1 - A Colheita!

A lua brilhava como nunca, cheia, como a garrafa de cachaça que eu segurava em minha mão, depois de um dia repleto de "novidades", de situações que eu; mesmo com todas as minhas imperfeições; não desejaria para o meu pior inimigo, decidi caminhar sem rumo e sem destino pela estrada de terra que levava a algum lugar que eu não queria saber qual era, simplesmente queria andar, mas andar muito e em paralelo, beber, mas não queria "só" beber, queria beber até cair.

Logo cedo cheguei à fazenda onde trabalhava e recebi a notícia que devido à seca dos últimos meses, metade dos colhedores de laranja seriam demitidos, "como assim demitidos?", trabalhei praticamente a minha vida toda com isso e eu não sabia fazer outra coisa, "o que seria de mim agora?", assim, cheguei em casa mais cedo, esperando um abraço reconfortante de minha esposa e ao chegar, me surpreendo com uma cena que realmente e sinceramente me deixou com a alma no chão, queria o buraco mais fundo da Terra para me jogar, lá estava ela e meu melhor amigo na nossa cama, completamente nus e totalmente despreocupados, ambos dormindo, depois de evidentemente terem feito tudo que o roteiro permitisse que fizessem..., o choque não me permitiu reagir, então simplesmente decidi ir embora..., se eu pensei em me matar? Mas é claro que sim, só que simplesmente virei às costas e peguei a estrada para a casa de minha mãe, que morava a apenas 2km dali.

Nessa hora só pensei nela e em como eu precisava de seu colo para desabar e desabafar, nada melhor que estar ao lado de alguém que eu tinha certeza que jamais iria me trair..., ao chegar no portão, percebi que havia algo estranho, pois pelo horário era pra ela estar alimentando as cabras que criava na frente de casa, mais estranho ainda, era que elas estavam soltas, berrando, como se também soubessem que alguma coisa muito estranha estava acontecendo. Corri para porta de entrada e logo de cara vejo minha mãe jogada no chão, banhada em um rio de sangue, quando peguei em seus braços percebi, ela já estava gelada, minha mãe estava morta. Não sabia o que fazer, gritei, chorei, fiquei uns 15min ao lado dela tentando entender o que houve, afinal "quem teria feito isso? E porquê?". Foi quando quase sem querer, consegui ler pelo reflexo de um espelho quebrado no chão, uma transcrição no teto da sala e ao olhar para cima, estava escrito com sangue, ao que me pareceu, a palavra "Fuja" que apesar de borrado, o recado era bem claro.

Foi então que peguei a garrafa de cachaça que estava em cima do armário e sai a esmo, nessa altura o relógio já marcava 16h, mas algo me disse para voltar a minha casa e quase que por instinto me vi entrando pela porta da cozinha e indo direto ao quarto, onde a algumas horas, presenciei minha segunda desilusão do dia. E foi quando cheguei no corredor, que percebi que um silêncio fora do normal me acompanhava desde a porta de entrada, “será que ainda estavam dormindo?”, estranhei, mas continuei o percurso sem hesitar, chegando no quarto, os dois traidores estavam na mesma posição, me aproximei bem devagar e para o meu espanto, ambos também estavam mortos, na verdade já deveriam estar quando eu sai, mas fiquei tão cego que não percebi o ocorrido, “o que estava acontecendo?” .

Então quando olhei o teto do quarto, li novamente a palavra “Fuja” ... e foi aí que corri e corri, como jamais havia corrido, naquele momento era só eu, estava sozinho agora ..., a noite foi chegando, mas minha cabeça estava tão cheia de dúvidas e medo que eu nem abri a garrafa, estava intacta, diferente de mim que estava só o bagaço da laranja. Andei mais algumas horas e agora me encontro aqui, olhando para a Lua cheia, tentando ainda entender o que houve.

E foi no auge da meia noite, quando me deitei próximo a uma clareira, esperando que a morte me levasse, que recebi uma visita assustadora, “quem é você?”, foi quando ouvi o nome que mudaria minha vida, “sou a Morte, recebeu o meu recado?”, pensei que se tratava do “Fuja” escrito com sangue e logo respondi que sim, por isso havia fugido e quando eu disse isso, Ela sem rodeio algum respondeu “não estou falando deste recado, mas sim dos outros três”, como assim três? Se Ela não estava falando disso, então..., foi então que eu entendi, Ela estava falando das três mortes, minha esposa, meu melhor amigo e minha mãe.

“Pois bem, acho que agora entendeu não é? Eu precisei fazer isso, primeiro porque é o meu trabalho e segundo porque eu precisava de você”, de mim? Mas porque diabos Ela precisava de mim? Ela tirou tudo que era importante na minha vida, será que chegou minha hora? E como se estivesse lendo a minha mente, Ela respondeu apenas “chegou a sua hora sim, mas não pra eu te levar e sim porque você ficará no meu lugar...”, agora que fiquei mais confuso ainda, eu no lugar da Morte, isso não faz nenhum sentido e Ela continuou, “precisei encontrar alguém que tivesse uma alma pura e ceifar a vida de três pessoas que ela mais amava, agora olhe o seu braço...”, levantei rapidamente a manga da minha blusa e três marcas como se fossem arranhões brilhavam num dourado que eu nunca havia visto, “mas o que é isso?”, afinal, porque eu? E com a aquele tom de voz seco e frio, apenas disse, “agora você está marcado e essas foram as suas três primeiras colheitas, pegue isso e continue o trabalho”, instintivamente levei minha mão a foice, mas antes de iniciar minha vida como Morte, deixei no ar várias perguntas como “quem escreveu a palavra ‘fuja’ no teto de minha casa?”, “porque Ela escolheu justamente a mim, para tomar o seu lugar?” e “pra onde a Morte iria depois de passar o bastão?”, por fim, depois que toquei na foice, minha vida acabou, aliás não só a minha, pois à partir daquele instante eu passaria a colher almas e não mais laranjas como antes.

(Recomendo ler agora os contos "O Ceifeiro" e "Vivendo a Morte", pois irá esclarecer algumas dúvidas)

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Moises Tamasauskas Vantini
Enviado por Moises Tamasauskas Vantini em 09/10/2015
Reeditado em 16/10/2015
Código do texto: T5409472
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