Formatos incompatíveis

[Continuação de "O que se passou depois"]

Turquesa Fontana olhou-se no espelho do banheiro. Estava com olheiras, o cabelo louro sem brilho. Há quanto tempo não tirava um tempo para cuidar de si, ir à um salão, fazer as unhas? Essa vida de terrorista iria acabar com sua autoestima antes de matá-la, concluiu. Isto é, se não conseguisse eliminar primeiro quem estava transformando sua vida num inferno.

Tudo teria sido mais fácil, concluiu, se houvesse conseguido roubar os planos da Bomba Seletiva das mãos de Estanho Pires, na Boca do Tigre. Estivera tão perto de seu triunfo, pensou. Mas aquele estúpido irritante do Máximo Ribeiro tinha que aparecer e estragar tudo.

Ela tinha que por um fim naquilo, decidiu-se. Aplicou uma camada de base no rosto, máscara nos cílios, retocou o batom vermelho e o delineador labial. Estava pronta. Saiu do banheiro do restaurante e sentou-se à mesa reservada.

Ele chegou na hora marcada, num terno discreto. Trazia uma rosa vermelha na mão - que coisa antiquada! - e inclinou-se para beijar a bochecha que ela oferecera de modo protocolar.

- Você está linda! - Elogiou-a.

- Economize elogios. Estou cansada - retrucou.

- Para você - ele estendeu-lhe a flor.

Ela pegou a rosa e cheirou-a. Depois, a colocou sobre a mesa.

- Grata pela lembrança. Você nunca teve boa memória para datas, mas vejo que fez um esforço desta vez...

- Costumava ser nossa data preferida, não é? - Ele parecia ser sincero.

- Costumava... até que você resolvesse se vender para o sistema - atalhou ela, gelidamente.

- O que há de tão ruim no sistema, minha cara? - Ele fez um gesto abrangendo o ambiente requintado em que estavam. - Não vê que a sua luta contra ele é inútil? Mais cedo ou mais tarde, terá que reconhecer isso!

Estalou os dedos e como por encanto, um garçom se materializou junto deles.

- Traga o seu melhor Beaujolais. Estamos comemorando hoje!

O garçom fez uma vênia e retirou-se.

Ele inclinou-se sobre a mesa, e sempre sorrindo, sussurrou:

- Gostaria que soubesse que nossa pequena sociedade está para terminar. Descobri o paradeiro de Estanho Pires... sem a sua ajuda.

Ela ergueu os sobrolhos, mas sem parecer estar surpreendida.

- Então é este o motivo da nossa comemoração? Eu deveria ter imaginado algo do gênero, e não a data do nosso primeiro beijo...

Ele a encarou de modo analítico.

- Acho que você estava usando exatamente esta tonalidade de batom...

Ela deu de ombros.

- A marca é a mesma. O gosto também, se quiser provar pela última vez.

Ele franziu a testa.

- A oferta é generosa... mas por que seria a última vez?

Ela sorriu discretamente.

- Meu caro... se você realmente encontrou Estanho Pires, é certo que não vai mais precisar de mim. Sequer como lembrança das loucuras de sua juventude. Ou do fato de que tivemos uma filha.

A expressão de surpresa no rosto dele era genuína, avaliou.

- Do que está falando?

- Nós tivemos uma filha, Máximo Ribeiro. Ela está hoje com 16 anos. E odeia você com todas as suas forças. Eu cuidei pessoalmente disso, pode ter certeza.

- Uma filha... - balbuciou ele. - Onde ela está? Como se chama?

Turquesa Fontana apenas sorriu.

- Agora, para você isso se tornou mais importante do que a própria Bomba Seletiva, não é?

Máximo Ribeiro a encarou em silêncio.

- Isso muda... tudo.

- Agora eu tenho um salvo-conduto, não é, sua superioridade? - Ironizou ela. - Se algo de mau me acontecer, sua filha sabe exatamente a quem culpar.

- Você é um monstro - sussurrou ele.

- Sou aquilo em que você me transformou - retrucou ela, erguendo-se da cadeira e dirigindo-se para a saída do restaurante.

Aterrorizado, ele ergueu-se e gritou:

- Não! Espere!

Tarde demais. Ela havia acabado de sair pela porta principal. Antes que ele pudesse chegar lá, ouviram-se dois tiros.

[Continua]

[19-11-2017]