Para derrotar o pecado, é necessário aceitar que a raiz de todo pecado reside em um mau pensamento. Todos nós somos tão somente as consequências do que pensamos.
Buddha ( Siddharta Gautama)
 
1
 
De repente, acordou de supetão. Teve a ligeira impressão de que havia escutado algo, provavelmente o vento batendo nas janelas de madeira antiga, ou a garrafa de refrigerante se “desdobrando” com o ar saindo dela. Tentou voltar ao sono, mas não conseguia mais. Havia perdido. Pensou que talvez tivesse escutado alguém o chamando. Mas ignorou essa hipótese.
 
Sentou-se na cama e olhou pelo quarto. Forçando a vista para enxergar a tela de seu computador, pode ver que download da série que estava aguardando ainda estava em 69%. Respirou fundo e falou mal de sua empresa de internet. A lentidão o irritava. Não sabia o porquê de o sono ir embora. Na noite anterior, bebera com sua amiga Lorena em um barzinho intimista na Lapa, amiga que num via há alguns anos, desde que ela se mudara repentinamente com sua família. Beberam muito, acabaram se beijando, porém, o sono tomava seu corpo, e ele precisava dormir. Mas agora, o sono simplesmente tinha ido embora. Sem motivo aparente.
 
Levantou-se e foi cambaleando até o banheiro. Levantou a tampa do vaso, mas ela caiu novamente sobre a base. Não desistiu. Levantou-a novamente, porém, tornou a cair. Irritado, resolveu urinar na pia mesmo. Ligou a torneira, criando assim uma pequena correnteza, e urinou. Ergueu a cabeça para o teto e fechou os olhos. Enquanto urinava, espreguiçou-se.
 
Quando abriu os olhos, estava na cama, deitado. Assustado sentou-se e olhou ao seu redor. Eram quatro da manhã. Estava sonolento, e, ao coçar a virilha, pois um mosquito o havia picado, sentiu-se molhado. Envergonhado, percebeu que havia urinado nos lençóis. Sorriu. Achou-se ridículo. Um sonho, como quando criança, o fizera urinar na cama. Pensou em ligar para a sua mãe, e contar-lhe o ocorrido. Fora tão real, tão natural, que nem sequer desconfiou que estivesse dormindo.
 
Levantou-se cambaleante e olhou na tela de seu computador. Estava baixando a série Under The Dome, onde os habitantes da pequena cidade de Chester’s Mill, no Maine, Estados Unidos, onde os habitantes se veem presos sob um domo gigantesco, ninguém sabe o motivo, ou quem o colocou ali. Ele achava a série parecida com a finda Lost. Adorava um suspense. Aproximou-se mais do computador e conferiu o status do download. Já estava em 69%... Ele soltou um sorriso involuntário. Provavelmente uma coincidência, não seria possível aquilo. A mesma porcentagem do sonho estava ali, em seu computador.
 
Voltou para a cama, e reparou que ela estava seca. Olhou para o teto, e de repente, sentiu o chão gelado sob seus pés. Em um momento que deu um nó em sua mente, se viu agora no banheiro, ainda urinando na pia. Assustado, ele foi chegando para trás. Respingos de urina molharam o tapete felpudo sob a pia, presente de sua mãe.  Voltou para o quarto, e ao chegar lá, levou um susto. E desta vez, ficou terrificado. Sobre a cama, estava ele. Normal, dormindo com uma expressão de paz.  Porém, sobre seu corpo, sentado em sua barriga, havia alguma coisa. Uma silhueta da qual se sobressaiam dois chifres curtos. Estava sentado de cócoras na altura de sua cintura, e prestes a enfiar algo pontiagudo em seu umbigo. Dois pontos amarelos luminosos na altura do que seriam os olhos daquela criatura o encaravam.
 
Ele então deu um passo para trás. Sentiu que algo apertava seu pescoço. O ar parecia se perder. Nesse instante, a criatura ficou de pé sobre seu outro corpo, na cama. Tinha mais ou menos um metro e meio de estatura, e curvas salientes, nas quais uma barriga arredondada se sobressaía. A criatura jogou a faca (ele pode perceber enfim, qual era o objeto pontiagudo) para um canto do quarto. Ele pensou que o que fosse aquilo, também possuída seios murchos e com caroços em alguns pontos, além de asas. As asas lembravam as de um morcego, e nelas, havia cortes em algumas partes, como se alguém as tivesse ferido.
 
O ar começou a faltar mais e mais. Era como se o esganassem. Foi desfalecendo. Levou as mãos ao pescoço tentando tirar o que é que estivesse causando aquilo, mas não havia nada. Os pés começaram a ficar frios. Foi se aproximando da cama, e pode notar que não havia mais outra versão de seu corpo. Ele estava deitado na cama agora, sufocando, e sentindo-se molhado. A cama estava encharcada. O ar estava sumindo. E seus olhos estavam sendo forçados a se fecharem. Ao longe, pode ouvir uma voz familiar chamar por seu nome. A voz parecia o procurar. Mas não teve tempo de tentar reconhece-la. Desfaleceu...
 
...Desfaleceu, para logo em seguida emergiu da banheira de seu apartamento, com seus pulmões implorando por ar.

 
2
 
 
Levantou-se da banheira o mais rápido que pode, e ajoelhou-se no chão do banheiro. Suas pernas tremiam, e seu corpo estava dolorido. Uma queimação insuportável lhe tomava os pulmões, e sua visão ainda encontrava-se turva. Não fazia a menor ideia do que estava acontecendo. Teria a cerveja que bebera com Lorena, sido tão alucinógena assim?
 
Acalmou-se sentado sobre sua cama. A vista começava a se recuperar. Foi até seu computador, e cancelara do download de Under The Dome. Ainda se encontrava em 69%, e aqui, pensou que talvez nesse sentido não houvesse nada de sobrenatural. Talvez a internet estivesse lenta mesmo, para variar.
 
Seu telefone celular tocou. Estava no bolso de sua calça jeans, que usara na noite anterior. Enquanto enxugava seus cabelos, foi andando até a calça, pesa na maçaneta da porta do quarto. Era Lorena.
 
Andou até a sala enquanto falava com ela. Lorena disse que havia adorado a noite, e que precisavam reviver aquilo. REVIVER, ele estava odiando aquela palavra. Por fim, concordou com ela, e a convidou para visita-lo em sua casa. Desligou o telefone. Precisava se recompor e arrumar a casa até às seis da tarde. E isso daria certo trabalho.
 
Primeiro arrumou seu quarto. A cama molhada precisava estar seca. Talvez levasse Lorena para ela. A noite poderia terminar bem. A noite poderia terminar naquela cama, e um odor de urina poderia arruinar tudo. Lavou os lençóis, trocou a fronha dos travesseiros por fronhas menos velhas.
 
Do quarto foi para sua pequena sala. Espanou o sofá, reorganizou seus DVDs, ajeitou as cadeiras sob a mesa de vidro, e depois, ligou a sua tv. Lembrou-se que além da casa, também precisava se arrumar. Imediatamente se levantou e foi até o banheiro. Sentiu-se incomodado ao entrar ali. Encarou a banheira como se fosse um tigre prestes a ataca-lo. Respirou fundo tentando acalmar-se, e virou-se para o espelho. Abriu o armário, e retirou um barbeador de gilete. Sua barba estava por fazer. Durante a semana havia pensado em deixar a barba crescer, mas não teria tempo para cuidar dela. Então, resolveu retirá-la ali.
 
Pegou a espuma de barbear dentro do armário. Ao fechar a porta, pensou ter escutado alguém o procurando. Não era a primeira vez. Algumas coisas estranhas estavam acontecendo. Antes mesmo de reencontrar Lorena, coisas estranhas estavam acontecendo. Era como se seus dias estivessem fora de ordem, fora de seu controle, e sua mente não conseguisse acompanha-lo.
 
Deslizou o pincel sobre sua barba, e espalhou por toda face a espuma. Depois, lavou o barbeador com água quente da pia. Percebeu que havia esquecido a loção pós-barba, que ficava guardada em sua gaveta do quarto, no criado-mudo. Saiu do banheiro, e nem ao menos reparou que seu reflexo no espelho havia ficado lá, parado no mesmo local, apenas o observando sair acompanhando-o com os olhos.
 
Alguns segundos depois e ele já estava no banheiro novamente. Com a cara completamente lambuzada de espuma, começou a raspar os pelos do rosto. Começou pela bochecha esquerda, inflando-a com ar para facilitar. Terminado esse lado, passou a toalha presa ao gancho perto do armário, e depois, passou a mão levemente. Quando ia começar a a bochecha direita, notou algo estranho no espelho. Pois, no reflexo, seu rosto continuava cheio de espuma. Inteiro. Completo... Como se ele não tivesse tocado no lado esquerdo.
 
Afastou-se do espelho e por pouco não caiu na banheira atrás dele. Mesmo com todas essas ações, o reflexo permanecia lá, parado.  Encarando-o com um sorriso doentio. Então, aquela imagem que parecia muito com ele, ergueu o barbeador. Esticou-o para frente como se quisesse mostra-lo. Depois, segurou a face direita, e inseriu o barbeador nela. Não demorou a começar jorrar sangue na imagem do espelho. Enquanto o sangue caía sobre a mão, o reflexo sorria, e o sorriso foi se transformando em gargalhada. E não parou de passar o barbeador. O ápice, foi quando na quarta passada, a pele cedeu, e junto dos pelos, veio um pedaço da bochecha. Com um sorriso ainda mais doentio, o reflexo exibiu o enorme pedaço de carne em suas mãos, a cena lembrava um quadro que ele vira há anos num livro de terror.
 
Seu reflexo então, com o dedo imundo de sangue, escreveu a palavra “Por baixo” no espelho.
 
Assustado, saiu do banheiro e foi até a sala. Sentou-se no sofá e tentou ligar para sua mãe. A linha estava sem sinal. Colocou o telefone novamente no gancho, e reparou que havia dedos marcados nele. Dedos manchados de sangue. Digitais vermelhas por todo o aparelho. Instintivamente levou as mãos ao rosto, sentiu então uma ardência indescritível. Seu rosto estava todo cortado, sua pele estava toda dilacerada. Ele então pegou as almofadas sobre o sofá e colocou-as sobre o rosto. Fechou os olhos e começou a chorar. Não conseguia entender. Tentava imaginar todas as possibilidades do que fosse aquilo, mas nada se encaixava. Estaria surtando? Teria usado algum tipo de droga na noite anterior com... Lorena?... Lorena... Logo ela estaria ali, e ele com o rosto destruído.
 
E ao tirar as almofadas do rosto, surpreendeu-se. Ali, bem diante de seus olhos, estava Lorena, com uma expressão de pavor, e parecia tentar acorda-lo.

 
3
 
Ao ver Lorena, ele se levantou imediatamente, e apalpando a face desesperado. Lorena tentava acalma-lo. Ela tentava o segurar, mas ele se esquivava. Correu até o banheiro, e ao olhar a pia, barbeador e espuma se encontravam intactos. Encarou o reflexo no espelho, e tentou mostrar alguma diferença para a moça. Lorena o observava. Ele não conseguia entender. Tudo parecia normal.
 
Alguns minutos depois, os dois estavam se beijando na sala. Ele tentava não pensar nos eventos das últimas horas. Mas Lorena estava ali. Estavam se beijando. Ele sempre quisera estar assim com ela. A sós, amantes. Gostaria de aproveitar mais.
 
Mas seu reflexo demoníaco não saía de sua mente. Era como se revivesse aquela situação assustadora a cada segundo. Lorena notou. Gentilmente ela o abraçou e afagou sua nuca. Tentava ignorar a situação, mas as coisas pioraram quando ele teve a impressão de ouvir um diálogo. E nessa conversa, uma das vozes era de sua mãe.
 
- Não está ouvindo? – perguntou a Lorena.
 
- Não, o quê?
 
- Essas vozes? Você não está ouvindo?
 
- Você está começando realmente a me assustar!
 
Levantou-se e foi até o quarto tentando achar a origem das vozes.  Lorena afundou o rosto na mão esquerda. Estava começando a perder a paciência. Se ele tivesse ficado um pouco mais, e tivesse visto-a nesse momento, notaria que suas íris tinham se transformado em duas pequenas bolas de fogo vermelhas.

 
4
 
- Cadê você, Bruno? Você está aí?
 
- Não adianta! Ele não vai te responder... Bruno não está aí...
 
- Mas então... Mas onde está? Onde meu filho está, se esse não é ele?
 
- Seu filho deu lugar a... Como posso explica-la?
 
- Não sou uma total ignorante! Pode falar! Onde está meu filho, se esse não é ele!
 
- Seu filho deu lugar a algo. Não sei exatamente como, mas ele está perdido!
 
- Perdido? Como pode isso? Eu sei muito bem o que está diante dos meus olhos!
 
- Não! Não é tão simples assim! A senhora só vai entender, a partir do momento que deixar o físico de lado, e se conformar com o que não julgamos existir...
 
- Do que está falando?
 
- Do espiritual!

 
5
 
Lorena o seguiu até o quarto. Lá estava ele, sentado chorando de soluçar. Ela fechou a porta atrás de si, e ajeitou os cabelos.  Bruno ergueu os olhos para ela. Estava bonita, e um sorriso malicioso era exibido em seus lábios.
 
- Que olhar é esse?
 
- Olhar? Que olhar?
 
- Esse olhar!... Tão... Tão...
 
- Eu te quero!
 
- Eu não estou bem...
 
- Talvez me comendo você fique melhor, Bruno! Não quer tentar?
 
Bruno se surpreendeu. Lorena, sua amiga de escola, que num via há anos, falara sem filtros, que queria transar com ele. Era um momento, ou melhor, mais um momento, estranho naquelas últimas horas.
 
Lorena se deitou na cama, e foi tirando as suas roupas. Bruno virou-se para observa-la e se levantou. Ela estava linda. Nua, completamente nua, e com um olhar chamativo. Ele então, deitou-se ao seu lado.
 
- Você... Está tão diferente, Lorena! Você está tão...
 
- Safada? Né? Pode chamar... Pode falar!
 
Bruno excitou-se com aquelas palavras. Deitou-se na cama e puxou Lorena para cima dele. Ela aceitou a ordem, e começou a tirar as roupas do rapaz. Os dois estavam nus agora. Ela deitou-se sobre ele, e começara beijá-lo no pescoço. Com as mãos arranhava as laterais de sua barriga. O rapaz estava adorando aquilo. Havia alguns meses, muitos deles, que não tinha contato íntimo com uma mulher. As coisas foram esquentando. Lorena parecia estar saindo do controle, mas ele estava adorando aquilo. Por alguns instantes, tinha esquecido dos surtos imaginativos de antes. Mas...
 
- Chega!... Agora vamos trocar isso!... Agora eu... Por... Baixo... – pediu ela com uma voz totalmente alterada.
 
Imediatamente os olhos de Bruno se escancararam. E uma calor insuportável, como se houvesse brasa em chamas entre ele e ela, surgiu naquele instante. E por mais que tentasse se mexer, ele simplesmente não conseguia.

 
6
 
- Bruno você está ai?
 
- Não! Não há Bruno!... Ele está aqui comigo, mas não mais contigo, sua puta!
 
- Quem é você? Cadê meu filho?
 
- Deixe que eu faça as perguntas... Não faça cont...
 
­- Hipócrita! Bruno é nosso! Bruno é nosso! Bruno é nosso!... Você se esqueceu? Você se esqueceu? Bruno é nosso! Bruno é nosso!
 
- Do que ele está falando? Do que ele está falando, Maria?
 
- Isso é coisa do Antônio! Foi há muito tempo... Ainda quando morávamos em Minas Gerais!
 
- O que aconteceu? Você precisa me contar tudo!
 
­- Isso! Conte tudo, sua vaca! Conte sua vadia! Conte! Conte! Conte! Conte! Conte!
 
- Essa não é a voz do meu filho...
 
- Ah não, não é... Mas quer escutá-lo? Quer ouvir seu filho? Ele tá fodendo nesse momento, mas pode escutá-la...
 
- Não diga mais nada, Maria! Não diga... Ele quer te confundir...
 
- Deixe-me falar com meu filho! Bruno? Bruno, cadê você? Bruno, você está aí?
 
- Vamos, Bruno! Responda sua mãe!
 
- Bruno?
 
....................................................................
 
Com força total, Bruno empurrou Lorena para o lado, e ela caiu da cama gargalhando.
 
- Mãe? Mãe é você?...
 
Lorena levantou-se do chão, enfurecida. Seus olhos já não demonstravam a doçura, nem ao menos a malícia convidativa para o sexo. Conforme ia se espreguiçando, seu corpo ia tomando outra forma. Seus seios, antes joviais, foram se enrugando e tornando-se flácidos. Sua barriga fora tomando a forma arredondada... E, após um grunhido de dor, asas surgiram de suas costas, além de pequenos chifres.
 
- Que porra é você? – perguntou ele, completamente assustado.
 
De repente, o quarto começou a balançar. E então, eles agora estavam em um terreno baldio. Um cheiro de terra molhada e chorume dominava o local.  Lorena, agora com uma aparência grotesca, seguia um caminho de lodo. Bruno a seguia, amedrontado, mas a seguia. Ela o estava guiando até um local.
 
- Dois mil e quatro... – disse ela com uma voz que entonava diversos timbres ao mesmo tempo, como se fosse um coro de vozes.
 
Continuou caminhando até chegar ao que aparentava ser uma oficina mecânica abandonada. De longe, Bruno pode ver seu pai, Antônio, se aproximar, como se temesse por algo.
 
- Pai? O que ele...
 
- Fale baixo, Bruninho! Seu pai pode se assustar!
 
As cenas seguintes mostravam seu pai encostando-se num Monza, e Lorena se aproximando apenas de calcinhas. Ela aparentava ter uns dezesseis anos, e estava visivelmente assustada. Bruno reconheceu a blusa que a sua amiga usava. Ele mesmo a havia presenteado no aniversário dela de 15 anos.
 
Antônio a puxou pelos braços e começou a beijar seu pescoço. Ela tentava fugir, mas ele a segurava. Tirou as suas calças, e depois as dele. E então, usando sua força, jogou-a sobre o capô do carro, em um golpe parecido com os de judô, e abriu suas pernas.
 
- Seu pai era um touro... – disse o monstro ali, encarando a cena como se fosse um filme pornô.
 
- Isso é mentira... Isso é...
 
A cena trocou de cenário. Agora estavam na beira de um lago. Antônio parecia desesperado. Lorena, ensanguentada, olhava estática para o céu. Suas pernas cheias de sangue, Bruno se espantou ao ver seu pai sem calças e com o pênis ainda ereto.
 
- Ele nunca faria isso...
 
Antônio tentou acordar Lorena por mais algumas vezes. Entretanto, não conseguia sucesso. E foi então, que Bruno se chocou. Seu pai nesse momento abriu as pernas de Lorena, aparentemente falecida, e pôs-se a transar com seu cadáver. Bruno sentiu nojo, e chegou a vomitar sobre seus pés. A cabeça de Lorena-demônio foi girando 360º e encarou-o com um sorriso forçado de paz, como se tivesse atingido seu objetivo.
 
- Quem é você? – perguntou antes de desmaiar novamente, e acordar em um lugar escuro, úmido, e com um terrível cheiro de esgoto.
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- Uma oferta? Foi isso? Uma oferta? Como nunca me contou desse pacto, Maria?
 
- Antônio sempre me traía, mas dessa vez, foi visto. No desespero, se apegou a quem mais se interessaria por seus pecados... Mas... Mas ofereceu também o seu mais importante bem!
 
- A alma do filho? Mas que ser humano desprezível... Como podem fazer isso? Bruno sempre fora... Sempre fora um rapaz tão puro!
 
­- Bruno é nosso! Bruno é nosso! Bruno é nosso!... E agora ele está comigo! Está conosco!... E o pária filho da puta de seu marido também!
 
- Meu Deus! Ele está se levantando da cama, olhe!... Ele... Ele está flutuando!
 
- Maria! Perdão! Maria!... Maria perdão! Ahhhhhhh! Aqui só resta dor... Bruno está aqui, Maria!... Me perdoe...
 
- Você não é meu marido! Você não é meu filho!... Deixe o corpo de meu filho em paz!
 
- Paz? Pax! Peace! Frieden! Bakea! Pace!
 
- Bruno, você está aí?
 
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Bruno levantou-se do chão. Suas mãos estavam cobertas de lodo. E ao se levantar, notou que Lorena-demônio o esperava.
 
- Bruno, meu filho, você está aí? – perguntou uma voz vinda do alto.
 
Imediatamente ele ergueu a cabeça. A voz era de sua mãe. Porém, ele sentia algo o rondar. Era como aquele aperto no peito que temos quando estamos ansiosos, ou com medo. Havia algo ali, que estava fazendo-o sentir tal sentimento.
 
- Mãe? Cadê você, mãe?
 
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- É ele! Ele está respondendo! É ele!... Filho! Cadê você! Onde você está?
 
- Não faça contato, Maria!
 
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- Mãe... Não sei onde estou. Mãe... A senhora está aqui?
 
Lorena se aproximou dele, e segurou suas mãos com força. Foi então o arrastando, deixando marcas no chão enlameado. Cada vez que andavam, o cheiro de podre parecia aumentar.
 
Enfim, chegaram a um enorme precipício, e dali, Bruno teve uma visão panorâmica de onde estava. Um lugar avermelhado, com grandes rios de fogo. Um lugar cercado por imensas montanhas negras, qual era possível notar enormes criaturas aladas nos picos, defecando ladeira abaixo, sobre os humanos que se movimentavam em grandes campos de areia movediça. Bruno percebeu que estava no inferno.
 
- Porque estou aqui, Lorena?
 
- Não importa, Bruno! Você simplesmente está! – disse ela, voltando a sua aparência mais agradável, porém, empurrando-o logo em seguida para o abismo.
 
7
 
- Bruno, fala comigo! Bruno!... Fala comigo, meu filho!
 
- Não há o que se fazer! Bruno já está entre nós! Seu filho foi apenas um instrumento de troca, sua vaca! Se abrisse mais a perna pro seu marido, aquele troglodita deixaria de foder as jovens. Deixaria de fuder as menininhas. Mas não!
 
- Traga-o de volta! Por favor... Traga-o de volta...
 
­- Não há negociação! Aqui está... E aqui ele simplesmente estará!
 
- Ele se foi, Maria... Bruno já não se encontra entre nós...
 
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E lá estava o corpo de Bruno sobre a cama. Desfalecido, sem ar, e ali estava há pelo menos dois dias. Morto. Preso num caminho desconhecido até para as pessoas mais entendidas e estudadas do mundo.
 
Maria pegou o corpo de seu filho sobre a cama, e padre Felipe tentou impedi-la. Ela se jogou sobre seu corpo imóvel. O filho andava estranho, reclamando de visões, de vozes. Chegara até a desconfiar de seu envolvimento com alguma droga alucinógena. Mas na verdade, era um passado sombrio vindo cobrar o que lhe era seu por direito.
 
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Outubro, 2004 – MG
 
Antônio correu com o corpo de Lorena em seus braços. Tinha medo de ter sido visto por alguém no terreno baldio, mas resolveu correr assim mesmo. Ao tropeçar, viu o corpo da menina rolar ribanceira abaixo, caindo numa espécie de lixão da cidade.
 
Lorena era amiga de seu filho Bruno, de apenas dezesseis anos. Mas tinha um corpo tão bonito, e um olhar tão agressivo, que ficava difícil controlar a libido. Antônio começara a se aproximar dela, a tentar assunto... Antônio estava apaixonado pela menina. E precisava tê-la em seus braços.
 
A convenceu de um passeio naquela noite. Seus pais iam viajar, Bruno e sua mãe estavam em outra cidade, e a menina, sozinha em casa, aceitou o convite. Mas tudo saiu do controle, e Lorena estava morta.
 
Desceu a ribanceira, e ao chegar aos pés do pequeno morro, assustou-se. Um homem, vestindo roupas negras, parecia esperá-lo sentado sobre uma pilha de tijolos.
 
- Olá, Antônio! – cumprimentou-o. Sente-se aí! – disse apontando-lhe uma pedra lisa.
 
- Eu... Eu vi essa menina cair e...
 
- Não, Antônio! Não!... Nós sabemos muito bem o que aconteceu...
 
Lorena surgiu de dentro da escuridão, completamente nua, e sorrindo. Sentou-se no colo do estranho e abriu as pernas da maneira mais vulgar possível. Antônio surpreendeu-se. Correu para abraça-la.
 
- Ah, minha linda! Que bom que você está viva!... Não sei o que...
 
O homem se levantou, e retirou uma faca de seu bolso esquerdo da calça.
 
- Vamos deixar de conversa, Antônio. – Esfaqueou-a na altura do umbigo. – Essa não é Lorena! Não mais!... Essa não é a menina que você acabou de matar, e depois, fodeu mesmo morta!... Mas, posso ajudá-lo!
 
Lorena sorria enquanto passava os dedos na ferida e chupava-os sensualmente, saboreando-o.
 
- Posso ajuda-lo a nunca enfrentar problemas por conta desse ato. Mas não de graça, homem! Não de graça...
 
- Não vou fazer negócio contigo... Já percebi quem tu é!... Cão dos infernos!
 
- Não sei se você faz ideia do que acontece com tarados filhos da puta como você na cadeia... Sabe? – se aproximou de Antônio se tele transportando. – Eles vão enfiar coisas no seu cú, e cortar coisas de seu corpo! Está preparado pra isso? Hã? Está preparado para ser violentado física e psicologicamente, seu infeliz?
 
Antônio vomitou. Seu coração doía.
 
- Acho que estou morrendo! Deixe-me ir! – implorou de joelhos sobre seu próprio regurgito.
 
- Deixe de ser fresco, homem! Alguém que fez o que você acabou de fazer, é de se esperar uma atitude mais masculina...
 
- Não posso ser preso...
 
- E não será... Como disse, posso ajudá-lo, mas preciso de algo seu, não para agora, mas para depois, dez anos, talvez ... Algo que possuis! Algo puro... Preciso... de... Uma... Alma...
 
Risadas ecoaram por todo terreno baldio, afastando os animais da região.
 
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Antônio acordou em casa. Sem dores, e com sua esposa passando um pano úmido com arnica em seus pés. Ao vê-lo acordando, ela sorriu aliviada.
 
- Olha, não posso viajar que você bebe todas, né Tonho?
 
- Cadê? Cadê, Bruno?
 
- Calma! Bruno tá lá na casa de Oscar! Parece que eles irão se mudar, e levarão a amiga dele junto. Ele tá tentando ver Lorena pela última vez...

 

 
FIM
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 19/08/2014
Reeditado em 19/08/2014
Código do texto: T4929378
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