O HOMEM DO JARDIM (Capítulo 11)

Francesca acordou pontualmente às sete da manhã. A luz do sol entrava através da veneziana, anunciando um lindo dia de sol. Mesmo assim, foi com certo peso no coração que a jovem se levantou naquele dia. Ela sabia bem o que lhe deixava assim. Dona Laura, antes de ir para cama lhe contara sobre a difícil conversa que tivera com Magda. Francesca escutou tudo com o peito apertado. Magda não a pouparia por ela e Dona Laura terem ido tão longe a ponto de descobrir a ossada de Gregório ou seja lá quem fosse. A velha senhora contara as palavras rudes e irônicas com as quais a filha havia se dirigido a ela e Francesca ficara chocada.

Devagar e tentando se preparar para um dia que seria complicado, Francesca se vestiu com as mãos trêmulas. A última visão que tivera antes de ir dormir e se despedir de Dona Laura havia sido o saco com ossos posicionados no canto do quarto. A intenção era acordar, pôr os ossos dentro de uma caixa e em seguida fazer um enterro simbólico, sem alarde nenhum. Tudo em segredo para não atrair a atenção, comentário ou investigação sobre Gregório.

- Vamos levantar, Dona Laura? – Francesca entrou no quarto e foi direto afastar as cortinas e abrir a janela. - Está um dia lindo lá fora.

De propósito, Francesca ignorou o saco com os ossos no canto do quarto e aproximou-se da cama. Dona Laura continuava dormindo serenamente.

- O que a senhora acha de tomarmos o café da manhã no jardim?

Francesca sentou ao lado da cama e pôs a mão sobre a de Dona Laura. Retirou-a imediatamente com um pequeno grito.

- Dona Laura? – ela cutucou a senhora no ombro, levemente. - Por favor, acorde.

A moça sabia que Dona Laura não iria acordar nunca mais, mas até então aquilo parecia ser inacreditável. A expressão serena da senhora contrastava com o rosto conturbado de Francesca. A jovem ficou em pé, se apoiando na cama para não cair. Por alguns instantes a visão ficou turva e Francesca pensou que fosse desmaiar. Depois de respirar fundo diversas vezes, ela deu meia volta, indo em direção à porta. Precisava chamar um médico.

Médico? Para quê? Dona Laura estava morta.

Os pensamentos confusos de Francesca estavam lhe pondo nervosa. Precisava se acalmar para poder transmitir a notícia direito. Francesca abriu a porta com violência e saiu com tanta impetuosidade do quarto que caiu de joelhos no chão. Levantou-se em seguida e percorreu o corredor praticamente trocando os pés. Lá de cima escutou vozes na sala. Era Magda no celular. Francesca e ela se encararam por alguns instantes. Era possível perceber nos olhos frios da mulher toda a sua raiva.

- Dona Magda! – chamou Francesca quase sem voz.

Imediatamente, Magda desligou o telefone. Francesca desabou no chão de vez, aos prantos.

- Francesca! – o berro de Magda foi ouvido em toda a casa. - O que aconteceu com ela?

Os gritos de Magda atraíram os empregados. A jovem, sem conseguir se levantar, ficou o tempo suficiente no chão até ser amparada pelos colegas. E quando Magda conseguiu alcançar o quarto de Dona Laura, realmente não havia mais nada a fazer.

O enterro de Dona Laura foi concorrido. Magda colocou os ossos do pai dentro do caixão da mãe e o manteve fechado durante toda a cerimônia. O dia foi muito triste. Os empregados pareciam perdidos e Francesca teve a impressão de ver Gregório à cabeceira do caixão durante alguns momentos. Abalada, Francesca tentava assimilar tudo o que acontecera. A única certeza que tinha é que Dona Laura tinha partido feliz.

Magda, passado o choque inicial, tentou a duras penas manter a serenidade durante o dia inteiro. Vestida totalmente de preto, cabelos presos e óculos escuros, Magda mal abria a boca para agradecer as condolências. Francesca tentou ficar o máximo possível longe dela. Pretendia desaparecer da mansão logo depois do enterro. Não queria sequer saber do que teria direito a receber. Todos os seus instintos diziam para que fosse embora de lá o quanto antes.

O enterro aconteceu no jazigo da família e Francesca acompanhou de longe. Antes mesmo de terminar, ela retornou para a mansão. Precisava arrumar as malas. Sabia que havia um ônibus que saía da rodoviária às nove horas da noite. Era neste que Francesca pretendia embarcar. Caso o perdesse, estava disposta a permanecer na rodoviária esperando o próximo, fosse a hora que fosse. A mansão que gostara tanto, de repente parecia carregada de uma energia ruim.

O dia estava anoitecendo quando Francesca fechou a última mala. Não havia sequer avisado aos colegas que pretendia ir embora. O lugar se mantinha silencioso e triste. Uma vez ou outra Francesca escutava algum barulho vindo da cozinha. Sofia certamente estava preparando alguma coisa para Magda comer. Consultou o relógio. Era hora de desaparecer da mansão.

A porta se abriu de repente e Francesca se voltou com um pequeno grito. Magda estava parada à porta, recém-vinda do enterro. Não estava mais com os óculos escuros. Por isto, quando Francesca se deparou com os olhos gelados de Magda, um arrepio percorreu sua espinha.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 27/04/2017
Reeditado em 27/04/2017
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