EIS A FELICIDADE, MINHA MALDIÇÃO

Seus olhos se paralisaram pela visão que traspassa em suas escuras pupilas. Por aquela garrafa imunda que recordava e refletia em toda sua imundice os mais vis e ignóbeis quadros, seus olhos se paralisaram, tremiam pelo tremendo olhar que a tremula garrafa refletia.

Naquele subsolo onde sua consciência se enclausurava, se recordava e atormentava, onde os mais desesperados e impensáveis pensamentos atravessavam seus nervos como um raio, e num choque que se alastrava em seu corpo como uma doença que é bombardeada no sangue o manipulava a progredir aquela obrigação, aquele fúnebre sinfonia a qual seus tímpanos estavam tão fatigados de ouvir, de ingerir como um hipocondríaco todo aquele remédio armazenado no interior da mesma imunda, esvaziada e tremula garrafa.

O líquido adentrava em seu organismo com um ardente lembrete, ele não queria esquecer, ele não podia, ele necessitava de lembrar, era para isso que bebia,sentia, o imundo e amargo gosto daquele fluido fluindo em seu organismo como o sangue que circula em suas veias, penetrando, inundando sua alma, armazenando as amargas palavras que exalavam numa fétida essência de sua boca e se perdiam naquela atmosfera impregnada da mesma contagiosa doença.

"Ah senhor, tamanho é meu arrependimento que por ele eu afogado, afogado e acorrentando. Não há como fugir, não há onde se esconder, não há, senhor! É como um oceano dentro de nós, nosso febril sangue ferve em febre, nosso corpo sente apenas a ausência de tudo, resta o vazio, o frio... Não há como livrar-se, desvencilhar-se desse Leviatã dentro de nós que nos percorre num turbilhão de tormentas. Como fugir se sem esse monstro não conseguimos viver? Como dar por findo esse sofrimento, esse temor, se para isso precisamos navegar aos sete cantos do mundo, submersos a sete palmos de terra, até, finalmente, nos prendermos junto ao ultimo arpão encravado no sonhado Leviatã imerso em seu próprio imaculado sangue?"

"Sou um homem amaldiçoado, doentia e maldosamente amaldiçoado. " O homem apercebe-se apenas da sua tristeza. Ele lida com a sua felicidade como algo natural" Ha ha ha, Dostoiévski, sua ingênua criancinha. A tristeza que é natural, que sem ela se é impossível de viver! Pensais senhores, pensais! Um corpo intacto, não se sente nada, absolutamente nada, pois nada há para sentir, unicamente nada exceto uma dor, uma ínfima dor concentrada num ínfimo ponto. Essa mera e ínfima dor se propaga, se contagia como uma maldosa doença por todo o corpo. Apenas a dor é familiar, uma velha conhecida, o único conhecimento adquirido em todos esses anos, sua única experiência, toda sua vida resumida numa única realidade, seus pensamentos, sentimentos, atos... Todos imersos nessa dor, a onipresente realidade que envolve a todos nós. A eterna realidade! Eis a natureza, criancinha ingênua. Já a felicidade é completamente o oposto de natural. Ela não é autêntica, não há como ser, ela é fingida, planejada, viciada. Ela serve apenas para realçar ainda mais nossa dor. É por isso que ela é tão querida, que temos tanto afeto por ela, é por isso, somente por isso! Ela realça, amplifica, materializa nossa dor, ela a torna quase palpável, sua essência se impregna em nossos pulmões, nossos olhares avermelhados pelo pulsante sangue passam a vislumbrar nossa real e natural dor! Eis a felicidade, minha maldição."

B Duarte
Enviado por B Duarte em 16/10/2014
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