Magia circense - DTRL21

Uma noite agradável. Muitas pessoas indo ao mesmo lugar. O Circo dos Irmãos Basilesco estava na cidade. Não era famoso ou cheio de palhaços e atores. Era uma equipe de três pessoas que trabalhava junta passeando pelo mundo. E também era antigo. Diziam que as bisavós dos membros da equipe que fundaram o circo e eles levavam a tradição adiante. E tudo pela magia. Isso era o que diziam pelas ruas da cidade. A magia do circo se fazia realmente presente naquele lugar. E foi por isso que André resolveu visitá-lo. Sua namorada havia ido ao circo na noite anterior com as irmãs e ficou encantada, de alguma forma, com a simplicidade e as maravilhas daquele lugar. Quando ela falou, ele disse:

-Isso é uma bobeira enorme. Circo, em pleno século vinte e um? Isso é coisa pra velhos loucos e criancinhas catarrentas.

Mas, no entanto, lá estava ele. A curiosidade o venceu. Ao entrar no grande terreno onde estava a tenda, começou a sentir-se diferente, como se houvesse realmente magia naquele lugar. Lembrou-se de quando era criança e acreditava que sonhos, mesmo os mais insignificantes, podiam se tornar reais. Olhou ao seu redor. Todos tinham a mesma expressão de felicidade e admiração. Tudo era tão colorido e parecia ter vida própria! Entrou na tenda e escolheu um lugar bem afastado para que ninguém o incomodasse vendendo pipoca ou refrigerante. A arquibancada enchia-se de adultos e crianças.

Assim que se sentou sentiu algo cortar-lhe a mão e, instintivamente, olhou para saber o que o havia ferido. Ao seu lado, em um pequeno pedaço da madeira da arquibancada havia um prego solto. As gotas de sangue que pingavam, secaram rapidamente sobre a madeira. Intrigado, pensou: “Essa madeira deve estar velha e ressecada.” Observou o corte; havia sido pouco profundo, ainda poderia assistir ao espetáculo que começava. Apoiou as mãos novamente sobre a madeira, tomando cuidado para não tocar o prego novamente. se tivesse prestado atenção, teria percebido que o sangue de sua ferida penetrava na madeira e secava em uma velocidade sobrenatural.

O espetáculo seguiu animado, a dupla de palhaços com maquiagens engraçadas fazia todos rirem. André não gostava dos palhaços, era trauma de infância. Em sua festa de aniversário de sete anos, seus pais contrataram um palhaço. Isso o apavorou. Era um bêbado fumante que falava palavrão e não tirava a mão de dentro das calças. Seus pais o expulsaram depois que o pegaram colocando as mãos de um menino dentro de suas calças. E aqueles palhaços o deixavam com o mesmo medo. No meio da apresentação deles, um o olhou nos olhos. Ele tinha certeza de que foi impressão, por causa das luzes. Mas, por um breve segundo, achou ter visto seus olhos mudarem de cor.

Os palhaços se retiraram depois de jogar sobre a platéia dois baldes cheios de pedaços de papel colorido. Então, as luzes mudaram e uma bela bailarina apareceu sobre um cavalo, fazendo movimentos delicados e ousados. André ficou de queixo caído. Era linda. Seu corpo chamava atenção, seus cabelos negros estavam presos em uma longa trança, seu rosto era perfeito. Por um momento, ele se lembrou de sua namorada; tão magra e com semblante infantil. Mas, aquela em sua frente era uma mulher de verdade. Talvez todo encantamento por aquela criatura, que era infernal de tão bela, tenha sido por causa de seus hormônios de adolescente. Mas, não importava; o calor de seu corpo se esvaiu assim que ela saiu de cena.

Em seguida, as luzes mudaram novamente e o mágico foi anunciado. Entrou cheio de mistério, com o rufar de tambores. Fez vários truques com sua bela assistente, que era a mesma bailarina do ato anterior. André estava tão envolvido com o espetáculo que se esqueceu de seu ferimento. Quando a apresentação estava chegando ao fim, o mágico disse:

-Agora, para meu último truque, minha linda assistente vai escolher alguém da platéia.

As crianças e até mesmo alguns adultos pediam para serem escolhidos, mas a assistente caminhou com os olhos fixos em André, parando em sua frente e estendendo a mão com um belo sorriso. “Nossa, que sorte!”, ele pensou enquanto caminhava até o picadeiro “É minha chance de pedir o número do telefone dela.” A mão da assistente era fria, mas ele não percebeu e, quando pararam entre duas caixas grandes, observou o corte na mão. Estava sem sangue algum, apenas com uma aparência arroxeada ao redor, como se tivesse sido sugado.

-Como você se chama, jovem? –o mágico perguntou.

-André.

-André, entre nessa caixa, por favor.

A assistente o levou até a caixa e o fechou. Em seguida, entrou na outra e o mágico as girou, disse palavras para o encantamento funcionar e, em seguida as duas se abriram. Todos se surpreenderam. Os dois haviam trocado de lugar. O jovem saiu do lugar onde estava a assistente e sorriu para o mágico, voltando ao seu lugar. A assistente segurou a mão do mágico, se exibiu para a platéia e se retirou. Todos estavam encantados com o truque mas, se alguém tivesse visto o jovem André há alguns minutos, veria que agora não havia mais corte em sua mão e sua expressão era totalmente artificial.

O suor descia por seu rosto e molhava seu cabelo, fazendo-o grudar na testa. Como podia estar preso daquela forma naquele lugar horrível e malcheiroso? Há poucos minutos estava no circo com muitas pessoas ao redor. Não podia gritar por causa da mordaça, mas de certa forma agradecia; o cheiro podia piorar se estivesse com os lábios livres. Estava escuro, havia somente um pouco de luz vindo do que parecia ser o buraco de uma maçaneta acima. Ouvia o som do espetáculo que se encerrava. Tentou se soltar, mas as cordas estavam muito apertadas. Lembrou dos olhos do palhaço e estremeceu com as lembranças atuais se misturando às de sua infância. Com o tempo, desistiu de lutar e apenas esperou. Chegou um momento em que achou que o soltariam, que estava ali apenas para não estragar o truque que o mágico fez, seja lá qual tenha sido. Agora, o corte em sua mão ardia de uma forma desconfortável e o sangue voltara a escorrer.

Não sabia mais há quanto tempo estava preso, seus braços e pernas adormeceram. Os sons do circo diminuíram lentamente e André estava cansado, sonolento. E quando estava prestes a se entregar à sonolência, sons o despertaram e a luz do alçapão que se abriu o deixou cego por alguns segundos.

-Ora, ora. Não vai dormir quando o melhor do show está para começar, vai? –uma voz feminina se aproximava e sua mordaça foi arrancada.

-Quem é você?

-Abra os olhos, André. Sou a mulher a quem você estava paquerando. Acha que não percebi seus olhares maliciosos? Responda. Ainda me acha atraente?

A visão de André acostumou-se com a luz e ele se desesperou com a criatura que estava em sua frente. Sem pelos, olhos azuis leitosos como de cegos, dedos longos que seguravam uma lâmina que reluzia sob a luz fraca.

-Meu deus! O-o que você quer? O que você é?

-Você merece saber, tenho que cumprir seu último pedido. Você é nosso alimento. Não pense que o escolhemos por algum motivo especial, mas você ocupou o lugar destinado a quem devemos nos alimentar. Alguns se espantam ao ver o sangue secar bem diante dos olhos mas, a maioria acha que não é nada demais. E, agora que ele provou seu sangue, você o alimentará. E, é claro, a nós também.

André estava atônito, não acreditava no que via e ouvia. Sua situação piorou quando o palhaço e o mágico entraram naquele espaço minúsculo. Não conseguiu desviar os olhos do palhaço, ficou paralisado de medo. Seu rosto se tornou ainda mais horrendo com a maquiagem que devia trazer alegria às crianças. Em segundos, o soltaram e o imobilizaram em cima de algo que não era nada confortável. André olhou para o lado. Abaixo de seu rosto repousava um corpo frio e duro com algo transpassando o peito. As lágrimas, à esse ponto, já se misturavam ao suor e molhavam a roupa do cadáver abaixo dele. Os três monstros que o seguravam cravaram a lâmina em sua barriga e seus dentes pontiagudos rasgavam a carne. André gritou. Era a única coisa que podia fazer.

Fim.

Tema: palhaços (aliás, eu os odeio)

Aureus Mortem
Enviado por Aureus Mortem em 01/04/2015
Reeditado em 01/04/2015
Código do texto: T5191413
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