esquecia dela. Forcei um pouco. Continuava emperrada. Bati com muita força na última briga.

Enquanto esperava sua volta. Repensei meus atos. Muitos me chamavam de ciumento e possessivo. As amigas dela me odiavam. Os amigos nem chegavam perto quando eu estava. Acho que é assim que deve ser. Ela tem namorado, cacete! Esses caras querem apenas um vacilo dela. Um vacilo, e eles investem. Eu e ela brigamos muito, e aposto que todos correm para dar conselhos. Nessas horas esses abutres viram psicólogos. Filhos da uma puta! Se eu fosse realmente possessivo, eles já estariam fodidos há séculos. Castrados! Humilhados... Qual o problema de querer que ela seja só minha, ué?

Ela ainda não chegou. Perdi a noção das horas, e dos dias. Há quanto tempo ela voltou? Há quanto tempo ela saiu. Engraçado, era pra ser de noite, mas o sol tá lá fora, e as crianças estão indo para o colégio. Acho que entrei numa rede de pensamentos, num transe e dormi de olhos abertos. Ela não voltou. Meu suor começa a escorrer. Minhas mãos ficam frias e minha visão turva. Ataque de ansiedade. Quanto tempo não tinha um. Parece que há um caroço de abacate Na minha garganta. A respiração não tem um ritmo. O ar me falta. Acho que vou des...

••••••••••••

Estou em uma sala fria. Há dois policiais me olhando. A mãe dela entrou na sala chorando e me deu um tapa na cara. O pai dela me deu um soco no estômago. Os policiais nada fazem. Agora um outro homem entrou na sala segurando uns papéis presos a um envelope de papel pardo tamanho A4. Ele me olha sério. Os pais dela saem da sala, amparados pelos dois policiais. O homem senta diante de mim, respira fundo, e começa a contar uma história sem nexo.

Na versão daquele velho escroto, eu tinha assassinado ela. Traumatismo craniano, ocasionados por diversos golpes com sua cabeça na pia de um banheiro. O corpo estava no banheiro quebrado por uma semana. Ela nunca havia viajado. Seus pais estranharam que não receberam nenhuma confirmação de sua chegada. E tudo os levou até minha casa. Armaram pra mim. Segundo uma psicóloga lá, eu era tão dependente e ciumento, que minha cabeça criou uma história paralela, e a manteve viva. Como se a saudade tivesse se personificado na minha amada. Como pode?

Será que alguém pode amar tanto assim? Ao ponto de, para se acalmar, criar uma história onde tudo fosse às mil maravilhas? Realmente... Nosso relacionamento havia melhorado quando ela desistiu de viajar. Mas morta... Em meu banheiro? Vontade de cuspir na cara desse velho.

Mas foda-se! Podem me prender. Enquanto me levavam para a cadeia, pude vê-la na porta, junto das outras mulheres que esperavam para ver seus maridos. Lá estava ela. Provavelmente contra a história que seus pais inventaram. Esperaria loucamente por sua visita. Minha linda. E eles não entendiam isso. Ela era minha! Somente... Minha...

Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 02/03/2015
Reeditado em 03/03/2015
Código do texto: T5156110
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.