A casa da Colina

Não há muito que se ver naquela casa assombrada. Apenas morcegos gigantes, ratazanas famintas, cachorros que mais parecem lobos e outros animais peçonhentos. Fica lá na colina. À sua volta, chão de terra batida e nada de plantas. Apenas uma árvore em clima de outono. Nas janelas nenhum vidro. A porta está trancada com uma corrente enferrujada e algumas tábuas velhas. Na extremidade oposta, há um grande portão de ferro que não funciona, pintura avermelhada e com marcas de ferrugem. Buracos são muitos, sem contar as tábuas soltas e podres. No telhado, furos e telhas faltando. Na chaminé, fumaça não há. O limo está por todos os cantos. Dentro, a putrefação é total. Crianças que morreram na casa perambulam por ela todas as noites. Dizem que estranhas coisas acontecem por ali. Coisas do sobrenatural. Mesmo assim, Tiago vai até lá. Quer ver as crianças. Mas ainda não viu nada. Ainda.

Ele é um menino de doze anos, sem família, criado nos bueiros com os bichos. Vai acabar se tornando um. E desde que se conhece por gente, a casa faz sua imaginação voar. Ouviu muitas histórias sobre ela. Agora ele não quer ouvir, quer ver e sentir o que ela tem. Medo não sente, só curiosidade. E essa curiosidade pode leva-lo a uma situação na qual ele nunca teve. Já tem onde dormir.

Pula a janela de um salto. Lá dentro, escuro. Ouve vozes de crianças. Choros e risadas estridentes. Gritam seu nome. Já anoitecera. Pelos buracos do telhado, a lua espia lá de cima. Nenhuma nuvem se atreveria a passar por ali. Só a fumaça da chaminé, leve e quase imperceptível, a não ser pelo cheiro de osso queimado. Por dentro, a casa parece ainda maior. Anda pelo local bem devagar. Mais vozes gritantes o chamam. Lá fora, a árvore balança com o vento. O portão de ferro também sacode, tábuas e pedaços do telhado caem aqui e ali. Tiago escorrega no limo ao desviar de uma telha e cai. Assim ficara.

Ainda no chão, vê que não está só. Perto do portão, uma garota sem visão enxerga pelos olhos do cachorro. No outro lado, na porta, um garoto alimenta com seu próprio corpo a ratazana faminta. E voando a meia altura, com uma menina na garupa, um morcego cobre quase todo o telhado com suas asas abertas. O vento parou, não há mais lua e o céu está coberto de nuvens. Ele olha um de cada vez, e é olhado por todos ao mesmo tempo. Ainda no chão. Ainda.

Aparecem outras crianças emitindo sons estranhos. Estão mais perto agora. O cheiro é forte. De tudo. A chaminé agora está fumegante. A fumaça que sai é escura e tem cheiro de morte. A casa balança, telhas e algumas madeiras caem por todos os lados. Há mais limo e barro à volta de Tiago. E eles mais perto. Fazem um círculo à sua volta. Não há medo nele. Apenas aceita o que buscou.

Ele agora faz parte da casa.

Rodrigo Barcellos
Enviado por Rodrigo Barcellos em 27/03/2015
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