Gemidos Surdos

No alcançar de teus cabelos de macas frias, a penúria de lençóis retorcidos, com aroma de álcool. Tudo é tão higienizado, que começo a sentir nojo e vontade de vômito. Cada parcela da parede é uma cilada, no labirinto branco de móveis metálicos. No éter que escapa e adentra as narinas menos sensíveis. Cada calabouço possui seu carrasco pessoal, com sorriso mumificado e gestos repetidos. Tudo é tão sujo nessa limpeza. Gente depositada aos montes, numa catástrofe corpulacional. O tempo pouco importa para os que sabem que as horas serão sempre vagarosas. Deitado na condução camas rodoviárias. Tudo gira nesse mundo sem movimento. Na calma cadavérica dos atendentes, com dentes de mortos, arreganhados e imóveis.

Sinto as picadas. Hematomas se alastram como metástase. O soro que choro, ignoro. Avenidas repetidas com pisos encerados, fazem deslizar a urina, que fora conduzida por tubulações de sonda, em um sistema de esgoto orgânico. Os campos formam meu espanto escravo, contidos em cantos. Enxergo o sangue que se mistura a água que o ralo absorve. Só quero que me tirem os tetos que desabam quietos sobre minhas podres vistas. Ouvindo a canção de lamúrias. Engolindo cápsulas, rejeitando práticas, sujeito à máximas. No abrir e fechar de portas, com luzes acesas em rostos dormidos. A sirene toca e o toque de recolher é de longo intervalo. São homens, mulheres, crianças, velhos, trapos, jogados, forrados, deixados, ocupando espaço.

A boca se abre e a estava de ferro entra garganta abaixo, perfurando camadas, com o crânio suportando a estocada. De boca aberta recebe a espada, cravada na fala, emudecendo, sufocando, dormindo e matando. Voltamos quase vivos. Com olhos abertos para esse nada anestésico. Sem sonhos, sem brilho, apenas o fio tênue do último sentido. O gosto da adaga no paladar decepado. Recolhendo pelos perdidos, na tentativa de resgatar algo de si. Embaixo do nevoeiro de luzes foscas, as pálpebras resistentes. No braile do tatear que sente o áspero misturado ao sintético. Tudo é tão reto, ainda que se sivra de falsas curvas. Rodopiando de forma estática. O suor que adere à borracha, assim como os dutos que aderem á pele, sugando cada respiro.

Faltam posições, já que a manhã demora chegar. Mas existe uma contradição, já que a aurora trará outro dia morto, com aquela ânsia de escapar. Escapamos no tempo que se esvai na eternidade dos segundos contados. A procura daqueles rostos estúpidos no escuro. O som das máquinas humanas mantidas em funcionamento. Reze até perder a fé, já que não será acudido por nada e nem ninguém. O céu visto da cela, sela a janela diminuta. O ar é condicionado e faz secar a saliva. O parto de gente é uma tragédia. Salvem os bebês inocentes, que já deixaram de ser puros á medida que foram introduzidos nesse absurdo. Matem as mães que tem coragem de gerar essa prole amaldiçoada e degolem os pais, que também são responsáveis, com seus falos calejados. Matem o mundo, antes que ele mate tudo. Desespere-se a ponto de enfrentar o medo e se lançar rumo ao desconhecido, que será seu último arrepio. Apaga-se a luz e tudo volta a ser tudo.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 30/08/2014
Código do texto: T4943130
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