Crianças

Noite fria, ventania lá fora, a árvore bate na janela do meu quarto com violência, dando a impressão de ser bem mais que simples galhos, tudo o que queria era dormir, dormir e acordar no outro dia com o sol incomodando minhas retinas, mas o barulho perturbador como crianças brincando do lado de fora de casa não permitia que o sono viesse, queria minha mãe, péssimo dia para ela resolver ir passar a noite na casa da vovó. Estava sozinho, nos meus quinze anos de vida não me lembrava de um dia como esse, ou... uma noite como essa. Ainda podia ouvir as gargalhadas das crianças, caminho lentamente até a janela e olho para baixo, meu quarto ficava no segundo andar da casa, e dava uma vista ampla para o quintal. Não havia nada lá... Exceto os brinquedos de meus irmãos espalhados em volta da piscina.

- Maldito Dilan - sussurro.

Ouço batidas vindas da porta de entrada, a voz de minha mãe surge em minha cabeça lembrando de suas últimas palavras "Filho, vá dormir cedo e não abra a porta por nada nesse mundo".

Já havia quebrado a primeira regra, quem conseguiria dormir com todo este barulho, e agora alguém estava do lado de fora, naquela tempestade, olho para o céu e vejo vislumbres do que parecia ser a lua, mas ela estava... Estranha, diferente, estava vermelha... Como sangue.

Novamente as batidas na porta.

Desço as escadas devagar segurando o corrimão, não queria abrir, não podia abrir.

Batidas...

- Quem é? - pergunto com minha voz falhando.

Ouço risos do outro lado, ainda ouvia crianças... Devia estar ficando maluco, só podia estar ficando maluco.

Olho pelo olho mágico, mas não havia ninguém

As batidas na porta se tornam mais violentas...

- Se não disser quem é... Não vou abrir - estava tremendo, mas na realidade não havia motivos para temer.

- Abre Kel - a voz era conhecida, suspiro aliviado, mas...

- Ana? - pergunto pasmo.

Olho para todos os quadros em cima da estante onde havia fotos minhas, da minha família, e de Ana...

Ana havia morrido afogada a alguns anos, ela não podia estar batendo em minha porta naquele momento, simplesmente não...

- Abre a porta Kel, está frio, estou com medo - ela chorava muito.

Estava travado, os pelos de meu corpo se eriçavam. Com medo e confuso abro a porta que range.

Do lado de fora havia duas crianças, seus olhos eram negros como a noite, sua pele era pálida como papel, o menino balbucia algo que não conseguia entender, e a menina sorri, ambos dão um passo para frente que me fez recuar e cair sentado onde estava, seu sorriso era cheio de dentes pontiagudos e salivavam muito, vieram pra cima de mim me fazendo correr para a escada, o menino pula em meu braço fazendo marcas profundas de arranhões. Corro para meu quarto e tranco a ponta.

- Abra a porta Kel - era a voz de Ana novamente - vamos contar até dez, se não abrir, vamos derrubá-la. Um...

Estava com medo

- Dois...

Pulo na cama

- Três...

As batidas na janela se intensifica

- Quatro...

A chuva caia na calha como pedras

- Cinco...

Corro até o guarda roupas e pego um cobertor

- Seis...

Minha respiração estava ofegante

- Sete...

Meu braço doia muito

- Oito...

Deus, me ajude...

- Nove...

Encubro até a cabeça.

- Dez...

Ouço a porta sendo estraçalhada, paços vindo em minha direção, prendo a respiração.

- Filho? - diz minha mãe retirando o cobertor de minha cabeça - Bom dia, dormiu bem - diz me beijando - que horas foi dormir? E que bagunça é aquela na cozinha?

Estava com muito sono ainda.

- Mamãe - digo pulando em seus braços - graças a Deus, foi só um sonho.

A dor em meu braço chama minha atenção.

Ainda estava...

Sangrando...