Escuridão

A desaceleração foi tão rápida quanto o acionamento dos freios, baixando de 125 para 93 km em frações de segundos e continuou caído, não tão rápido agora. Isso a poucos metros da troca de percurso. Coincidência ou não, o sinal estava verde o que lhe concedia permissão para seguir. Seu pensamento gritou instantaneamente e seus lábios quase sem som pronunciaram:

“Estamos com sorte querida. Segure-se firme. Nosso filho irá nascer forte e tudo vai ficar bem”.

A escolha já havia sido feita, não havia como retroceder. Por isso tentou canalizar toda concentração em seu objetivo, ele não podia falhar. Já havia desacelerado, mas a curva se aproximava bem mais rápido do que previu. Segurando firme, Goulart se preparou para deixar a via principal. Apertou os olhos, pressionou as mandíbulas e contraiu os lábios. Seguro de si arrastou o volante fazendo-o girar no sentido horário; desse modo o carro ou a “máquina” como ele gostava de comparar, fechou a curva pela direita e por pouco não colidiu com o meio-fio. Seus ouvidos atentos captaram nesse instante um forte ruído que veio de fora, mais precisamente da parte inferior do veículo. Era o atrito da borracha quente dos pneus arranhando um asfalto escorregadio. Goulart se preocupou quando o marcador de quilometragem não baixou de 68 Km e o veículo continuou deslizando sobre a película de umidade estendida como um tapete ao longo da curva. Em segundos não calculados, ultrapassou a faixa de segurança e se posicionou por completo sobre a pista inversa.

O relógio no painel marcava 03:45 min da manhã. O exato momento que Goulart ouviu o último gemido dos lábios de Sara decorrente de mais uma forte contração. Esse também foi o instante em que Goulat viu milhares de flocos de neve flutuando em uma velocidade beirando a estática, como se tivessem congelados em pleno ar. Isso ocorreu milésimos de segundos após quatro faróis voarem em sua direção transformando-se em uma única e gigantesca bolha luminosa, uma empola, que tão logo se esvaziou para a escuridão na mesma velocidade com que havia se enchido de luz.

(Sidelcy Ribeiro) Fragmentos originais

Sidel
Enviado por Sidel em 03/07/2015
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