FELÍCIA (cap. 1)

O casamento de Felícia não podia estar melhor. Três anos de união com Tadeu, uma casa bonita e um jardim bem cuidado na frente. No início do ano ela havia tomado a resolução de quem em breve engravidaria e como se não bastasse, espalhou aos quatro ventos que o casal estava se empenhando bastante para isto. A felicidade da jovem era vista no brilho do seu olhar.

Por isto ninguém entendeu quando se escutaram gritos vindos de dentro da casa do jardim bonito. Quem passava pela frente parava para ouvir os impropérios que Felícia berrava para o marido. Não demorou muito para um grupo de pessoas se juntarem nas proximidades. Todos se cutucavam, cochichavam, faziam cara de assombro a cada grito lá dentro. Era só Felícia que berrava. Um vidro quebrou, uma porta foi batida com força. Depois, o silêncio. Como não tinham mais nada a fazer – a diversão acabara – as pessoas foram embora. A pergunta pairava no ar. Que diabo teria acontecido para despertar a ira de Felícia?

A resposta veio à noite e em pouco tempo tomou conta da pequena cidade de Verde da Serra. Felícia chegara em casa no meio da tarde e encontrou Tadeu na cama com Mabel, a manicure. Foi um Deus nos acuda. Mabel se vestiu correndo e deixou a bomba para o amante resolver. De resto, ninguém sabia mais nada. Mabel tinha sumido e reinava acalmaria no lar. Parecia que tudo estava em paz.

*

Verde da Serra foi sacudida no dia seguinte pelos gritos apavorados de Tadeu. Os vizinhos o encontraram somente de cueca, no meio da sala, o olhar aparvalhado, apontando para o andar de cima. No meio daquela bagunça, com tanta gente falando ao mesmo tempo, um amigo pôs as mãos nos ombros de Tadeu.

- O que foi, homem?

- Ela... ela… está lá...no sótão.

Três homens subiram imediatamente ao local. Não foi surpresa quando se depararam com o corpo de Felícia pendurado por uma corda numa das vigas da casa. Acabava, naquele momento, um casamento que todo mundo pensava ser muito feliz.

O velório foi concorrido e marcado pelo constrangimento. A cidade inteira compareceu e o motivo do suicídio era óbvio. Felícia não suportara a dor da traição. Tadeu deixou-se ficar em um canto, amparado pelos amigos, com uma expressão triste, mas que alguns consideraram como alívio. No outro lado a família de Felícia queria o fígado do sem vergonha, traidor e cretino. Depois da cerimônia fúnebre cada um tomou seu rumo, para satisfação do Tadeu.

Os encontros com Mabel começaram quinze dias depois da morte de Felícia. Tadeu fazia questão de manter tudo em segredo, pois pegaria muito mal para sua reputação se alguém visse o novo casal. Ao final de três meses ambos estavam tão apaixonados que decidiram assumir o romance. Para o casamento foram mais três meses e, quando Tadeu se deu conta, Mabel estava instalada na mesma casa em que a outra tinha se matado. Apesar de meio esquisito, Tadeu não se importou. Estava muito feliz e isto bastava.

Verde da Serra virou uma fábrica de fuxicos e comentários maldosos. A maioria era unânime em afirmar que Tadeu deveria esperar mais tempo antes de contrair núpcias. Felícia deveria estar se revirando na tumba.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 01/06/2017
Reeditado em 01/06/2017
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