A Verdadeira História - Meu Amigo Oculto - DTRL2014
 
   Pouco conheço desse oceano de inspiração que reflete nuvens sombrias e corvos que ziguezagueiam no céu. Deste modo criarei meu próprio personagem, e contarei uma história que acredito ser verdadeira. 

  Ele é assim, tão dono de si, repleto de vida e  também de solidão (ao menos foi o que encontrei em minhas visitas por sua imensidão de inspiração).

   Se o mar pudesse viajar de avião mergulharia sobre nações e desencadearia catástrofes gigantescas. É um dos criadores e administradores da história da humanidade. Um verdadeiro contador de Histórias.

  Com suas ondas gigantescas busca o céu, persegue a terra, e acredita que sairá voando por aí destruindo tudo e todos, provocando um verdadeiro apocalipse. Quisera ele ter um manual que o fornecesse ferramentas precisas para consumar tal ato. Tão traiçoeiro e ao mesmo tempo um companheiro. Sim, é isso que ele é. É vida e morte.

  Pobrezinho... Posiciona-se para largada, corre... E então bate aquelas falsas asas que na verdade são ondas. Tenta voar, mas de repente cai furioso, cuspindo toda ira, salivando e começando tudo novamente. Cada vez mais se aproxima da praia e do céu. Cada vez mais se distancia de seu sonho. Sente dores onde não dói.

 Talvez dê sorte e qualquer dia alguém jogue nalgum rio aquela velha e seca Pata do Macaco que um amigo tanto falou e ela bóie até ele, e talvez... Ahhhh... Talvez quem sabe com um pouco de sorte possa fazer seus três desejos (Por mais que precise realizar apenas um). 

Se ao menos pudesse tê-la? Ouviu dizer que ainda está por aí. Foram os bons ventos que o disseram, mas eles também mentem. Que pena que as vezes pedimos os presentes errados...

  Ao som de uma lira, tocada por uma ninfa de vinte anos, súdita de Poseidon, ele sente todas as vibrações, todo e qualquer contato do mundo externo nele. Folhas rasgadas de um livro de Álvares de Azevedo se desfazem em seu corpo. Ele tem o poder de destruir. As penas da invejada águia caem por sobre seu leito e depois de molhadas não voam nunca mais. Talvez verdadeiramente nunca tenham voado.

  O mar é poético, cético e apaixonado pelo sol e pela lua, e ambos parecem partilhar desse amor, pois o fazem companhia, dia após dia, noite pós noite.

  Dentro de si há um pouco de tudo; ouro, prata, ossos, navios e mais navios naufragados. Vida se reproduzindo, morte se alastrando. A poluição é como um vício barato daqueles que hoje são como ele foi um dia. Nada lhe desagrada mais. É como se o sal perdesse o gosto.
 
Até mesmo o príncipe D. João, em meados do século XIX já acreditava que o mar curava. As pessoas se banhavam de maneira contida, crendo em possíveis curas. Ainda existem muitos tratamentos que são baseados nele, principalmente para feridas, úlceras crônicas e para aqueles que apresentam dificuldades de cicatrização. Ele também tem o poder de curar, mas só o fará se for de sua vontade.

  É de mar em mar que a vida continua, de dor em dor que se multiplica por aí. Arrasta-se na areia deixando rastos num tsunami devastador, e ele quer mais, deseja ir além e tomar cidades, jogando-se por sobre elas, devastando-as.

  Como o elemento da vida pode ser tão cínico? A resposta é bem simples, é porque ele pode. Ainda assim mesmo sendo tão poderoso, não pode possuir tudo o que quer.

  No inicio de tudo fora apenas um homem comum, contudo ambicioso o bastante para fazer um pacto com um ser muito poderoso que pintou em seu peito um feitiço, usando tinta Nanquim mesclada ao próprio sangue do pobre mortal. Quando o ser acabou de pintar o feitiço em letras gregas o homem foi convidado a saborear de seu próprio sangue em um cálice de prata.

  Ao sentir o liquido doce e viscoso encontrar sua língua aquele que queria ser mais do que os outros experimentou as veias arderem. A primeira percepção que teve foi de que um poder absurdo estava tomando conta de seu organismo, mas logo a pele começou a formar bolhas cada vez maiores e com isso os olhos constataram que a tonalidade de suas veias já não era a mesma. Era tudo exageradamente pálido.

  Observou as mãos e braços, contemplou toda aquela desordem de um momento que seria eternizado em suas lembranças.  Ainda recorda-se do rosto do anjo negro que revelava-se mascarado em sarcasmo.  

  Quando pensou em se atirar contra aquele ser alado e imponente, toda água do corpo começou a escapar dos poros. No inicio pensou ser suor, nervosismo, ou algum efeito colateral, mas em seguida se sentiu fraco e despencou de joelhos.  De repente era tão somente constituído de água, e não restara uma gota de sangue qualquer. O que sobrou do homem ergueu a cabeça e fitou o demônio, enquanto os olhos se transmutavam numa torrente de lágrimas, e a água não parava de surgir de si.

  De maneira insólita dissolveu-se e tomou a forma que jamais deixaria de apresentar, se converteu em mar. Não algo doce, mas destemperado e ensandecido. Com toda raiva possível conheceu o poder que adquirira e engoliu o anjo, jogando-se sobre ele. Afogou-o e se transformou no assassino que é. Matou aquele que almejava ser, e depois disso se acalmou.

  Era tudo tão espontâneo... Tão bravo, tão brando, e no fim... Tão somente um Mar .


Sidney Muniz
Enviado por Sidney Muniz em 24/11/2014
Reeditado em 25/11/2014
Código do texto: T5047425
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