Desafio do Terror????

A essa hora da tão sombria noite que se aproxima furtiva como um ladrão, a essa hora me pergunto o porque de tantas mudanças.

Desafio do Terror... Já ouviu falar?

Eu já. Até participei de algumas edições sem nunca ter ganhado. Mas o que vale realmente é a intenção. Ou não?

Fico pensando nesse fato durante alguns minutos. Sempre existiu dedicação. Sempre foi 100% da minha capacidade, da minha inteligência aplicadas de corpo e alma em escrever um texto que prestasse para vencer.

O que começou como brincadeira se transformou em algo mais significativo para mim. Veio com a certeza de que se eu quisesse ser o melhor, precisaria do primeiro lugar. Custasse o que tivesse que custar. Não se tratava mais de algo saudável. Para mim, o primeiro lugar transformou-se numa obsessão. Eu precisava daquela vitória.

Não matei ninguém. Embora muito quisesse, sou conhecedor das leis de nosso país e sei que hoje crime algum fica impune por mais frágil e débil que seja a Justiça brasileira.

O que fiz foi mais sinistro, macabro e vil do que é possível imaginar.

Eu evoquei. Sabia que não devia ter feito isso, mas minha ganancia não tinha limites. Fui ao tumulo de um famoso poeta que morrera e ali o chamei.

Já passava da meia noite e minha voz era a única que podia ser ouvida em todo o cemitério.

Naquela noite estrelada, as aves estavam quietas... Os grilos não cantavam. Todo aquele lugar parecia perdido no tempo. Largado em meio a pessoas que um dia viveram e hoje jaziam completamente esquecidas.

Meus passos cuidadosos tornaram-se barulhentos e incômodos. Fora fácil entrar no cemitério. O caminho até a tumba que se mostrou difícil, longo e árduo. A escuridão me incomodava. Tinha a sensação de que os mortos me olhavam de dentro dela. Pareciam saber qual o meu propósito ali, e em meio a essa divagação cheguei a meu destino.

João Paulo A. Dos Santos. 13/08/1874 – 24/11/196... A lápide estava gasta. Fiz um esforço para enxergar melhor e tive a confirmação: João morrera aos 93 anos, em 1967.

Seu tumulo era singelo. Desprovido de adornos ou lembranças, a única prova da vida que aquele homem tivera era uma foto em preto e branco de um ancião muito velho, sentado atrás de um grande livro. Seu semblante era austero. A barba lhe cobria todo o rosto. A mão direita segurava uma caneta. A esquerda estava livre, apoiada sobre o livro.

Como me orientou o médium, chamei.

Minha voz ecoou por algumas quadras e o vento pareceu responder, tocando minha coluna e fazendo os cabelos de minha nuca arrepiar. O alerta do médium veio como um raio em minha memória: “Uma vez chamado não há volta. Não se pode tirar o descanso daqueles que dormem. Quando acordados, eles farão o que desejar, mas para isso um preço você há de pagar”.

O arrependimento veio violento como um chute certeiro em meu estomago. A ansiedade invadiu meus pensamentos e comecei a suar frio. Fechei os olhos com força e me virei para correr. Não queria ter de cumprir desejos insanos de um falecido que ficaria a me perturbar pelo resto de minha vida caso eu não os cumprisse. Em suma, eu deveria arcar com as consequências por bem ou por mal. Arriscar-me-ia a descobrir qual o desejo do velho sórdido e teria uma chance de ficar em paz, ou simplesmente sairia correndo dali para ver no que dava?

Antes de tomar minha decisão eu o ouvi. Clara como o sol, aquela voz veio por trás de mim e senti que era tarde demais. Eu tinha acordado João e agora sabia que não teria paz até cumprir qualquer desejo que ele inventasse.

Era um espírito. Conversando com ele, senti que era feito de pura maldade. Seu desejo me condenaria. Por bem, eu não seria perturbado e enfrentaria as consequências da lei. Por mal, possivelmente o pior me esperava. O tormento de uma alma que não descansa, implacável em me ferir até consumir todo calor de meus ossos e fazer-me juntar-se a ela no além.

Eu deveria matar a todos os escritores. O desejo de João era zombeteiro. Ele me traria a fama se eu matasse a todos, mas isso eu não podia fazer. Decidi correr o risco de ter fama após a vida, e por isso deixo aqui meu relato com o sobrenatural através desta última carta que escrevo. Um abraço a todos os amigos leitores, e mãe: saiba que te amo e peço desculpas por não ter te escutado. Sei que agora é tarde demais.

Bonilha
Enviado por Bonilha em 22/10/2014
Reeditado em 22/10/2014
Código do texto: T5008598
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