Quebre meus ossos por favor

Nina teve uma crise nervosa, esperneou, esmurrou a porta da van com os dois punhos algemados e parece que trincou alguns ossos, ou quebrou, Rolfe não sabia direito, de qualquer forma a mão dela, a esquerda, parecia uma grande maçã vermelha. Logo iria anoitecer, a longa estrada não apresentava às suas margens nem outdoors sinalizando a presença de uma cidadezinha qualquer, nem um caipira acocorado no acostamento à espera de ônibus pinga-pinga, não havia insetos se arrebentando no para-brisa, nem vento soprando nos campos cultivados – umas poucas árvores imperavam aqui e ali, mangueiras ou goiabeiras. E o silêncio sobrepujando tudo, o motor da van, o chorinho de cadelinha desmamada à força da mocinha. Rolfe sentiu que ia explodir, se espancasse a adolescente, mais um pouco ela poderia morrer, a vadia estava um bagaço, por isso saiu da rodovia e tomou uma estradinha de terra batida que cortava uma extensa plantação de milho, desceu do veículo, postou-se diante da roda traseira, desceu a braguilha e urinou com vontade, sem se importar com a queimação que o ácido úrico provocava na ferida em seu pênis – a grandíssima filha da puta havia dado uma dentada na cabeça de seu pinto. Isso há dois dias. Exemplara-a com uma surra tão grande que pensou tê-la matado, mas depois constatou que aquilo tinha sido apenas um desmaio; naquela ocasião, olhando o corpo inerme da jovem, desejou que ela realmente houvesse falecido, afinal estavam numa clareira de uma dessas florestas municipais, um lugar abandonado, cheio de lixo, havia mesmo ossadas de animais e uma mandíbula que, tinha certeza, era humana. Se por acaso um dia alguém encontrasse a carcaça de Nina, já seria tarde demais para uma identificação, mesmo com a ciência fazendo milagres nessa área, conforme via nos seriados americanos de CSI. Refreara a vontade de matar Nina – ainda não a tinha violentado. Quando obrigara a garota a praticar sexo oral, aquilo não passava de um preâmbulo, de mais uma manobra para dobrar definitivamente qualquer resquício de dignidade que ela pudesse ainda possuir. E se deu o imprevisto, a ordinária teve a suprema audácia de atacá-lo a dentadas.

Rolfe terminou de urinar, fechou o zíper da calça e ordenou que Nina apeasse da van e também fosse se aliviar no mato, ai dela se fizesse qualquer sujeira no banco do carro. Ouviu que ela tentava abrir a porta da van, podia ouvi-la gemendo de fraqueza física ou porque estivesse com uma das mãos arrebentada. Foi lá, abriu a porta do veículo, pegou-a pelo pescoço e a jogou no chão – tirou a faca mateira do cinto e cortou as presilhas de plástico nos punhos dela. Nina levantou-se cambaleando e entrou no milharal. Rolfe pegou outra presilha na sacola de supermercado e a enfiou no bolso de trás da calça, os ouvidos atentos aos barulhos que vinham da plantação, distinguindo o som do choro de dor, irritante; o ruído da micção, o odor nauseante de líquido infectado. “Estou com o saco cheio dessa vadia”, ele murmurou, desejando que ela tentasse escapar. Acendeu um cigarro, deu grandes tragadas analisando a tarde findando-se. Achou o crepúsculo muito bonito, a luz dourada com laivos vermelhos. O horizonte parecia sangrar, era uma tarde esfaqueada. Gostou da frase formando-se em seus miolos. Adorava as facas. Acariciou o cabo de sua faca embainhada e presa ao cinto. Nina podia tentar uma fuga cinematográfica – por que diabos ela não tentava? Até imaginou a perseguição pelo milharal. Uma perseguição implacável em meio à plantação poderia ser um divertimento e tanto, e ele bem sabia o quanto estava precisando dar umas boas gargalhadas. Balançou a cabeça como que expulsando o pensamento para longe – a moça estava um caco, não tinha condições físicas nem para uma corridinha de uns dez metros. Deixou o cérebro fantasiar cenas engraçadas, entre muitas selecionou a imagem de Nina de cócoras mijando em cima de ervas daninhas nascendo entre as fileiras de pés de milho com espigas empenachadas. Viu mentalmente o esguicho saindo da vagina da garota, captou mesmo o cheiro peculiar de fêmea gloriosamente disponível. As imagens no cérebro somaram-se ao odor e Rolfe percebeu que estava tendo uma ereção, dolorosa por sinal, por causa da mordida de Nina. Suportou heroicamente a dor, extasiado pelo repentino vigor de sua masculinidade. Nos últimos meses só conseguia endurecer o pênis se tomasse os famosos comprimidos azuis. E não mais os tinha, o último tinha sido ingerido quando exigiu que Nina lhe fizesse felação. Jogou o cigarro no chão, libertou o pênis da cueca e calça, olhou-o com ternura, deliciado com a visão: parecia a lança em riste de algum cavaleiro medieval – enlouquecido de excitação foi atrás da garota no milharal.

Ela estava estirada no chão, os olhos fitando os últimos raios sanguinolentos do crepúsculo, o vestido do baile de formatura do ensino médio, outrora branco, amealhava gravetos, terra, folhas mortas, capim seco e insetos – um sinal de que havia tentado empreender fuga rastejando-se. A calcinha enroscara-se em seu tornozelo como se estivesse ciente de sua total inutilidade. Rolfe ajoelhou-se perto do corpo inerte de Nina, ergueu sem pressa o vestido até a cintura, olhou o triângulo de pelos púbicos, separou as duas pernas da moça e quando estava prestes a penetrá-la, o pinto murchou. Assim, repentinamente. Não passava de uma coisinha amorfa, enrugada, encolhida entre as coxas. Rolfe deu um rugido de grande animal mortalmente ferido, esbofeteou as faces de Nina, ergueu-se, olhou desorientado para o sol no ocaso, passou as mãos pelo rosto, desesperado. Passou a chutá-la em todas as partes do corpo com seu coturno semelhante aos dos soldados do exército. A jovem apenas gemia, dando a impressão que estava anestesiada com tanta violência. O homem parou de agredi-la, parecia incrédulo, a desgraçada reagia assim, indiferente aos golpes? Cuspiu em cima dela com supremo desprezo, então colheu uma espiga de milho já no estágio de maturação e introduziu-a na vagina da garota. Com casca e penacho ressequido. Ficou um tempão enfiando e retirando a espiga no sexo da menina, como se a masturbasse. Nina começou a gritar como se fosse possível alguém ouvi-la naquelas vastas e desoladas lavouras. E a cada urro dolorido que Nina soltava, mais furioso, ensandecido, Rolfe se mostrava. Por fim, extenuado, Rolfe deu o flagelo por terminado. Jogou a espiga completamente ensanguentada a uma boa distância, tomou Nina nos braços e voltaram para a van. Colocou-a no banco de passageiros, contornou o veículo, sentou-se à direção. No compartimento atrás dos bancos retirou uma garrafinha de água mineral do interior de uma caixa de isopor, destampou-a, deu um gole e ofereceu o frasco para Nina. Ela não fez menção de aceitar o presente.

– Vamos querida, tome um pouquinho – disse, impondo na voz um tom de ameaçadora meiguice. – Não adianta ficar emburrada, você sabe que tudo o que te acontece é por culpa exclusivamente sua. Não quer a água? Não quer mesmo? Pega essa maldita garrafa, vadia!

Nina estendeu a mão, sem levantar os olhos do regaço – a quantidade de sangue empapando o vestido de baile era assustadora – pegou a garrafinha, em seguida começou a beber, lentamente, com dificuldade, era como se tivesse um nódulo na garganta impedindo a passagem do líquido. Rolfe dobrou-se sobre o banco de motorista e alcançou um trapo sujo logo atrás, entre um colchão de solteiro, um fogareiro a gás de duas bocas e algumas roupas misturadas a garrafas pet de refrigerante, latinhas de cerveja, copos de água mineral e caixas de pizzas, tudo vazio.

– Coloca isso entre suas pernas, vai ajudar a estancar o sangue – ele disse, mas como a garota não ousou levantar as vistas, então Rolfe fez o serviço. – Quando a gente encontrar uma cidade, eu te compro um vestido bem bonito, está me ouvindo? Hein? Está me ouvindo?! – Nina por fim ergueu os olhos para o raptor, medrosa e agradecida.

***

Ele tem olhos de lince, de águia, de um animal cruel, cruel não, de um bicho implacável, eu tenho que me comportar tenho que ser boazinha, ele às vezes se parece com um pai rigoroso, mas cheio de amor, um pai que nos espanca quando somos desobedientes, eu sou má, mereço cada golpe que levo cada chute cada pancada cada osso quebrado cada gota de sangue que se esvai de meu corpo pecaminoso, até onde meu deus terei forças para suportar a fúria deste homem, deste desgraçado, quero voltar para minha casa, eu ainda estou em casa, é bem isso, eu estou em meu quarto, eu estou feliz, eu experimento o vestido branco e penso no Roger, Roger vai dançar comigo a noite toda, nooossa, quantas garotas vão arder de inveja, eu nos braços do garoto mais bonito do colégio, nooossa, vou... puxa vida, não consigo abotoar o vestido nas costas, ainda bem que minha mãe está chegando, é bem dela abrir a porta da frente de mansinho, será que a vovó e o vovô estão com a mamãe? Vovó esta gripada, não quer ir ao baile, se vovó não for vovô também não irá, mas a mamãe é fogo, foi lá na casa deles convencê-los, os passos na escada são de uma só pessoa, mas que pena, parece que só nos duas iremos, mamãe é tão jovem ainda, na certa vai se divertir muito também, quem sabe encontre finalmente algum parceiro de dança bonitão, afinal está viúva há cinco anos, é muito tempo, ela tem mesmo é que aproveitar a vida, mas de uma coisa tenho certeza, ela vai me deixar a sós com Roger, ei, espere um pouco, esses passos na escada não são da mamãe, os passos da mamãe são tão leves, esses aí... Este homem, este animal, animal? não posso nem compará-lo com animal, animal não tem raciocínio, não tem consciência, não sabe o que é crueldade quando está matando para comer, então, este ser desprezível me agride me chuta me estupra com uma espiga de milho e depois me oferece água como uma mãe acudindo uma filhinha ardendo em febre então esse monstro me enfia um trapo imundo em meu sexo que ele próprio injuriou este sexo que nunca foi tocado nem por namoradinho de ocasião este sexo que só seria tocado por alguém que eu escolheria como parceiro para o resto da vida – então esse ente do mal me dá água, agora me acaricia o cabelo, fala coisas que não entendo em meu ouvido, a sua fala é suave, é doce, é amorosa, é caridosa, este cara só me agride porque eu sou má, sou ruim, eu mereço tudo por que estou passando, tenho que ser boazinha senão o homem irá me punir e eu não aguento mais tanto desprezo tanta violência tanta dor tanto sangramento e meu pulso lateja e arde e já não consigo movimentar os dedos, este canalha asqueroso nem imagina o quanto seu toque me enoja, agora está analisando o meu pulso e diz que não há quebradura, apenas uma torção, nada para causar muita preocupação e diz que irá colocar o osso no lugar, eu tenho que ficar quieta, não dê um pio ele esbraveja, você cala a boca ou quebro todos os seus dentes, e ouço um barulhinho e um súbito alívio, a dor se aplaca, suspiro aliviada, esse homem é maravilhoso, é o único ser vivo que pode m socorrer e me consolar, tenho que ser gentil com ele, tenho que ser carinhosa, tenho que ser obediente, este homem tem o meu destino em suas mãos, ó deus faça de mim instrumento de vossa paz, gostaria de chorar muito, um balde um caminhão uma hidrelétrica um mar de lágrimas, minha avó dizia que as lágrimas aliviavam alma, que as lágrimas eram um bálsamo para todas as aflições mortificações mágoas martírios agonias tormentos consternações expiações angústias desgostos amarguras e medos, minha avó cantava doces canções quando eu estava com terror de ruídos noturnos, com raiva de algum professor, com desgosto de alguma amiga, com pavor de sombras no quarto, com cisma de mares ignotos, com receio de florestas impenetráveis, com desconfiança de desertos nunca vistos, você é uma adolescente muito mimada vovó me dizia e me acariciava os cabelos com seu sorriso bonito e sua voz meiga entoava canções de ninar e canções natalinas e canções de amor... O homem toca em um dos meus seios e pergunta se eu estou gostando e eu posso sentir seu bafo quente em minha nuca, sua respiração possui a consistência de magma, de ferro em brasa que marca o gado de alguém, ele não para de falar, fala mansamente coisas terríveis, pergunta se minha periquitinha está pegando fogo e eu não entendo o que significa periquitinha e pergunto o que é periquitinha? e ele responde sua boceta amoreco, você não está tesuda, não quer meu pau dentro de sua boceta e eu sinto meu corpo enrijecer de pânico, o monstro intenciona enfiar coisas dentro de mim eu nunca mais deixarei que alguém toque em meu sexo, nunca mais nunca mais nunca mais, e seus dedos apertam meus seios, meus seios estão inchados, não são menores e bonitos, estão inchados e doloridos nunca mais deixarei que alguém toque em meus seios nem namorado nem marido nem filho nem quando estiver morta não permitirei que toquem em meus seios quando lavarem meu corpo, vestirem meu corpo, colocarem meu corpo no caixão, não permitirei que os vermes comam meus seios não permitirei não permitirei e não permitirei que...

***

Rolfe cansou-se do brinquedo quebrado, pegou nos braços o corpo de Nina e levou-o para a traseira iluminada do veículo, colocou-o sobre o colchão, encostou o ouvido no peito da moça para constatar se havia batimento cardíaco, ouviu o coração trabalhando lentamente, ótimo, disse em voz alta. Pegou numa sacola de plástico um grande gomo de salame, tirou a faca da bainha, sentou-se encostado numa das laterais da van, cortou fatias do alimento e mastigou-as com prazer. Comeu todo o salame, pegou uma lata de cerveja na embalagem de papelão, tomou-a de virada, pegou outra cerveja, ficou bebendo em pequenos goles enquanto olhava Nina e tentava decidir o que faria com ela, já tinha perdido todo o interesse, era um brinquedo quebrado, nada mais. A lembrança do momento em que a estuprara com a espiga de milho matou seu desejo sexual, que gozo poderia proporcionar uma xoxota arregaçada, rasgada, destruída, uma boceta em carne viva? Nenhum. Rolfe alcançou uma garrafa de vodca perto do pequeno fogareiro, saiu da perua, fechou a porta lateral e foi sentar-se ao volante. Ficou bebendo no gargalo e olhando a noite. O dinheiro estava acabando, precisava telefonar para a mãe, pedir que ela depositasse uma grana na conta bancária. A primeira coisa que a mãe iria dizer seria uma série de palavrões, iria insultá-lo com todos os xingamentos disponíveis no dicionário, mas concordaria em depositar o dinheiro, a mãe sempre depositava – afinal esta não era a primeira vez que Rolfe raptava alguém, a mãe amava Rolfe, achava-o apenas um desmiolado, uma criança grande, sabia que ele não conseguia controlar seus impulsos, ela era advogada da vara cível, mas tinha amigos atuando na área criminal, fazia perguntas a eles dando a impressão de mero interesse profissional e descobria que seu adorado filhinho seria inapelavelmente condenado caso fosse preso e julgado, sabia que seu amado filhinho não viveria nem mesmo uma semana se colocasse os pés numa penitenciária. A mãe depositaria o dinheiro, o manteria impune – Rolfe sabia disso, sabia perfeitamente. De súbito ouviu vindo de Nina um som roufenho, de pessoa engasgando com o próprio vômito, de gente engolindo a língua. Que saco! – exclamou, acendeu as luzes, saltou da boleia da van, abriu a porta lateral e dirigiu-se ao corpo da garota. Ela estava silenciosa, Rolfe teve um acesso de fúria, começou a esmurrar a garota no rosto, nos seios, bateu muito até perceber que a vida esvaíra daquele corpo juvenil. Estou espancando um cadáver, porra! – exclamou. Pegou o corpo nos braços como se fosse um saco de batatas, carregou-o por uns vinte metros para o interior do milharal, jogou-o por ali, voltou para a van, sentou-se ao volante, deu partida e retornou à rodovia. Precisava encontrar urgentemente uma substituta...

Joao Athayde Paula
Enviado por Joao Athayde Paula em 11/10/2016
Código do texto: T5787854
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