Estrada deserta de sofrimento infinito - DTRL25

Estrada deserta de sofrimento infinito

A cada passo o escuro consome meu rasto. Olho para trás e não enxergo nada. Mal vejo no que estou pisando, sinto meus pés afundarem no solo arenoso, como se pisasse em minúsculas pedras. Estranho é que estou nu e morrendo de frio. A névoa densa flutua quase vinte centímetros acima do chão. O negrume invasor também vem da direita e esquerda, encurralando-me. Parece que ouvi gritos há pouco. Não somente um, mas muitos. Nossa! Agora tenho certeza, escutei novamente. Tenho que apressar meus passos.

É assustador o que vou dizer, acontece que agora mesmo tive a sensação de que, talvez uma pequena mão, tenha arranhando meu calcanhar esquerdo. Não sei bem o que possa ter sido e, quem sabe eu esteja dormindo em algum canto da minha cama, sonhando. Há algo aqui, e isso me assusta.

Olho em direção ao céu, que para minha dura surpresa, percebo, inexiste. O que vejo é tão incompreensível. A imagem refletida de um imenso rio corre sobre minha cabeça, intacto, na direção oposta em que estou caminhando. Isso não é real. A água é negra, e segue um ritmo lento, desrespeitando a lógica. Não me recordo de quase nada antes de chegar aqui. Ouço uma voz que assopra dentro de minha cabeça, revelando que eu tinha um encontro com uma garota mais nova. O nome dela é Daiane. Não, espere, é Cíntia, quero dizer; Carol. Não sei ao certo. Não faz sentido. Está ventando muito forte.

Mais uma vez algo está arranhando minhas canelas, mas agora sinto uma fincada na carne, como o esfolar das unhas de um animal. Isso tentou agarrar-me com mais agressividade, na altura da coxa. No impulso, em resposta a dor, eu puxo a perna para frente escapando do que seja o que for que estiver me agredindo. A dor é excruciante, maior até do que deveria ser. Ouço sussurros, algo que denota um

sofrimento profundo nas vozes. São muitas vozes. O medo insurge de todas as partes, então ensaio uma fuga, e no segundo pique tropeço em alguma pedra e caio de cara, estatelado, afundado na névoa. A dor é terrível.

Enxergo menos ainda que antes. A aflição a que me refiro não é pelo tombo, não por isso, mas sim porque algo perfurou minha barriga, e está doendo muito. Agarrei-me a algum objeto, aparentemente estou sobre um amontado de pedras, talvez cascalho ou pedregulhos, não da pra ter certeza. Sinto os arranhões na pele, eles queimam. Parece até que estou segurando uma bola de boliche.

Levanto-me, erguendo comigo a coisa. Quando vejo do que se trata, largo, na verdade a jogo para longe. Não acredito a princípio, mas fato é que está em minha mão uma cabeça humana, ou melhor, um crânio. Agora, sangro muito e ouço o som de estalos abaixo dos meus pés (ACREDITO QUE ESTOU PISANDO SOBRE UM CEMITÉRIO DE OSSOS). Deus me livre!

A barriga dói muito, o ferimento não é superficial. Estou com medo, acho que vou morrer aqui. Não sei nem onde estou. Uma gota cai em minha testa, escorre por minha face, toca meus lábios.

Com curiosidade minha língua visita o canto da boca e experimenta. É o gosto adocicado de SANGUE. De repente outras chegam, caindo, vermelhas e grossas, encardindo minha pele. Ouço gritos de novo, agora eles vêm do alto. Boiando no rio, cabeças, corpos, membros de mulheres, jovens que em outros tempos deduzo que devem ter sido lindas. Não agora, pois são deformadas e sustentam gritos na garganta, e é de dentro de suas bocas que surge a chuva, estão vomitando sangue. Quero sair daqui. Preciso mesmo chegar a meu encontro com a Susana. Quero dizer; com a Flavinha. Não consigo me decidir. São tantos nomes.

À medida que me apresso, a névoa também aumenta sua velocidade, me forçando a manter a minha. Estou sentindo uma fome enorme, e o ferimento, acho que tem algo nele, vivo. Sinto leves mordiscadas, e um rastejar, está se movendo, se espremendo no interior da carne, como uma lagarta, ou uma lombriga. Parece ter mais de um. Sim, tem mais de um, e está entrando cada vez mais dentro de mim. Deus, como dói. Preciso continuar andando. Dói muito. Agora sim, estou vendo a nascente do rio. devo estar perto da saída. Mas espere. Ele nasce de um abismo, no fim da estrada. A água corre na direção de onde deveria haver um céu, debaixo para cima, fazendo uma curva e indo na direção oposta a minha. As meninas boiam, como se fossem troncos podres, com uma aparência horrenda se agarrando nas águas, e lançando olhares zombeteiros em minha direção, gritando como aborígenes que dançam sob a luz da noite em busca de chuva.

Estou lembrando de alguma coisa. De antes de chegar aqui. A porta foi se abrindo, não, foi arrombada. Homens invadiram meu apartamento. Saquei minha arma. Eles já estavam com as suas em mãos. Não houve tempo para um revide. A bala furou meu estômago.

Tá doendo cada vez mais. Estava em frente ao computador. Era. Era um. Um site. O que é isso? Largue minha perna! Ela tinha 15. Não. Eram. Eram nove. Nove anos. Aiiii, porra, isso dói! Era. Era tão. Tão bon boni bonitinha. Tenho medo. Eu. Elas. Es estão aqui! Eu queria. Queria fod. Foder ela. Tá doendo muito. Está me ar. Arr. Arranh. Arranhando. Me ag... Me agarr. Agarrando. Posso ver, os rostos atrr. Atrás da névv. Atrás da névoa. Estou vendo! Eu conheço elas! Elas quere. Querem fod. Querem foder comigo. Tento corr. Correr. Mas há um. Um abisss. Abiss. Abismo! Soc. Socor. Socorro! É o fim da est. Estrr. Estrada!

Estradas Desertas

Renato Chapéu
Enviado por Renato Chapéu em 25/11/2015
Reeditado em 19/01/2016
Código do texto: T5460587
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