A Guerra do Sangue


A GUERRA DO SANGUE

Miguel Carqueija


Nosso grupo seguia por uma vasta campina aplainada, a perder de vista; longe, muito ao longe, montes que se faziam azuis pela distância, quase se confundindo com o céu isento de nuvens.
O calor era sufocante; abafados pelas pesadas armaduras de couro e pelos protetores de pescoço, seguíamos adiante entre as pragas dos mais impacientes.
Lucíola, que seguia a meu lado, acariciou a espada e observou:
— Se tudo estiver correto, Ned, esta operação de pinças os trará a nós.
— Espero que sim. Não é possível mais suportar o que vem acontecendo.
Eu pensava nos cadáveres que juncavam as estradas, no luto permanente pelas vilas, aldeias e cidades.
Volvi o olhar para o nosso líder, Evaldo, alto e esquelético e segurando a sua lança, como um Dom Quixote redivivo.
Aliás, na última reunião, antes da expedição punitiva que agora encetávamos, ele fizera questão de lembrar os velhos tempos:
— Todos nós devemos por em nossas cabeças que o retorno à sociedade feudal tem que ser uma situação transitória. Precisamos nos esforçar para volver à civilização tecnológica de antes da Guerra da Água. Já quase não temos veículos motorizados. As viagens espaciais acabaram, bem como a rede de computadores que unia o mundo inteiro. Se não se houvesse revelado o inimigo que agora combatemos, teríamos condições para reerguer a civilização. Enquanto estivermos acuados, a situação não mudará. É por isso que tudo devemos fazer para exterminar essas criaturas.
Agora víamos alguns dos nossos planadores sobrevoando as Montanhas Agassiz, bem como o dirigível blindado. Ao comando de Evaldo, nossa tropa de cavalaria avançou em galope.
Logo avistamos algumas das criaturas, expulsas para a planície. Outras tentavam voar, mas eram fáceis alvos para as bazucas dos planadores e os morteiros do dirigível. Um grupo a cavalo vinha ao nosso encontro.
Em qualquer ocasião, enfrentar vampiros é terrível. Apesar dos renques de alho que penduramos em nossos corpos, o fato é que eles atacam com a fúria do desespero, mesmo que os nossos acessórios — que incluem cruzes — os aflijam mortalmente.
Travou-se a batalha, na terra e no ar. Uma batalha em que o homem, mais fraco e mortal que o vampiro, tem de apelar para o número, a coragem e a criatividade.
Nossas cavalarias se chocaram. Procurávamos inclusive abater aqueles animais, já vampirizados e que também eram nossos inimigos. Nós, humanos, lutávamos com espadas, lanças e lança-estacas. As figuras medonhas dos vampiros de ambos os sexos, com suas capas e seus caninos hipertrofiados, nos cercavam. Guerreiros foram jogados ao chão pela fúria assassina dos vampiros, mordidos e pisoteados; porém vários dos monstros, não agüentando a proximidade de cabeças de alho e crucifixos, também fraquejavam e tombavam com as forças exauridas. Eu saltei do meu alazão e enfiei uma estaca no peito de um deles. Eu próprio já estava com várias feridas, mas felizmente todos nós havíamos tomado previamente o antídoto.
Mesmo por demais ocupado no solo, vi de relance que planadores desabavam e assim também vampiros voadores. Ajudado por Bil, abri caminho entre vis faces de vampiros para socorrer Lucíola, que jazia ensangüentada em meio ao capinzal.
Afinal, os vampiros que não foram mortos bateram em retirada. Não valia a pena persegui-los, pois havia feridos graves entre nós, e humanos não abandonam seus semelhantes.
Aliviado ao constatar que os ferimentos de Lucíola não eram fatais, eu me dei ao luxo de filosofar:
— Até quando, Deus? Até quando irá essa Guerra do Sangue? Perante um inimigo tão poderoso conseguiremos nós limpar a Terra, e em quanto tempo? Em cem anos? Em mil anos?
— Pouco importa — respondeu Bil, ofegante, dando-me um tapa amistoso no ombro. — O que importa é que os seres humanos nunca desistem. Nós lutaremos enquanto o nosso sangue for humano.

NOTA: este conto integra a antologia "Draculea II", editada por Ademir Pascale (contos de vampiros por autores brasileiros). Mais detalhes com o organizador: amigosdocranik@ig.com.br

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