O desejo de ninguém

Na estrada deserta, só eu e você.

Percorrendo quilômetros afastados do resto do mundo

Ele dirigia a noite toda

Quando chovia, eu brincava com as gotas derramando no vidro

Admirava as estrelas mortas do céu vivo à noite

O sol amanhecia alaranjado, levantei meus olhos de sono e vi seu rosto

Cansado. Quase sem piscar

Abaixei o vidro, coloquei as mãos para fora, fingia navegar no vento gelado da manhã

A estrada terminava com a entrada de uma floresta

Descemos do carro para enxergarmos um pouco a realidade

A floresta impedia que o sol nos aquecesse, parecia que ainda era noite

Sombria. As árvores podiam nos escutar ou nos vigiar

Adentrei mais a frente, ele permaneceu sentado a descansar.

A curiosidade tornou-se meu segundo nome, pois fui explorando o território escuro

Cada vez mais frio, e molhado.

O gelo grudado nos galhos podiam capturar uma luminosidade do sol de longe

Conforme andava, subia. Talvez um pequeno monte

Se estivesse sonhando, acreditaria que as árvores me deram espaço para ver o que estava escondido por trás delas

O sol. Mais vivo, maior

Nítido

Pisava numa rocha coberta de gelo escorregadio, me desequilibrei.

Meu coração parou.

Se ainda estivesse sonhando, acreditaria que os galhos daquelas enormes árvores me seguraram antes que o pior acontecesse

Respirei fundo, fora apenas um susto

Afastei da vista inacreditável, oh Deus, como queria enxergar através dos olhos dos corvos que repousavam nas grandes alturas, eu pensava.

O vento voltou a atacar, recolhi-me para a floresta escura

Enquanto fazia o caminho de volta até o carro, um grito.

Um grito aguçando ao eco

Os corvos fugiam de seus lugares contra o vento

Agitada, olhei de um lado para o outro, teria sido ele?

Corri. Não importava a direção, apenas corri.

Corria sentindo olhares de terceiros assistindo o meu desespero, aquilo era assustador

Não sentia mais meu coração, e não possuía mais rastro

Quando cheguei no destino, ele estava ainda lá. Parado, com a cabeça deitada sobre as mãos

Aproximei, logo me fuzilou no olhar

Ele segurou meus ombros, acariciou meus cabelos

Seus dedos agora se revestiram de sangue

Sangue frio

Esfregou os dedos ensanguentados no meu rosto

Fechei os olhos

Toquei sua barba seca e em seguida foi embora, me deixando ali

Era impossível dar um passo, porque aquele era meu lugar

O lugar de alguém que nunca sentiu a brisa da manhã ou as gotas da chuva, que nunca havia entrado naquele carro

Aquele era um desejo de uma garota morta, vista aos olhos dos corvos

E deixada para as lembranças vazias.

CUNHAB
Enviado por CUNHAB em 18/06/2016
Código do texto: T5671257
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