SOMENTE NOS MEUS SONHOS (Cap. 4)

Ela foi levada até a biblioteca da bela casa e ali ficou sentada e observada pelos olhares ferozes de João. Menos de cinco minutos depois Marília chegou. O empregado se empertigou todo ao ver a patroa.

- Dona Marília, é esta a moça.

Ela fez um gesto para que o empregado saísse e de repente ambas se viram a sós. Depois de alguns segundos em um silêncio desconfortável, Marília finalmente perguntou:

- O que tanto você faz chorando no túmulo do meu amado esposo?

A voz da viúva era fria e seca, e Lucinda não soube o que responder.

- Gosto de visitar velórios e frequentar cemitérios também. Foi sem intenção alguma que apareci no velório do seu esposo e fiquei muito surpresa quando percebi o quanto era jovem.

Marília deu uma risada cínica.

- Que mentira idiota. A quem você pretende enganar?

- Não, Dona Marília! – Lucinda tentou se defender mesmo sabendo ser inútil. - É a mais pura verdade! Fiquei penalizada. Eu nem conhecia seu esposo.

- Me diga uma coisa. Você era amante do Álvaro?

A moça tomou um susto e empalideceu.

- Mas que pergunta descabida! Claro que não! Sequer o conheci em vida!

- Ele me amava muito! – explodiu Marília em lágrimas. - Não posso acreditar que fui traída!

- Não, Dona Marília! Isto nunca aconteceu! Apesar de os Malta serem conhecidos na região, nunca cruzei com o falecido!

Marília enxugou as lágrimas com um lenço de seda.

- Ele passou muitos anos fora estudando e quando voltou para assumir os negócios do meu sogro junto com o irmão acabamos por nos conhecer. Casamos muito rápido e… - ela soluçou. -… perdi meu amor mais rápido ainda.

- O que aconteceu realmente? – Lucinda desejava por demais conhecer os detalhes.

- Não sei. Talvez ele já estivesse doente e não contou nada para não me preocupar. Estávamos andando de bicicleta nos jardins da mansão quando ele caiu duro. Pensei que fosse somente uma brincadeira.

Ela fez uma pausa para chorar mais um pouco.

- Foi um ataque do coração? – Lucinda perguntou baixinho, tocada pelas palavras de Marília.

- Não foi possível identificar exatamente. Eu acredito que sim.

Lucinda olhou em volta. Aquela havia sido a casa de Álvaro. Talvez sua alma ainda vagasse pelos corredores.

- Coitado – Lucinda secou as lágrimas que teimavam escorrer pelo rosto. - Não havia jeito de salvá-lo?

Marília a encarou, enfurecida.

- Claro que não! Acha que deixaria meu marido morrer?

Lucinda silenciou. Queria ir embora o mais rápido possível da mansão. Esperava que depois daquela conversa a família Malta a deixasse em paz.

- Pare de ir ao túmulo do meu esposo. Reze por ele na sua casa.

- Desculpe – pediu Lucinda levantando-se ansiosa para sair dali. - Nunca tive a intenção de incomodar.

- Olhando bem para você – Marília a examinou de alto a baixo, - acho muito difícil que Álvaro possa ter se interessado por alguém do seu tipo.

Lucinda ficou tão surpresa com o comentário maldoso e grosseiro que não conseguiu responder. Marília foi até a porta da biblioteca e a abriu.

- Julieta!

Uma mulher mais velha que Lucinda apareceu quase na mesma hora.

- Pois não, senhora.

- Leve esta pessoa até o portão – Marília se voltou para Lucinda e se despediu secamente. - Passe bem.

Lucinda não respondeu e seguiu Julieta pelos jardins da mansão em silêncio, tensa com o encontro. Antes que alcançasse o portão, a empregada voltou-se para ela de repente e revelou, baixinho:

- Ela mentiu o tempo todo para você.

Lucinda chegou a piscar. Ainda dentro dos limites da casa ela sabia que todo cuidado era pouco.

- Como? O que foi que você disse?

Olhando rapidamente para os lados, Julieta aproximou-se um pouco mais de Lucinda, temerosa que a conversa pudesse ser ouvida.

- Escutei tudo através da porta. Dona Marília matou o Doutor Álvaro!

Foi como um golpe no estômago. Lucinda recuou dois passos, atordoada. O ar fugiu do seu rosto e ela precisou se apoiar em uma árvore próxima.

- Não é possível!

- Ela envenenou o esposo – Julieta tinha lágrimas nos olhos. - Percebi a falta do veneno na véspera do ocorrido, mas não dei maior importância. No outro dia meu patrãozinho morreu daquele jeito esquisito.

- Mas… por que ela faria isto?

- Dinheiro – Julieta transmitia as informações em tom de confidência. - A família de Dona Marília está completamente falida. Eles investiram em negócios que deram errado e o casamento com Doutor Álvaro foi por puro interesse. A bruxa nunca o amou.

Julieta estava bem nervosa e Lucinda mais ainda. Então era tudo fingimento desde o velório?

- Não pode ser. Você está segura disto?

A mulher assentiu com a cabeça.

- A ordinária está de romance com o cavalariço e o Doutor Álvaro estava bem desconfiado. Dois dias antes da morte dele o casal teve uma briga séria e nós, os empregados, suspeitamos que o casamento chegasse ao fim em breve. Mas nunca esperamos que ela fosse capaz de cometer um… um assassinato!

A imagem de Álvaro com a mão na garganta na ocasião em que ele aparecera no seu quarto esclarecia as coisas para Lucinda. Os olhos angustiados do homem nada mais eram do que um pedido de justiça.

Julieta prosseguiu:

- Acreditamos que ela deixará passar um tempo para poder casar com o cavalariço.

- Isto não pode ficar assim!

- Por favor, nos ajude. Procure o irmão do Doutor Álvaro, o senhor Henrique, e conte tudo!

- Eu não sei quem ele é. Jamais ele acreditará em mim!

- Estamos muito assustados! Tememos o que esta mulher pode fazer conosco. Por favor...

Lucinda percebeu uma cortina se movimentar no primeiro andar da mansão. Era hora de ir embora.

- Preciso voltar para casa. Prometo tentar fazer alguma coisa por vocês.

Ela apressou-se a sair daquele lugar. O ambiente era carregado demais.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 16/12/2016
Reeditado em 16/12/2016
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