O confronto

O general desviou os olhos da edição dominical do "Financial Times" quando seu ajudante de ordens entrou esbaforido na varanda da casa de praia. Depois de uma troca protocolar de continências, o ajudante entrou direto no assunto.

- Meu comandante... recebemos um ultimato dos nossos tradicionais inimigos. Avisam que, se não nos rendermos incondicionalmente em 24 h, despejarão seu arsenal nuclear sobre nós.

- Quando você diz "despejarão seu arsenal nuclear", estamos falando exatamente de quantas ogivas?

- Dezoito, comandante. É nossa melhor aproximação, baseada em relatórios de inteligência.

- E o nosso sistema antimísseis, que percentual dessas 18 ogivas estima-se que conseguirão deter?

- Talvez... 50%, comandante. Mas as nove restantes ainda poderiam reduzir nosso país à poeira atômica.

O general dobrou cuidadosamente o jornal no colo, enquanto pensava na resposta a dar. Finalmente, encarou o ajudante com ar determinado.

- E o projeto do professor Figueras?

O ajudante hesitou.

- Meu comandante... temos dois protótipos testados e prontos para uso.

- Podem ser montados nos nossos aviões de reconhecimento de grande altitude?

- Sim, meu comandante.

- Perfeito. Traga-me a maleta com o telefone vermelho.

- Sim, meu comandante!

* * *

O almirante Brodsworth telefonou-me na segunda de manhã, enquanto eu me preparava para sair de casa.

- Já ouviu falar em Pau Figueras?

- Deveria?

- Não... quer dizer, seria improvável! A não ser que estivesse muito ligado em pseudociência.

- Pseudociência, hein? Ando ouvindo muita coisa ultimamente que há dez anos seria classificado como tal, e no entanto...

- Nada a ver com terra plana e negação do aquecimento global... trata-se de uma arma de destruição em massa.

- Hein?!

- Ondas Ku.

- Transmissão por microondas? Desde quando isso pode ser usado como arma de guerra?

- Pois esse Pau Figueras parece ter descoberto um meio... totalmente contracientífico... de transformar emissões de ondas Ku numa arma de destruição em massa. E pelo último informe que recebi da CIA, vão fazer um teste prático em poucas horas, sobre pontos estratégicos da República de San Román.

- San Román... mas eles possuem armas nucleares!

- Exatamente por isso! Parece que deram um ultimato aos vizinhos, temendo ser vítimas de um ataque preventivo dos militares da República Democrática de Alamar.

- Que de democrática só tem o nome... mas se o temor é tão grande, talvez haja um fundo de verdade nessa história.

- E o que faremos?

- Vamos aguardar. Se o teste for um sucesso, invadimos Alamar para pegar esse dispositivo. É perigoso demais para ficar nas mãos de gente tão despreparada.

- Certamente!

* * *

O ajudante de ordens retornou com a maleta onde havia um telefone por satélite, informalmente apelidado de "telefone vermelho", embora fosse realmente preto. Digitou um número longo, aguardou que atendessem do outro lado e passou o fone para o general.

- Está na linha, meu comandante.

O general recebeu o aparelho com ar grave. Colou-o ao ouvido e disse:

- Líder Supremo? Parece que já temos a arma definitiva em mãos.

E abrindo um sorriso relaxado:

- Aposto que nossos inimigos nunca imaginariam que pudéssemos converter a sua própria rede de satélites geoestacionários em armas de destruição em massa...

Ampliou o sorriso ao acrescentar:

- Mas vamos precisar dos seus mísseis!

- [20-09-2017]