Passos subiam a escada tortuosa, sorrisos alegres com lágrimas de raiva, a insanidade com respiração ofegante. A corrida chega ao fim.

"Quem nunca sorriu de ódio"?

Ali, ao final da escada, um caixão branco repousa um pequeno corpo. Ao lado, estava ele. Aquele sorriso demoníaco, de novo, demonstrava um poço de crueldade. A construção da mente humana era personificada naquele ser. O medo estava presente naquela pequena sala do velório. Talvez, os que choravam, poderiam ver se não fosse o choro demasiado de sentimentos vagos. A dor de perder uma criança. Caixão branco significaria dor em qualquer lugar do mundo, mas não ali. Não para aquela mãe neurótica.


“Como que uma mãe poderia ficar alegre ao perder um filho?”


Tirem-na daqui


A camisa de força parava seus movimentos. Uma louca fora de seu habitat natural, estava fora de si. Debatia-se. Quebrava tudo. Antes da injeção de Dormonid, nas mãos dos enfermeiros da clínica psiquiátrica, olhou pela última vez a visão do mal. Estavam de mãos dadas agora. Dois sorrisos demoníacos.

-O demônio está aqui! Vocês não estão vendo? Seus loucos! Seus loucos!


“E a injeção fechou seus olhos”.


 
***

Ao limpar os olhos, a calmaria tomou conta do coração de Clara. Lembrou-se, após o susto daquele momento, da gravidez tão desejada. Vanessa, envolto naquele núcleo de amor, chutava toda vez que a mãe lhe fazia carinho. Nunca foi responsível ao pai. Era inerte toda vez que o pai acariciava a barriga.


-Vanessa, vem almoçar.


A bola, esquecida após o chamado da mãe, quicou algumas vezes antes de ganhar o chão. Não importou mais limpar os olhos para aquilo desaparecer. A sombra daquela criança parecia fitá-la mais uma vez no quintal. A sombra de um nada ganhava formato no muro.

-Mamãe, vou precisar matar alguém que você gosta - Disse Vanessa enquanto fitava sua comida. - Mas eu já disse ao Samuel, que será apenas ele. Ele concordou, depois disso, ele vai embora.


E eu vou junto.


“O desespero e a agonia tomou conta do corpo de Clara”.


 
***

E após o choro da alegria do parto, mais choros de felicidades viriam. A resposta era o monstruoso milagre de ser mãe. E ali, tão pequenina, os primeiros passos foram dados. Com passinhos não tão firmes, mas precisos, Vanessa, de apenas 8 meses, abaixou-se, pegou seu carrinho e, correndo em direção ao pai, balbuciava segurando bem alto seu brinquedo:



-Matar o papai, matar papai.


Os sorrisos cessaram.


Os filmes e os jogos violentos que falavam em morte, foram proibidos naquela casa. Este era o motivo de Vanessa agir daquele jeito.


“Esse não era o motivo verdadeiro, mas foi mais fácil acreditar nisto”.



"O pior cego é aquele que não quer ver”.


 
***

Os latidos e os choros abafados não foram suficientes para chamar a atenção de alguém. Com uma mão ela fechava a pequenina boca do poodle, e com a outra tirava as vísceras e saciava-se com aqueles órgãos quentes. Encostava-os próximos ao rosto como se fossem seus ursinhos que nunca foram usados. Ela sorria. Os últimos raios de sangue saíam das veias e artérias.


“Acabou tão rápido”.



Da próxima vez o animal teria que ser maior. Assim dizia Samuel.



Que tal matar seu pai? Você não gosta dele mesmo. Imagina quanto sangue teremos? Imagina quantas almofadinhas quentinhas vamos ter? Eu te prometo que, depois que você matar ele, eu vou embora, e você terá essa sensação infinita sem precisar matar ninguém”.



Vanessa estava excitada com aquela ideia. Quanto sangue e órgãos teriam um corpo humano? Seria o primeiro e o último. Samuel era seu melhor amigo, sem dúvidas. Sim, ela mataria, mas Samuel teria que levá-la consigo. Era o que ele mais queria. Era a realização de seu ódio em um corpo real.


Pegadas de sangue ganhavam a rua em direção à casa. Passos vermelhos de duas pessoas desapareciam pouco a pouco. O final do dia era cinza. Um contraste preto e vermelho ganhava o ar. Nuvens pareciam atender o pedido da lua, e insistiam em chegar. Ela não gostaria de aparecer naquela noite. Uma noite nublada sem lua e sem estrelas. Uma noite sem vida.



“Um cachorro massacrado chamava a atenção dos trausentes naquela noite”.



“Seria o mesmo louco que matara gatos e pássaros outrora? Maníacos drogados!”.


 
***
 

“De nada adiantaram as escolas especiais, os psicólogos, os padres, pois a companhia era maligna demais. Já era tarde.”


O fluxo sanguíneo ganhara uma velocidade absurda no corpo de Clara. Paralisada na porta do quarto, em milésimos de segundos, seu corpo sentiu todas as piores sensações possíveis. A veia, na parte temporal de sua cabeça, foi responsável pela paresia de seu braço direito. Um AVC isquêmico foi o mínimo que aquela visão lhe concedeu. Seu olho também tremia. Estava em choque.
Vanessa cortara seu pai em pequenos pedaços. O sangue fazia uma poça quente na cama, pouca gotas ganhavam o chão. Os olhos de seu pai olhavam o infinito. Todos os órgãos estavam fora de seu corpo. Vanessa, sentada no peito dele, tentava, em vão, com aquela pequena faca, abrir sua cabeça. O sangue esfriava pouco a pouco. Isso a irritava.



“Procure mais veias, Vanessa. Tem mais um pouquinho de sangue”.



Pela segunda vez, Clara presenciou aquele sorriso ao lado da filha. Um sorriso misturado com um olhar demoníaco. O demônio lhe falou:

-Oi mamãe, já estou acabando aqui. Eu limpo sua cama. Eu e o Samuel vamos limpar.

A cama ganhara mais sangue quente. Dessa vez o liquido vermelho ganhou o chão também. O sangue, dessa vez, foi de Vanessa. Uma, duas, três, quatro, dezenas de facadas ferozes abriam seu pequeno corpo. Após a loucura e o cansaço, Clara encostou-se na parede olhando com medo suas mãos. Samuel a encarava com aqueles olhos negros sem vida.


“ Por que você fez isso com minha amiga, sua louca?”


-Vai embora, vai embora, vai emboraaaaaaaaaaaaaaaaaa.    
     

E todos ouviram aquele grito de pavor. Ninguém acreditaria em uma louca que matara sua única filha e seu marido”.


“Foi essa a louca que matou os animais!”.


“Por que algumas mulheres são mães?”



Falas e temores ganharam a vizinhança. Uma cena de terror. Uma mulher em choque adentrava, completamente revestida de sangue, uma viatura policial. Algumas pedras e paus, acertavam as viaturas. A fúria de um linchamento não permitido pela lei.


“Queria ver se fosse alguém da família deles”.


 
*** 
 

“Vai embora, vai embora, vai embora....”


Na clínica, a cadeira de balanço não parava. A louca balançava-se constantemente repetindo o mesmo som:



- Vai embora, vai embora, vai embora...



Samuel, ao seu lado sempre, sorria com o mesmo ar maligno. Vanessa também lhe fazia companhia, estava sempre de mãos dadas com seu ex amigo imaginário. Uma visão que seria seu tormento até a eternidade, ou até um outro AVC atingir todo o seu cérebro. Era só nisso que ela pensava. Desligar-se desse mundo.



Tema: Amigos Imaginários


Gostaria de agradecer à todos os participantes deste desafio. Juntos, somos mais fortes para contar estórias de terror.  Não deixemos a fogueira apagar.

 
Eduardo monteiro
Enviado por Eduardo monteiro em 17/07/2014
Reeditado em 18/07/2014
Código do texto: T4886152
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