Uma vontade

Sempre tive uma vontade secreta, desde que eu era criança e assistia filmes de faroeste com meu avô (ele era fã de John Wayne e Yul Brynner mas era doido pelos filmes de Gary Cooper).

Mesmo tendo esta vontade e sentindo que ela crescia dentro de meu pensamento eu consegui mantê-la sendo apenas uma vontade distante, poderia chamar de curiosidade.

Quando eu completei 38 anos, me presenteei com um revólver. Não um revólver qualquer, mas um muito usado nos filmes antigos que assistia, um tanto modernizado é claro. Mesmo assim quando o empunhei na loja, e depois em casa em frente ao espelho, eu me senti como os antigos heróis de vovô. Era um Smith & Wesson PC 629 com cabo de cerejeira calibre 44, um senhor revólver e depois disso, eu realizei minha vontade secreta e adormecida.

Sem delongas, basicamente o que eu fiz foi matar uma pessoa à sangue frio sem piedade e sem remorso no final. Apenas apontei a arma para a testa e BAM. Um tiro limpo, sem fricotes nem hesitações. A bala entrou, onde os esotéricos chamam de Chakra Frontal, deixando um buraco redondo na testa e saiu pela nuca em um caminho retilíneo. Como eu disse, foi um tiro limpo.

Hoje olho para trás e penso que talvez devesse ter mantido a vontade aprisionada. Quando dei aquele tiro com o Smith & Wesson algo se libertou dentro de mim, algo que tomava o controle e me dominava.

Viajei bastante em minha vida e por cada lugar onde passei deixei minha marca – um buraco limpo e retilíneo no crânio das minhas vítimas, que eram escolhidas aleatoriamente. Normalmente era algo na fisionomia da pessoa, ou a forma com que me olhava que fazia surgir a vontade e instantes depois BAM, a cabeça fazia um movimento para trás e a pessoa desabava lentamente no chão seguido por um alvoroço de pessoas, algumas correndo e se abaixando e caindo outras gritando descontroladas enquanto eu guardava o WS no bolso do sobretudo e saia sem ser notado.

Foram 42 anos de assassinatos frios sem motivo e sem arrependimentos onde após cada tiro eu voltava para casa, fazia amor com minha esposa e dormia o sono dos justos.

Fiz isso desde meus 38 anos e parei quando ela morreu (ela nunca soube) vítima de um infarto fulminante em um estacionamento de um shopping qualquer quando eu estava com 80 anos e a vontade passou. Acredito que ela se escondeu devido ao sofrimento que a solidão me trouxe.

Dois anos depois eu me internei voluntariamente na casa de repouso onde vivo até hoje e agora com 90 anos recém completos achei que seria interessante deixar saber tudo o que fiz.

Aqui está meu relato, não tão elaborado quanto um escritor talvez pudesse fazer, mas servirá como explicação para um último ato. A vontade voltou e parece estar faminta após 10 anos de resguardo.

Aqui, sentado na cama e olhando para o cano frio do revólver apontado diretamente para minha fronte, descobri que a vontade real era a de saber o que se sente quando se recebe um tiro na cabeça.

Bem, essa vontade será saciada e desta vez para sempre.

Me despeço agora, vou me encontrar com minha esposa.

Não poderei descrever a sensação, mas acredito que será interessante.

Adeus.

BAM!

Fernando Barreto
Enviado por Fernando Barreto em 14/04/2017
Código do texto: T5971117
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