SOMENTE NOS MEUS SONHOS (Cap. 7)

Ela acordou depois de um tempo, sem saber exatamente onde estava. O lugar era abafado e pouco iluminado. As janelas estavam fechadas, pregadas firmemente com pedaços de madeira. O coração de Lucinda disparou. Havia sido sequestrada. Talvez estivesse na mansão, em cativeiro.

Lucinda sentou na cama, desnorteada e apavorada. A cabeça estava dolorida. Passou a mão na parte de trás e encontrou um galo, sinal que havia levado uma pancada. Não se lembrava de muita coisa também. Vagamente veio a sua mente a imagem de dois homens descendo de um carro, sem dar chance de ela tentar sequer fugir. Não sabia o que fazer. Estava à mercê das maldades da família Malta. Eles já haviam matado Julieta. A próxima, com certeza, seria ela.

O pavor tomou conta de Lucinda e gotas de suor escorreram pelas suas costas. Levantou da cama, desesperada, e foi direto para a porta que, como era de se esperar, estava trancada. Furiosa e temendo o pior, Lucinda esmurrou a madeira diversas vezes. Não teve coragem de pedir ajuda. Aquilo atrairia seus algozes e Lucinda temia ser torturada. Sem ter o que fazer ou para onde fugir, a moça sentou na cama dura e cobriu a cabeça com as mãos. Não tinha a menor ideia de que horas eram. Esperava que a mãe e as irmãs já tivessem se dado conta da sua ausência e acionado a polícia.

Subitamente, Lucinda escutou passos do lado de fora e eles ficavam mais fortes à medida que se aproximavam do lugar onde ela estava. Lucinda rezou para passarem reto pela porta, porém, escutou a chave entrando na fechadura. Pouco depois duas pessoas entraram na peça abafada, uma delas segurava um lampião. Lucinda levou alguns segundos até se dar conta que estava novamente à frente de Marília e João.

Lucinda se encolheu sobre a cama. Ambos pareciam estar furiosos. Marília entregou o lampião para o empregado e avançou na direção de Lucinda. Ela bem que tentou se afastar, mas Marília foi mais ágil. Pegou Lucinda pelos cabelos e a sacudiu violentamente:

- O que você foi fazer na empresa do meu cunhado?

- Me solte, por favor – implorou Lucinda, usando as mãos para afastar Marília. - Eu não estive lá.

- Não ouse me enganar! – Marília deu mais puxão e a soltou de forma brusca. - Você é muito atrevida! Desde quando ousa desafiar os Malta?

Ela respirou fundo. Encarou Marília e percebeu que a mulher estava disposta a tudo. João, posicionado mais para o canto, observava a cena com atenção, pronto para agir se fosse preciso.

- Estou quieta no meu canto. Sempre estive. O máximo que fiz foi orar no túmulo do seu marido – Lucinda massageou o couro cabeludo dolorido pelos puxões. - Me deixe ir embora, minha mãe deve estar preocupada.

Marília ignorou a súplica de Lucinda.

- O que Julieta disse para você ontem no jardim?

- Não me disse nada. Mal falei com ela! – Lucinda sabia não estar sendo convincente. - Apenas falamos sobre o tempo.

A gargalhada de Marília soou tão sinistra que Lucinda ficou toda arrepiada.

- Você deve me achar com cara de trouxa! Pensa que vou deixar você se safar?

Naquele momento João se moveu. Lucinda ficou mais apavorada que podia. Ele seria o seu torturador, então? Contudo, João passou reto pela cama onde ela estava e se dirigiu até as janelas pregadas por madeira. Marília o olhou, tensa. O homem encostou o ouvido na janela e fechou os olhos. Parecia tentar ouvir alguma coisa. Lucinda olhou de um para o outro, sem saber o que fazer. Talvez aquele fosse um bom momento para fugir.

De repente, João falou, pregando um susto em Lucinda. A voz dele estava estranha.

- Alguém chegou, Dona Marília. Tenho a impressão que pelo barulho do motor é o carro do Doutor Henrique.

- Que inferno! – rugiu ela. Olhou para Lucinda e deu-lhe um empurrão que a fez cair do outro lado da cama. - Nós voltaremos. É só o tempo de eu despachar aquele idiota e virei novamente acertar as conta com você. Em definitivo.

João falou em um tom mais baixo para Marília:

- Devíamos ter dado cabo dela logo que a trouxemos para cá.

Lucinda estremeceu. Ambos saíram do lugar, deixando-a trêmula e enjoada. Doutor Henrique estava tão perto... Mas jamais iria saber que ela estava por lá, presa sabe-se lá Deus onde, à beira da morte. Se gritasse bem alto, talvez Doutor Henrique fosse capaz de escutar alguma coisa.

Passaram-se poucos minutos e novamente Lucinda escutou passos vindos pelo corredor. Era como se alguém estivesse correndo. Achou que João tivesse voltado para terminar o serviço enquanto Marília distraía o cunhado. Mas não entregaria sua vida assim tão fácil. A porta foi aberta bruscamente e era nítido que a pessoa não fazia a menor questão de ser discreta. Lucinda soltou um pequeno grito. Não era João.

*

Um rapaz jovem e magro, de aproximadamente 17 anos, entrou rápido no quarto. Ele foi logo dizendo enquanto pegava Lucinda pelo braço:

- Venha de uma vez. João e Dona Marília vão ficar um tempo com o Doutor Henrique. É a sua chance de escapar com vida daqui.

Lucinda não conseguiu articular nenhuma palavra. Estava assustada demais. O garoto trancou novamente a porta e a puxou por um corredor iluminado somente por velas.

- Onde estou? – ela conseguiu perguntar, em voz baixa, pisando fininho para não ser ouvida por mais ninguém.

- Você não precisa falar tão baixo aqui. Estamos nos subterrâneos da mansão. Há muitos anos era comum torturarem os escravos aqui embaixo. É o que pretendem fazer com você se não dermos o fora o quanto antes.

A pele de Lucinda se arrepiou toda mais uma vez. O menino olhou para ela e se apresentou:

- Meu nome é Mateus. Eles afogaram minha tia Julieta ontem no rio.

- Eu… eu presumi. Falei isto também para o Doutor Henrique hoje.

Os olhos de Mateus brilharam.

- Jura? Puxa, espero que ele consiga fazer alguma justiça por aqui.

Mateus conduziu Lucinda pela penumbra do corredor. Em seguida, dobraram à direita e subiram uma escada. De tão nervosa, Lucinda tropeçou e caiu duas vezes, machucando os joelhos. No alto da escadaria, havia uma porta. Mateus olhou para Lucinda que vinha logo atrás e sussurrou:

- Vamos ficar o mais silenciosos possível agora. Esta porta sai na cozinha e o salão onde eles estão fica próximo. Vamos tentar fazer você chegar o quanto antes ao jardim. Depois, corra!

Lucinda mal balançou a cabeça. As pernas já estavam bambas. Pediu aos céus que realmente tivesse forças para fugir quando chegasse o momento. Na cozinha duas mulheres os aguardavam com o semblante carregado. Quando viram Mateus e Lucinda fizeram um sinal para seguirem em frente. O casal se esgueirou pelas paredes da grande cozinha até chegarem à porta. Logo Lucinda se viu ao ar livre. Recém anoitecera e havia ainda alguma luminosidade no céu. Outro empregado esperava Lucinda do lado de fora. De relance, ela enxergou uma caminhonete branca na frente da mansão. Devia ser a do Doutor Henrique.

- Venha – disse o empregado mais velho pegando o braço de Lucinda. - Você precisa sair daqui antes que os assassinos a vejam.

Porém, Lucinda não pôde sequer se afastar o quanto gostaria. Uma voz grossa e asquerosa gritou da varanda da mansão:

- Ei! Para onde você está levando esta mulher?

Lucinda olhou para trás e deparou-se com João mirando uma espingarda na direção dos dois. O homem que a acompanhava ainda gritou:

- Corra até o portão! Há uma pessoa esperando você lá.

Naquele momento um tiro certeiro o atingiu no coração, tingindo sua camisa branca imediatamente de vermelho. Ouviram-se vários gritos, inclusive o da própria Lucinda. Ela olhou na direção de João. Ele já havia deixado a varanda e avançava perigosamente na sua direção.

- Pode parar aí, sua vagabunda.

Lucinda não teve um segundo sequer de hesitação. Deu meia volta e se embrenhou no bosque que havia na lateral da casa. Sabia que mais adiante o rio cruzava os limites da propriedade. Seria por lá que ela haveria de fugir.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 04/01/2017
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