Bullying

- Professora, essas meninas não param de mexer no meu cabelo, elas não me deixam em paz, todo dia essa agonia, eu não aguento mais, quero sair dessa escola, quero sumir dessa vida, nada de bom acontece para mim, já estou cansada. Professora, por favor, faça algo, lhe imploro.

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02 de Outubro. Mais um bimestre se encerrava na escola Casinha do Saber. Marta, aproveitando a falta de compromisso na sexta-feira, acabou ficando um pouco mais na escola, mesmo tendo trabalhado por dois árduos turnos, afinal eram muitas provas a serem corrigidas e notas a serem lançadas. O relógio marcava exatamente 18h45min, quando Marta se deu conta que se encontrava sozinha na escola, com exceção do vigia que já iniciava seu turno até a próxima manhã. Lembrando que sua impressora estava com defeito e não queria também se preocupar com assuntos escolares durante o final de semana, decidiu imprimir já alguns materiais para a semana seguinte, evitando assim possíveis contratempos caso deixasse para última hora ou até mesmo esquecesse. A biblioteca da escola, que se localizava um pouco isolada das demais salas, estava naquele momento totalmente deserta, nenhuma luz estava mais acesa, mas como estava disposta a realizar as devidas cópias, Marta se encaminhou até aquele canto escuro da escola. Ao acender as luzes, onde as mesmas por um algum motivo demoraram a se acender, Marta percebeu que a máquina de xerox estava ligada, provavelmente alguém esqueceu de desligar, percorreu todo o salão e se posicionou a frente a bendita máquina que lhe salvaria seus únicos dois dias de descanso. Um vento gélido cortou o silêncio extremo que se encontrava a biblioteca, Marta após sentir um calafrio desconfortável analisou rapidamente e percebeu que também esqueceram uma janela mais ao lado aberta. “É a pressa de aproveitar a sexta-feira” pensou Marta enquanto fechava a janela. Se voltando para a máquina e finalmente iniciando seu objetivo, mais uma vez o silêncio seco foi cortado por um barulho de algo caindo vindo das prateleiras, no mesmo momento Marta se vira para olhar as estantes e se encaminha até as mesmas e nota que um livro, de grande volume, tinha tombado e caído no chão, provavelmente um dos poucos alunos que frequentavam a biblioteca tenha o deixado em falso. Quase que ao mesmo tempo em que arrumava o livro, a máquina apita, em alto volume, ao voltar para seu lugar, Marta percebe que no display da máquina acusava que as folhas tinham acabado. Por sorte logo na mesa ao lado tinha uma resma, mas antes de reiniciar o processo Marta decidiu conferir como estavam saindo as cópias, tinha orgulho de seu trabalho e queria o material mais digno possível, mas ao olhar a primeira folha viu que a mesma estava com várias linhas irregulares sobre o que realmente deveria ter sido xerocado, pensando que fosse apenas na primeira folha, Marta passa para a seguinte, para a próxima e mais outra, até chegar à última, em certas folhas eram mais nítidas do que as outras, se misturavam linhas grossas com linhas mais finas, intrigada em saber qual motivo teria causado a má xerox, Marta decide levantar a tampa para ver se algo estava no caminho do leitor, mas ao tirar a folha original, em um piscar de olhos, mas um instante que seria eterno para a professora, a mesma vê um rosto, não muito nítido, mas dava para perceber claramente um rosto de uma jovem menina, com olhos completamente escuros e um leve sorriso de canto de boca, mas a imagem do mesmo instante que apareceu, logo em seguida desapareceu, Marta assustada e com o semblante de pavor olha mais uma vez para o leitor e não vê mais nada incomum, tudo está normal, concluindo que tudo não passava de uma imagem criada por sua mente mais cansada do que nunca, decidi acabar logo tudo aquilo e ir para sua casa e descansar. Organizando uma quantidade razoável de folhas, Marta abre o compartimento para repor as folhas e então logo percebe um volume estranho, algo como um novelo de linha, mas todo embolado, ao pegar em suas mãos, nota que aquilo eram fios longos de cabelo totalmente embaraçado, achando tudo isso estranho, a professora já desgastada começa a ter uma leve sensação de ser observada, sente que olhos a espreitam naquele ambiente nada confortável e angustiante, eis então que todas as luzes se apagam, inclusive a máquina, o grito é previsível e a primeira atitude de Marta, já assustada, é sair correndo, rapidamente abandonando a biblioteca, os corredores parecem mais longos do que o normal, mas como a se sentir mais aliviada ou observar que a fraca luz do portão está acesa e que o vigia se encontra em seu posto, ao se aproximar Marta se acalma um pouco, mas ainda assim bastante assustada, sem ouvir o boa noite do vigia, a professora logo se enfia dentro de seu humilde carro popular e dá partida, em sua cabeça só passa a imagem da menina na máquina, algo naquele rosto é familiar, parecia que a conhecia, na travessia da ponte que se encontrava no caminho entra a escola e sua casa, Marta nota que algo estava no chão do carro escuro, ao abaixar e recolher aquela coisa desconhecida , rapidamente tateia para acender a luz e no mesmo instante que olha para a palma da mão, percebe que é o mesmo rolo de cabelo da biblioteca e no segundo seguinte ao olhar no espelho se depara com o mesmo rosto da máquina. Sim, ela conhecia, agora finalmente tinha reconhecido aquele rosto, mas como uma avalanche o carro se choca com a mureta da ponte e a rompe, despencando assim ribanceira a baixo.

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- Aqui nós estamos - dizia o padre para muitos alunos, professores, pais e amigos que assistiam a missa - realizando a missa de sétimo dia, voltada para a alma de Marta, morta em um acidente na semana passada, uma professora aplicada e sonhadora, que de tudo para o bem dos seus alunos e Fabiane, sem dúvidas uma jovem menina que todos nós sentiremos falta, independente de ter sido um suicídio, todo nós devemos orar por essas almas, dessas grandes pessoas que não se encontram mais entre nós - iniciava assim a missa solene.

Leandro Fonseca
Enviado por Leandro Fonseca em 06/12/2016
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