A casinha - Parte I

Ashley gostava de passar as férias na casa dos avós. Apesar dos anos, não havia esquecido dos detalhes que fizeram a alegria de sua infância. O portão de madeira que dava acesso àquela fazenda parecia cada vez mais novo; o avô Charlie permanecia com o incessante hábito de pintá-lo toda vez que o outono chegava. O caminho de pedras que levava até a casa, sempre úmido e enlameado, agora dava lugar à um asfalto novo e plano. A casa, uma casinha velha de madeira, coberta por um telhado avermelhado, trazia o aconchego que Ashley tanto desejava. O frescor daquele lugar permitia que o ar entrasse de uma forma tão pura em seus pulmões, que a vida realmente parecia renovar-se a cada segundo. Não haviam preocupações. Nem mesmo seus pais que tanto gostavam de ditar ordens e proibições poderiam atrapalhar seu almejado e merecido descanso. Era somente ela e seus velhos avós.

Margô e Charlie eram um casal exemplar. 50 anos juntos, e o tratamento de ambos permanecia como o de jovem par de namorados. Mesmo com a idade avançada, os dois pareciam retirar vitalidade de uma fonte rejuvenescedora. Abaixo do alpendre da velha casinha, os braços erguiam-se abertos, aguardando a chegada da tão querida neta. Um abraço apertado e afetuoso furtou-os por momentos da realidade. A voz de Ashley, apesar de atropelada pelo nó na garganta, expressava o quanto a saudade daqueles dois a haviam feito sofrer.

Envolvido por aquele momento inebriante, Charlie se perdia nas mais longínquas memórias. Lembrava do quanto tinha sido feliz, e como batalhara assiduamente para chegar até aquele ponto da vida; lembrava com alegria dos tempos em que apenas vivia calma e sobriamente, contagiando os filhos e netos, antes do acontecimento que mudou sua vida para sempre. Nesse ponto, o sorriso que havia se formado na face enrugada do velho, se desfazia em um semblante de puro ódio e horror. Mas a buzina do pequeno fusca interrompeu-o, trazendo os pensamentos de volta à realidade.

Anunciando a chegada de Rebeca e Alan, o ruído do motor dissipava o pacífico silêncio daquele lugar. No calmo horizonte, brotava a imagem daquele pequeno veículo aproximando-se na mais alta velocidade que conseguia atingir. Ashley mostrou-se surpresa com o movimento, mesmo já imaginando a possibilidade da vinda dos primos naqueles dias. Após uma súbita curva, as portas se abrem e os semblantes alegres comemoram o desembarque. Mais abraços, saudações e gritos de alegria eram distribuídos.

- Entrem crianças! - Margô repetia por diversas vezes, mas sem que os netos pudessem escutá-la. O convite foi feito pois mais algumas vezes, até que os jovens atentaram à solicitação amigável da anciã.

A velha dava graças por não ter seus pensamentos à mostra. Como num sussurro interno recordou: - Está chegando.

Enquanto os jovens conversavam entusiasmados e eufóricos sobre as novidades, o casal de velhos observava com atenção as mudanças repentinas no céu. Em um momento o sol tomava conta de cada pedaço do azul que cobria toda aquela extensão sublime, mas algo negro e sombrio passava a devastar toda alegria que aquela paisagem poderia trazer. Nuvens escuras retiravam toda luminosidade que outrora se via. Sem demora os dois passaram à tentativa de encobrir aquele acontecimento tenebroso. Os jovens inocentes e distraídos não perceberam quando as janelas começaram a se fechar. A única luz que se via era a tenra exposição da pequena lâmpada que se dispunha acima de suas cabeças.

Jéssica do Nascimento
Enviado por Jéssica do Nascimento em 15/07/2016
Reeditado em 15/07/2016
Código do texto: T5698643
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