Os dois lados da loucura

OS DOIS LADOS DA LOUCURA - PARTE 1

Corri atônito em direção à cozinha, um turbilhão de pensamentos me vinha à mente e ficava cada vez mais difícil raciocinar. Manchas escuras na visão atrapalhavam meu caminho e me distraiam. Eu precisava fugir, e só tinha certeza de uma coisa: eu seria o próximo.

Eu tinha 10 anos quando ela chegou, me disseram que seria minha nova irmã e que não tinha para onde ir. Eu não queria uma nova irmã, mas vovó dissera para ser mais compreensivo, então acabei aceitando.

Liz tinha 7 anos quando seu tio foi assassinado, ela não tinha pais e vivia com o velho Many, um mecânico do subúrbio que não era muito renomado. As pessoas diziam que ele era doente da cabeça. Não sei como o deixavam ser responsável por uma criança, mas ela era tão estranha quanto. Supunha que levavam uma vida normal, para pessoas como eles.

Não sei desde quando ele a adotara, mas lembro-me bem de quando encontraram o corpo do velho, já em estado de decomposição. Ele estava amordaçado embaixo do assoalho da cozinha, e levara cerca de vinte facadas no peito. Liz estava em casa, ela disse que estava na escola e que quando voltou, achou que Many tinha saído. Não foram encontradas provas e ninguém foi preso, ninguém desconfiara de Liz, afinal, que mal poderia causar uma pequena garotinha?

O orfanato da cidade tinha recusado acolher Liz, desculparam-se alegando que tinham crianças demais. Ela permaneceu naquela casa por dois meses, ficava sob cuidado de uma assistente social, que se demitiu um tempo depois e mudou-se para outra cidade, ninguém quis ocupar seu lugar.

Vovó sempre fora uma pessoa altruísta (até demais), sempre que lhe era dada oportunidade, ela estava presente, dedicando maior parte do seu tempo ajudando os outros.

Na noite da morte de meus pais, eu estava com ela, eles voltavam de um aniversário quando meu pai tentou ultrapassar o carro da frente e foi de encontro a um caminhão. Os dois morreram na hora, eu tinha apenas cinco anos. Vi vovó chorar, e com ouvidos atentos e coração apertado, tentava compreender o que me diziam.

Vovô me explicava que meus pais e minha irmãzinha tinham ido para um lugar melhor. Minha mãe estava grávida, ninguém sabia. Os médicos tentaram salvar o bebê quando perceberam, mas já era tarde demais. Sabia o que aquilo que o vovô dizia significava, eu nunca veria meus pais novamente, e nunca conheceria minha irmã.

Quando vovó soube que Liz estava sozinha novamente ela implorou aos prantos para deixa-la morar conosco.

-Como você pode recusar um pedido desses? Ela é só uma criança, ela precisa de ajuda! – vovó choramingava em meio a soluços.

-Teresa, ela não é uma menina comum, ela é estranha. Claro que ela precisa de ajuda, mas não da nossa, não conseguiríamos lidar com ela. – Vovô estava sentado em sua poltrona, seu semblante sério normalmente me desconfortava, mas não dessa vez. Eu sabia que ele estava certo, tinha sensatez no olhar e começava a ficar impaciente.

-Você é desprezível! Imagine se fosse nosso Peter! Ora Benjamin, vamos, pelo menos pense na hipótese!

Vovô olhou para mim e parecia ponderar sobre a possibilidade, mas não seria assim tão fácil convence-lo.

-Tudo bem, Teresa, vou pensar. Mas não fique animada, isso não é um ultimato.

Juliana Cordeiro
Enviado por Juliana Cordeiro em 02/03/2015
Código do texto: T5156153
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