SANGUE DO GÊMEO - DTRL 23 #Luto#

ANTES

A DISTÂNCIA ENTRE O CÉU E A TERRA PARECE NÃO EXISTIR MAIS, OU TALVEZ O INFERNO TENHA VINDO À TONA. UMA NÉVOA ESCURA COMO FUMAÇA DOMINA O CÉU ONDE DEVERIA SER AZUL. NÃO HÁ SOL, MAS A TERRA ESTÁ QUENTE, AS ÁRVORES QUEIMAM, OS OCEANOS SECARAM DEPOIS DE SANGRAREM PARA O CÉU, E AS PESSOAS SE DESESPERARAM.

HÁ UM CÍRCULO DE CRIATURAS ENCAPUZADAS, NÃO DÁ PARA VER SEUS ROSTOS, NO CENTRO DO CÍRCULO ESTÁ UM DOS GÊMEOS NA RODA DA TORTURA, O POBRE GAROTO TINHA SEUS MEMBROS ESTENDIDOS AO MÁXIMO E ATADOS NAS ESTACAS, SEUS JOELHOS, COTOVELOS E QUADRIS ATRAVESSADOS NO SUPORTE DE MADEIRA, AS CRIATURAS EXALTAM O LÍDER DO GRUPO, QUE RETIRA O SEU CAPUZ, EXIBINDO A FACE DESPROVIDA DE PELOS, E DÁ UM PASSO À FRENTE.

O LÍDER OBSERVOU O RAPAZ POR UM INSTANTE COM UM OLHAR DESDENHOSO E COM CERTEZA IMAGINOU A DOR QUE O OUTRO GÊMEO SENTIRIA.

— LOUVADO SEJA O PRÍNCIPE DAS TREVAS!

OS ENCAPUZADOS SE CURVARAM DIANTE DESSAS PALAVRAS. DOIS DELES AVANÇARAM PARA A RODA E GESTICULARAM PARA QUE SEU LÍDER INICIASSE O RITUAL. CONFORME GIRAVAM A RODA, O CORPO DO JOVEM ERA DESTROÇADO, NÃO RAPIDAMENTE, POIS DESSA FORMA SERIA FÁCIL, O SEGREDO ERA GIRAR LENTAMENTE PARA QUE ELE SENTISSE DOR EXTREMA SEGUNDO POR SEGUNDO.

ELE GRITAVA MUITO, JORROS DE SANGUE, SUOR E LÁGRIMAS POR TODOS OS LADOS.

— SUDORE AC SANGUINE A GEMINUS! SACRIFICIUM VESTRUM, MAGISTRUM. — DISSE O LÍDER.

O SANGUE DO GÊMEO ESCORRERA PARA O CÁLICE DE OURO, O LÍDER O PEGOU E O ERGUEU SOBRE AS CABEÇAS DOS ENCAPUZADOS, QUE SAUDARAM. UM BRINDE A ELE. O LÍDER OLHOU EM VOLTA, SORRIU PARA O CORPO DESMEMBRADO E TOMOU TODO O SEU SANGUE.

...

1

Eu acordei de um daqueles sonhos em que nada faz sentido, para começar eu não sabia se era eu ou Ben na roda da tortura, mas mesmo assim meu coração já estava descompassado o bastante. Meus lençóis ficaram encharcados de suor, o dia ainda não amanheceu.

Tropecei em algumas coisas e apalpei a parede até encontrar o interruptor, acendi a luz e dei de cara com a bagunça, uma cueca no trinco, roupas sujas pelo chão, uma calça cobrindo a tela do computador e muitas outras coisas espalhadas pelo meu quarto, que mais parece um chiqueiro. Deve ser por isso que ninguém vem aqui.

Minha barriga se revirou.

— Calma minha amiga, vou ver o que tem para comer. — Apalpei-a.

Fui à cozinha, e na dispensa escassa encontrei café, comecei a prepará-lo quando lembrei que ainda havia comida japonesa na geladeira, peguei, liguei o aparelho de micro-ondas e fui tomar banho enquanto meu prematuro café-da-manhã esquentava.

Morar sozinho tem seus benefícios, como por exemplo, andar de qualquer jeito pela casa toda sem medo de que alguém te pegue no flagra, vivo mais de cuecas do que com roupa.

Debaixo do chuveiro, o sonho que tive retornou à minha cabeça, era um cenário pós-apocalíptico, o calor predominava e não havia sol e o pior: era Eu ou o meu Irmão que estava naquela roda?

Há um sentimento de perda insistindo em me perturbar.

Após o banho tirei a comida do fogo e terminei de fazer o café. Comi sem vontade e voltei para o quarto. Já devia ser cinco horas da manhã, o dia já estava amanhecendo, sentei na cama, vesti uma calça jeans e procurei meu celular no meio daquele entulho.

Na agenda, procurei por Benjamim.

— Oi aqui é o Ben, não posso atender neste momento, deixe seu recado após o bip ou ligue mais tarde. Bip... —Era sua voz.

— Ben, por favor, me liga assim que ouvir este recado.

O que é que eu estou fazendo? São cinco horas da manhã, Benjamim nem sonha em acordar tão cedo.

— Acalme-se Carl! — Falei comigo mesmo.

Com essa perturbação eu não ia conseguir dormir, então até o relógio marcar oito horas da manhã, eu continuei ligando para Benjamim, deixei incontáveis recados na caixa-postal, mas ele não me retornou. Então às oito horas eu tive que ir trabalhar, estava com a cabeça cheia, mas fui.

Até as onze horas da manhã, quase não havia uma alma viva na biblioteca, além dos funcionários, apenas um rapaz procurava por livros na seção de Ocultismo e professores zanzavam pelos corredores, nada mais.

— Carl e Dan, vocês podem ir almoçar agora, eu e o Mike iremos quando vocês voltarem. — Disse Clarke o meu colega de balcão.

Como de costume fui ao Ticktack (restaurante da terceira esquina) com o Dan, pedimos salada, hambúrgueres, batatas-fritas e refrigerante.

Não larguei o celular desde que saí para o almoço.

— Hein cara? O que você acha? — Dan me cutucou.

— Acho de quê? — Tirei os olhos do celular.

— Charlton, você não ouviu uma palavra do que eu falei até aqui, é algum problema com o riquinho, eu sei. — Adivinhou.

(Riquinho = Benjamim)

— Não é um problema, eu só estou preocupado. Tive um pesadelo estranho e fiquei com essa sensação esquisita. Preciso vê-lo, já que ele não me atende. — Contei.

— Não me parece uma boa ideia, mas se sairmos mais cedo, você pode vê-lo o quanto antes. Só espero que não seja como da última vez. — Pensou alto.

— Nem eu. — Realmente, nem eu.

A garçonete trouxe nossa comida, enquanto eu pensava na última visita que fiz ao meu irmão. Aquele com quem dividi uma placenta.

..........

A última visita que fiz a Benjamim:

(Sete meses atrás)

— O que diabos você quer? — Disse-me ele.

— Eu vim conversar com você.

— Sobre o quê? Você sabe que não tem conversa.

— Você não pode me perdoar? Eu não fiz de propósito.

Benjamim se aproximou, pensei que ele estivesse me perdoando e me daria um abraço, na verdade recebi um soco.

— Não fala comigo nunca mais! Você os matou. Você é um assassino. Assassino! Você não pode ser meu irmão, eu não mataria ninguém.

Suas palavras foram como um golpe, ou pior. Voltei para a casa com uma dor terrível, não era pelo soco, mas sim pela dor que certas palavras causam, elas têm um poder imenso. Chorei por dias e não consegui dormir direito, tendo pesadelos com o acidente e acordando com a palavra mágica na minha cabeça: ASSASSINO!

...............

É claro, nós nos comunicamos muito raramente, mas nunca houve um pedido oficial de desculpas, as palavras que ele disse não foram apagadas, mas eu consegui ignorá-las. Não tive culpa.

Tentei uma última vez.

— Oi aqui é o Ben, não posso atender neste momento, deixe seu recado após o bip ou ligue mais tarde. Bip...

Desliguei, eu queria ouvi-lo e queria dizer, também, que eu o visitaria ainda hoje, mas ele arranjaria um jeito de se escafeder de casa para não me receber.

— Me traz a conta! — gritou Dan.

Voltamos para a biblioteca, passei a tarde inteira sensível à toa. Um aperto, um vazio, uma culpa e a vontade de mandar tudo isso para longe.

Às cinco horas fechamos o prédio. Não liguei mais para Ben, peguei uma carona com Mike, que mora três quarteirões antes do meu irmão e de lá segui a pé, pensando nas coisas que ele me disse e tentando evitar certas emoções.

Condomínio Stars - Apartamento dezessete – Segunda colina/ Cidade Alta.

O porteiro me deixou entrar. Em frente ao apartamento de Ben respirei fundo, então toquei a campainha, ele já devia ter vindo da faculdade, toquei novamente. Apenas silêncio, não era a recepção que eu esperava.

Voltei à entrada e o porteiro disse que ele já havia chegado há bastante tempo, retornei à sua porta e tentei novamente, nenhuma resposta, então desisti e peguei um táxi até o campus da universidade. Encontrei alguns de seus amigos e, mesmo eles me odiando, disseram que não o viam há dois dias.

Liguei novamente, nenhuma resposta.

Comecei a sentir medo, já suava frio quando peguei outro táxi de volta ao seu condomínio, o porteiro permitiu que eu esperasse em sua porta, mas horas se passaram, a noite caiu e nenhum sinal. Foi quando pensei em entrar, ao girar a maçaneta fiquei surpreso por ela não estar trancada, então entrei.

Mais silêncio e escuridão, o único barulho ali vinha do banheiro, gotas caindo no chão lentamente, eu segui para lá pisando em ovos. O pequeno cômodo estava iluminado pela meia luz de uma lâmpada estourada que oscilava, na banheira estava meu pai, um estilhaço ainda no pescoço, rios de sangue escorreram por todo o corpo até tornar a água vermelha, tinha um braço para fora da banheira, gotas de sangue escorriam por ele também.

— Não! — Gritei.

Saí dali correndo e acendendo as luzes do cômodo, foi quando me deparei com símbolos por todos os lados nas paredes, no teto, símbolos negros e símbolos de sangue. Continuei a gritar, o mais alto que pude, mas ninguém pareceu ouvir.

...

2

Então senti uma mão em meu ombro e o grito cessou, pisquei várias vezes para entender o que havia acontecido, mas foi em vão. Não entendia, estava sentado na sala de espera da delegacia da cidade, teria sonhado outra vez?

— O que há com você Charlton? — Disse uma voz familiar.

Ergui o olhar e vi que era Dan quem tocava meu ombro, continuei sem entender o que estava acontecendo. Estaria sonhando de novo?

— Encontraram Benjamim? O que estou fazendo numa delegacia? — Perguntei atônito.

— Ben? Quem é Ben? E você é quem deveria responder aos tiras por qual motivo arrombou aquele apartamento...

Olhei em volta, assustado. Onde estaria Benjamim?

— Não se faça de louco, droga! Eu só quero saber o que aconteceu com meu irmão. Por que ninguém fala do meu irmão? Ben, Benjamim, meu irmão gêmeo, onde ele está agora?! — Estou surtando, gritando demais e chorando o dobro.

Dois policiais se aproximaram.

— Quer calar essa maldita boca? Estou começando a achar que você tem problemas. — Um deles diz e faz gestos insinuando que sou louco.

Me levantei instantaneamente e disferi um soco em sua face. Logo isso acabou chamando a atenção de todos ali e mais policiais se ergueram para me conter.

— Eu quero ver o meu irmão! Ben, onde está o Ben?! Por que vocês estão loucos? Ben! Mandem uma equipe de busca, já faz mais de vinte e quatro horas...

Alguém me socou com força e fui obrigado a me calar.

— Qual o problema do seu amigo? Ele cheirou pó? — Um deles pergunta ao Dan.

Ele tem uma expressão no rosto de como se não soubesse quem eu sou, então dá de ombros. Um tanto faz.

Comecei a me debater até conseguir um pequeno espaço e tentar me lançar sobre Dan.

— Seu imbecil! Fale para eles, fale do meu irmão. Eu preciso encontrar o meu irmão! Por que está fazendo isso comigo Dan? — Chorei. — Por que não me diz onde Ben está?

Uma picada fere meu braço e minha mente é dominada por névoas, logo a escuridão me domina e não estou mais aqui.

...

3

Quando voltei à vida e a escuridão pouco a pouco regrediu, uma luz forte me ofuscava. A segunda reação foi péssima, havia um daqueles tubos que ajuda um paciente a respirar, inicialmente quase sufoquei de tão assustado, mas conforme fui respirando fundo, essa sensação de sufocação diminuiu.

— Ele acordou.

— Chequem os sinais vitais! — Alguém ordenou.

O alvoroço de vozes começou a zumbir nos meus ouvidos, colocaram uma luzinha nos meus olhos e depois de muito tempo me deixaram em paz.

Então mais tarde eis que chegou o psicólogo para me fazer dizer o motivo pelo qual eu estava surtando, mas eu nem sabia onde estava.

— Então Sr. Charlton, não vai me dizer o que o levou a ter aquele surto?

Silêncio.

— Ok. Então eu acho que os enfermeiros vão adorar lhe dar um calmante, não do tipo que acalma, mas do tipo que faz sofrer. — Falou irônico.

— Você não pode fazer isso.

— Ah! Eu posso sim, pode acreditar.

Talvez ele entendesse meus motivos, afinal ele é psicólogo, não é? Os psicólogos, geralmente ajudam, ou te dizem o óbvio, porém de uma forma que te faz enxergar melhor, é como se nossa mente fosse o para-brisa e os psicólogos fossem seus limpadores.

— Eu tenho um irmão gêmeo. — Iniciei.

— É mesmo?

— O Senhor quer ouvir ou não? — Perguntei irritado pela interrupção.

O Dr. Soltou um daqueles risinhos sarcásticos que são capazes de transformar uma freira num atirador profissional. Foi quase isso o que ocorreu comigo.

— Você sabe onde ele está! Me diga, onde está o meu irmão? — Gritei.

Ele arregalou os olhos, mas eu já estava me jogando em cima dele, eu

queria esmagá-lo como um ser atropelado, eu queria triturá-lo, matá-lo, mas tudo que consegui foi arranhar seu rosto e logo alguns enfermeiros me imobilizaram e esperaram uma sentença.

— Choque de insulina, agora! — Gritou.

Não entendi o termo, mas me debati ao máximo enquanto me levavam pelo corredor, no final desse corredor, abriram a porta de uma sala: TRATAMENTO ESPECIAL, dizia uma placa nela.

...

4

— Este é perigoso.

Ouvi alguém dizer, estava sentado e com dores quando abri os olhos e percebi que tinham acabado de me pôr em uma sala azul vazia.

Não havia nada além da cadeira, foi quando eu o vi ali, na minha frente, estava sentado e usava camisa de força, estava pálido e abatido, olhos vermelhos, tentou falar algo, abrimos a boca ao mesmo tempo, mas nos calamos.

— Ben! Oh meu Deus, eu causei um inferno para encontrar você! Por que você sumiu? — Perguntei chorando.

Foi quando a porta foi aberta e um homem entrou, o doutor estava logo atrás, seguido por dois enfermeiros, o homem misterioso que entrou primeiro tinha uma arma engatilhada na mão.

— Não! Por favor, façam o que quiser comigo, mas não matem o Ben...

Enquanto eu chorava com pavor, os quatro ali começaram a rir, suas gargalhadas explodiam no pequeno cômodo como ecos em minha cabeça.

— Seus imbecis, por que não deixam o meu irmão em paz?! — Pergunto novamente, todos se calam.

O homem se aproxima e puxa meu cabelo para trás, com a outra mão aponta a arma em minha testa.

— Seu bastardinho, vai seguir com essa mentira até o momento da sua morte? Aceite a realidade. Você. Não. Tem. Um. Irmão. Gêmeo. Entendeu? — Ele disse num sussurro em meu ouvido.

Olhei para a frente enquanto meu suor se juntava às lágrimas, meu coração se quebrou em mil pedaços quando não encontrei Ben ali na minha frente, ele havia sumido outra vez.

— O que você fez com ele...?

Gritei numa última tentativa, mas um disparo quente ecoou bem ao meu lado.

FIM.

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NOTA

Carl foi diagnosticado com DPM (Distúrbio de Personalidade Múltipla) no KENNEDY MEMORIAL ASYLUM, porém em algum lugar no mundo, o desaparecido que ele procurava, estava perdido na escuridão do mundo da magia negra, mancomunado com espíritos da morte, acreditava que devia ser único, e havia selado um pacto para que Charlton morresse, ele havia dado aos espíritos, o que eles queriam: Sangue do Gêmeo.

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TEMA ESCOLHIDO: PESSOAS DESAPARECIDAS.

OBS: ESSE CONTO FOI UMA ADAPTAÇÃO DO MEU LIVRO "ELE ESTÁ NO MEIO DE NÓS" PUBLICADO PELA EDITORA BOOKESS, QUE LOGO APARECERÁ POR AQUI EM FORMATO DE SÉRIE, ENTÃO NÃO ESTRANHEM AO NOTAR OS MESMOS PERSONAGENS, É BOM SABER A HISTÓRIA TODA. OBRIGADO.

[LEIAM MATT, ESTAMOS CHEGANDO AO FIM DA ÚLTIMA TEMPORADA!]

E N Andrade
Enviado por E N Andrade em 05/07/2015
Reeditado em 20/07/2015
Código do texto: T5299984
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