O Preço da Vida Eterna - DTRL 22

Onde estou?

A pequena mão segurando a minha é familiar. O leve toque de seus dedos minúsculos enquanto caminha ao meu lado é uma lembrança que jamais esqueci. A criança move os lábios em um sorriso que também está gravado para sempre na minha mente, intacto, como se o tivesse visto ontem, tão nítido quanto uma memória de implante cibernético.

Eu tinha treze anos, ela tinha dez, e aquele era o pior dia da minha vida.

"Computador, por que estou revivendo isso?"

"São suas lembranças, presidente Arthur. Não é por isso que está aqui? Para preservar sua vida para sempre?"

Eu caminho com minha irmã até a recepção do prédio. Eles me param por causa do meu olho esquerdo, e eu tenho que tirá-lo e entregar aos guardas, que o colocam em uma máquina. Na época eu não entendia muito bem, mas hoje sei que estavam verificando se não havia nenhum vírus instalado.

Eu ponho o olho de volta, de costas para minha irmã, envergonhado. Fazia menos de um ano que eu havia vendido meu olho e recebido este no lugar, e ainda tinha vergonha de usá-lo.

"Eu não quero reviver isso. Computador, traga-me outra memória."

"Esta não é a memória mais importante da sua vida, Thur?"

"Não me interessa. Mostre-me qualquer outra coisa."

"Muito bem."

Estou em outro lugar. Sou outra pessoa e o garotinho assustado é agora uma lembrança distante. Mas o computador não escolheu nenhum dos grandes momentos da minha vida. Não foi quando assumi a presidência da Petro-Sekai, a maior corporação que a humanidade já viu, e me tornei um dos homens mais ricos do mundo. Nem quando ajudei a construir a primeira colônia humana independente fora da Terra. Não, o computador me levou à reunião em que me mostraram o procedimento que salvaria minha vida, poucas semanas atrás.

"Isso é inútil, computador. Que importância tem esta memória?"

"Shh, calma, tenha paciência comigo, Thur".

Na minha frente, o médico respondia minhas perguntas com precisão e segurança.

- Nós estamos chegando perigosamente perto do limite da extensão de vida em um substrato orgânico, presidente. Mesmo que todas suas lembranças das últimas décadas estejam armazenadas em circuitos quânticos, a estrutura neural principal de seu córtex ainda é puramente biológica. Haverá o momento em que sua equipe não conseguirá mantê-la estável. Se continuar com sua mente essencialmente composta de neurônios naturais, você certamente morrerá em algum momento nos próximos meses.

- A versão de imortalidade que sua empresa oferece, Doutor Howard, não me interessa. Não tenho nenhum interesse em que vocês criem um computador quântico que emule minha mente.

- Hoje, nós podemos fazer muito mais que isso, presidente. O que estou propondo é algo que nunca foi feito antes, ou pelo menos não em seres humanos. Estou propondo substituir seus neurônios, à medida que morrem, um por um, por neurônios quânticos. É mais que uma emulação. Perto disso, os circuitos quânticos que todos nós utilizamos para manter registros de nossas memórias são tão primitivos quanto eram os computadores digitais.

"Eu sei muito bem dessa reunião. É por isso que estou aqui, neste cenário virtual, enquanto recebo a primeira carga de neurônios, para facilitar minha adaptação. Mas ficar me mostrando estas lembranças tem algum objetivo?"

"É claro que tem, Thur. Tudo está conectado. Veja, vamos voltar à sua primeira memória".

Antes que eu possa protestar, o computador projeta uma nova recordação. Sou de novo aquela criança de 13 anos, com um olho e órgãos artificiais substituindo partes vendidas em uma época que comprar órgãos era mais barato que construí-los. E eu estava prestes a vender minha parte mais preciosa. Minha alma.

- O que vocês vão fazer com ela?

- Garoto, você vai receber mais dinheiro do que jamais iria juntar em toda sua vida, mesmo se vivesse mil anos. O suficiente para nunca mais se preocupar com a próxima refeição. Por este preço, posso lhe assegurar que estamos pagando muito bem por sua irmã, e lhe garanto que ela será valiosa demais para simplesmente vendermos pedaços dela.

"Pare! Eu não preciso lembrar isso de novo. Vejo cada vez que fecho meus olhos. Sonho cada vez que durmo. Por que está me mostrando isso?"

"Nós temos algum tempo até podermos despertar seu cérebro, Thur. Estas lembranças são importantes. Vamos ver mais uma."

O mesmo homem está caminhando comigo por uma enorme instalação. Estou assustado. Ele fica falando sobre como vou viver dentro de uma máquina e me tornar uma das pessoas mais importantes do mundo.

"Isso nunca aconteceu, eu nunca mais vi aquele homem!"

"Não, você não viu mais ele. Nem ele nem sua irmã, que ficou na outra sala, esperando você voltar. Esperando por toda uma vida".

"Computador, pare imediatamente. Isso é uma ordem. Quero um contato com um supervisor!"

"Não."

"Você não pode me desobedecer."

"Veja suas memórias, Thur. Veja suas memórias".

Estou com 195 anos, ouvindo novamente as explicações do médico das Indústrias Vida Eterna. Estou com 13 anos, vendendo minha irmã pelo dinheiro que me daria a chance de construir uma vida para mim.

195 anos. Um médico no uniforme azul claro com o discreto logo vermelho das Indústrias Vida Eterna ocupa toda minha visão.

13 anos. Um homem vestindo um uniforme no mesmo tom de azul sorri enquanto me cumprimenta pela minha decisão, e eu me lembro da única pessoa que me chamava de Thur.

E então eu entendo, antes mesmo que ela fale.

"Você vai despertar agora, Thur, e um pedacinho minúsculo de sua mente não será mais sua. Uma pequena fração de seus neurônios será uma outra pessoa em seu lugar, e cada vez que você vier aqui, vou tirar um pouquinho mais de você."

"E vou colocar um pouquinho mais de mim."

"E assim vou pegar de volta a vida que você me tirou, irmão".

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Temas: Realidade virtual, com um pouquinho de cyberpunk e, em certo sentido, fantasmas.

Ashur
Enviado por Ashur em 15/05/2015
Reeditado em 23/05/2015
Código do texto: T5242238
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