O misterioso velho de sombrinha preta

Em um lindo pomar se criam expectativas para uma vida de gozo, porém, tantas as controvérsias a torna artificial, somente soldada na superfície da imaginação.

Ela começa no processo de fecundidade, o encontro de X e Y que dá origem à pensamentos que convergem-se entre si rebuçado por ingenuidade, mas o que poucos sabem é que necessitam apenas do querer óbvio.

Ora basta, ora pede por mais, e o que falta é a transcendência entre o corpo e a alma, ou talvez seja algo que o faça ver a luz como um alfinete.

São muitos os desafortunados na vida, ou diria, insatisfeitos por serem exigentes, que por não cultuá-la e saborear suas possíveis inundações de prazeres e riquezas os tornam eternamente amargos.

Outros são ortodoxos, seguem rigidamente a doutrina realista, a da própria realidade, e estranhariam este mundo. Mas são meros reformistas, "pode até não parecer, mas são gente quase igual a gente", tem lá suas proezas. Estes chegam a encher o peito estampando-se de orgulho como se soubesse o verdadeiro significado da palavra felicidade. Usa-a como silogismo sutil. É o pungente de um ser arduamente hipócrita.

Há os que se extravasam, os riquíssimos em egocentrismo, aqui encontra-se o poeta escondido do mundo lá fora escrevendo seu próprio destino, tendo como base as belas palavras de um ungido, decifrada uma nova significância a cada pôr de sol: sou feliz por ser louco, sou louco por ser feliz.

De loucura se deve à ela, caro leitor, pois a vida não te abana, ao menos te leva café na cama!

E este velho serve de melhor adágio.

Procurava por refúgio nas entranhas daquela mata pouco explorada em tempos de guerreiros, uma nova história de brasa ardente. Sentia-se como português na América, ao chegar em terras desconhecidas impondo tradições, leis, costumes e acautelando qualquer ignorância. Assim como o português, ele era intruso manso, de espírito, sentia-se acolhido, ao mesmo tempo intimidado pela graciosa riqueza desta terra calma e de fertilidade esplêndida. O mar deixava-o calmo e límpido, porém o pensamento carregava uma tristeza farda: o desejo que ficava lá do outro lado do Ocidente.

Ele talvez não seja um português na América e sim a própria América em si, dono de um seio de belezas antes nunca desvendadas.

Sabiá que voa distâncias a busca de uma palmeira.

Estava ele, como sempre, com aquela sombrinha escura. Cruzava rapidamente as engenhosas ruas e calçadas que se estendiam em longos traços e rabiscos, sem se preocupar com a multidão que o embaraçava, e com destino incerto sentia-se com o fôlego curto.

Observo seu semblante, homem de cor clara, olhos verdes, cabelos brancos, as rugas nas profundezas de sua face demonstravam sua mal dotada vida feita de amargos, aparentava-me uns oitenta e sete anos, sobrancelha raspada, marcas que a o deixou, tinha um olhar triste sobre as coisas que entrevia, magro esquelético.

Era um homem quedo, taciturno, quase não conversava e mal cumprimentava seus vizinhos. Sempre estava vestido com aquela camiseta branca feita de lã e uma calça cinza e o acompanhava uma sacola e uma sombrinha preta, a qual mais usava como bengala. Morava em uma casinhola no litoral, escondida atrás dos canaviais que produzira em seu quintal.

Naquele exato momento que o vi algo me fez pensar na vida. Ele não era feito de atonia, era desbravadamente perseverante em buscar o que havia de mais profano em si, sua felicidade e, a vida ainda não o tinha recompensado por cultuá-la, o que esta o deixou foi uma acabada mercearia, onde trabalhava solitariamente como artesão.

Muitos achariam que estou falando de um carpinteiro maluco, mas este não era um simples carpinteiro maluco, era velho também, dono de um segredo que excita meu paladar, às vezes incompreensível, era um aventureiro em alto mar. Tentava na vida seu gozo.

Ele não perfiava por um futuro apenas lhe bastava o presente, estava velho demais para navegar explorando mares de incertezas, mas cobria-se de esperanças.

Este velho é cobiçado em minha narração e por ser indiferente causa-me grande regozijo em contá-lo; suas intrínsecas sensações que lhe causava espanto, por nunca haver sentido algo tão intenso que o tornasse na alma trêmulo, inspirou um dia os seguintes versos poéticos:

- Dentro do amor que se faz a emoção / É uma engrenagem louca este meu coração!

Como se bastasse apenas um assobio para que pudéssemos compreender completamente a realidade que tanto nos rodeia. Ela é uma nau de escrúpulos que vaga por aí destemida pelos mares do destino, sem sabermos ao certo o que carrega novamente de pífio.

Hoje o dia amanheceu nublado e logo começou a chover no litoral, aos poucos o céu era coberto pela poeira acinzentada, há tempo que não chovia por ali.

Após a chuva cessar, o céu se abrir, despojado de um enigma, e os pássaros porem a cantar o homem saiu de seu aconchego, saudoso, pôs-se a contemplar a formidável sensação de estar ali pisando naquela terra molhada, ouvir as últimas gotículas rufar o latão, que desciam entre os vãos escorregadiços do telhado de madeira.

De longe, ao caminhar pelas areias da praia avistou uma aparente miragem, era realmente algo que acontecia, via um menino que a pouco entrou no mar, e agora luta contra as ondas para se salvar.

O velho que nunca tivera a oportunidade nem se quer de ler um manual de salva-vidas via sua única chance, ali à sua frente, inesperada de viver a tão sonhada experiência.

Vendo o menino que sufocava-se naquela imensidão formada por águas, banhadas pelo oceano, com sua essência saltou-se por impulso ao mar, obrigando calar o seu medo das terríveis águas oceânicas.

Mas como tudo na vida há seu preço para salvá-lo teve que ceifar sua própria vida.

Matheus Ernandes Monteiro de Moraes
Enviado por Matheus Ernandes Monteiro de Moraes em 21/11/2015
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