A CORUJA

O vento emitia um uivo sombrio, próximo a casa abandonada há tempos pela família Silva-Cavalcantti, família tradicional de minha cidade. Lembrança de velhos momentos felizes, outros nem tanto, mas de sobremaneira inesquecíveis.

Caminho despreocupadamente pela rua. O dia foi extremamente atarefado no escritório de redação do Diário Comercial onde trabalho. Depois de cumprir o expediente minha maior diversão é admirar o crepúsculo enquanto a alegria me acomete de sobremaneira ao retorno de meu lar.

Possuo um lado místico bastante aflorado, evidenciado pela quantidade de literatura do gênero que consumo. Sou um religioso sem religião, não acredito em dogmas e em uma crença sistematizada, porém creio que existem mistérios por demais além da terra em que piso.

Como sou solteiro (solteirão, assim sendo sou constantemente cobrado pelos parentes, principalmente minha mãe acerca de um casamento, ser amigado ou um neto), possuo bastante tempo para cultivar os meus gostos e excentricidades. Por exemplo, fiz uma decoração baseada em culturas da antiguidade como a egípcia e babilônica. Comprei uma estátua de gato egípcio para decorar minha sala. Não contente comprei mais 4 réplicas. Também sou fissurado por pirâmides. Acredito que esta forma contenha algum elo entre o homem físico e metafísico.

Um olho de Rá desenhado por mim mesmo na parede da sala decora o ambiente. Meus amigos quando vem me visitar acham exótico, mas não deixo de ver que muitas vezes se assustam com algumas figuras mitológicas em miniatura.

Sem dúvidas, de todos os animais cultuados pelos antigos, o que mais me chama a atenção é a coruja.

Por ser um animal noturno e com um olhar penetrante e de aparência de constante vigília, acabei de apaixonando por este animal.

Sempre enquanto voltava para minha casa próximo a casa dos Silva-Cavalcantti, eu via uma coruja sempre como sentinela próximo aos fundos do velho casarão.

Sempre ficava com seu olhar altivo e vigilante além de emitir seu som característico. Isto me intrigava e queria que aquela coruja fosse minha amiga. Via nela a profusão e a exacerbação da sabedoria. Mais tarde pesquisando, descobri que a coruja além de ser um animal místico pelos sumérios, era um símbolo da deusa grega Athena e, por conseguinte, da filosofia.

O imóvel dos Silva-Cavalcantti tinha fama de ser assombrado na vizinhança. Vários dos vizinhos e desconhecidos transeuntes relatavam fenômenos incomuns. Nunca liguei para essas crendices, embora não arriscasse a querer topar com alguma delas.

Minha vida seguia normalmente: burocrática, tediosa e extremamente comum. Do escritório pra casa e da casa para o escritório. Até que um sábado resolvi quebrar a rotina.

Dois amigos meus da empresa resolveram que na noite deste sábado iríamos para uma casa de shows. Fiquei com certa animação embora tenha sabido que não tocasse o estilo de música que goste, mas era isso ou mofar em casa.

Combinamos no fim do expediente de sexta-feira, tudo estava acertado. Na minha jornada de volta para casa próximo ao casarão, fui dar um olá para minha amiga sentinela.

Inacreditavelmente não a vi, mas ouvi o seu canto. Mas dessa vez não era um canto comum, havia algo de diferente. Enquanto me preparava para dormir, reparei que a coruja não parava de cantar e logo pensei que alguma coisa a estava incomodando. Seria algum cachorro ou algum vadio importunando-a?

Levantei da cama, acendi a luz do quarto. Peguei minha blusa e fui para o local. A velha mansão estava intacta, um vento uivante que parecia um lamento do fundo de uma alma em tormento se fazia perceber naquele ambiente.

Abri o portão, estava caindo um sereno típico de início da madrugada. O casarão estava lá: imóvel e assustador.

Como vi que pela frente seria impossível, fui pelos fundos da casa. O terreno enorme junto com a casa abandonada me davam calafrios, mas criei coragem e atravessei o vão do portão dos fundos.

Até aquele instante escutava o cantar da minha amiga coruja, mas desde que adentrei o terreno seu canto parou, como se algo o tivesse calado. O que será que houve com ele?

Em minhas mãos uma lanterna e um bastão para autodefesa. Cheguei a porta dos fundos do casarão. Meu medo se torna cada vez mais evidente, pois suo frio porém penso, isso não me intimidará, já que estou aqui vou até o fim.

Abro a porta, sai apenas uma corrente de ar frio que quase me joga para trás. O teto refletia a luz vinda da lua que estava cheia aquela noite. No canto direito, um porta livros empoeirado. Na minha frente, aparentemente uma sala, dois candelabros que aparentam ser do início do século passado. Enquanto estava admirado por tanta história estar dentro de um único imóvel e o mesmo estar tão abandonado, dois ratos rapidamente passavam próximos a mim.

Até que uma luz muito forte pode ser notada por mim do lado de fora do casarão. A luz era de um tom alaranjado, mas não parecia em nada com que já tinha observado. Logo sai do local e me dirigi para o terreno. Lá havia um monte de terra e a minha surpresa quando vi minha amiga coruja, mas não estava como sempre fora. Estava tomada por uma luminosidade fora do comum, algo espectral.

Seu olhar altivo permanecia calmo e sereno. Pude olhar para seus olhos enquanto sentia que me perdia dentro de um vácuo infinito.

Senti como puxado por alguma energia desconhecida, a coruja se transfigurava em meio a uma espécie de campo energético.

Enquanto estava envolvido por aquela energia, senti como perdesse os sentidos e tudo ao redor sumiu.

Mais tarde meus olhos se abrem, sinto que não estou em minha cama e sim em terra e mato. O sol de um novo nascer do dia machuca a minha vista e começo a ter consciência que as trevas da noite dão espaço a um novo dia. Sento-me para tomar consciência do que aconteceu nesta madrugada. Minha amiga coruja, onde ela terá ido?

Levanto-me e vejo pelo céu laranjado e belo, aqueles olhos que me sugavam para outra dimensão. Um olhar de um amigo, mas também de um predador. Só sei que sentirei falta de nossos flertes e diálogos como se fossem telepáticos.

Roberto Panoff
Enviado por Roberto Panoff em 05/07/2015
Reeditado em 27/07/2015
Código do texto: T5300752
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