Nobreza

A névoa densa mal concedia divisar o contorno dos edifícios e casas destruídos pelos constantes ataques dos meses anteriores.

A bruma como que paralisava o ar daquela manhã e era quase impossível respirar naquela temperatura de 17 graus negativos, poderia ser pior, pensou, já que lá na distante planície dos Urais a temperatura certamente tinha ido abaixo dos 35.

Mal se mexia naquela vestimenta grossa e o fuzil colocado em posição, repousava em seus braços como um dócil animal que estivesse dormindo.

Era possível ouvir aquele rangido lúgubre das banquisas se chocando no Volga.

Onde estaria o major, pensou?

Naquele momento poderia até estar dormindo bem aquecido numa cama no QG montado no prédio da antiga fábrica de tratores, ou mesmo poderia estar ali perto, atrás dele já com a alça de mira assestada em sua nuca.

Um longo arrepio percorreu sua espinha, o mesmo que sentia quando era apenas um garoto quando na companhia de seu avô espreitavam escondidos na neve densa, o lobo siberiano preparar o ataque sobre o indefeso carneiro amarrado a uma árvore.

No momento do salto: um tiro fazia seu eco longo no longo silêncio da floresta e o lobo ameaçador jazia com a cabeça destroçada junto ao espantado carneiro.

Agora não, naquele local frio, imóvel não haveria mais seu avô para abater aquele outro tipo de lobo que dessa vez saltaria sobre ele.

Ao seu lado, quase colado ao seu corpo, imóvel como uma rocha, Vânia seu observador de campo de apenas 17 anos e que o idolatrava como a um deus, também esperava.

Sua grande precisão e atividade fez com que o alto-comando do cerco fizesse vir de Berlim o maior atirador do exército, um nobre da Bavária com a patente de Sturmbannfuhrer, major, ostentando no pescoço a Cruz de Guerra do Mérito Militar, condecoração concedida apenas por ato de heroísmo e que tinha sido recebida pelo seu próprio filho, morto na batalha de Mamayev no início do cerco.

O major já havia feito várias vítimas e quase o tinha pego nas ruínas do depósito de trens, tinha sido por muito pouco mesmo.

De repente sua respiração quase cessa, a bruma pouco permitia ver, mas jamais tinha deixado de sentir a presença de um lobo.

Lá estava ele, pensou, nalgum lugar na direção da destruída barraca da Feldgendarmerie, agora, a qualquer momento o lobo saltaria. Vânia ao seu lado sentiu seu estado alterado pela iminência daquele momento, passaram-se os minutos e não se conteve e com uma voz quase inaudível para ele próprio sussurrou:

— Você está vendo ele Vassily ?

Sem responder, quase intuitivamente o nobre franco-atirador faz fogo.