A MALDIÇÃO DA
TERCEIRA PONTE

PARTE I
 
O engenheiro civil Eurico Gasparini é um profissional bem-sucedido. Ele construiu pontes, estádios, ginásios, prédios públicos em geral. Ele não construiu a Muralha da China, mas várias de suas obras servem de cartão postal aqui e acolá. O estado do Espírito Santo está cheio de arquiteturas que se ergueram com suas orientações técnicas.
 
Acumulou considerável fortuna. Aposentado, só restava curtir a vida. Era justamente nisso que ele estava pensando naquela tarde em frente à sua televisão de alta tecnologia, quando interferências nas imagens começaram a acontecer. Não era a primeira vez que isso ocorria. Nenhum aparelho de solda ou carro, sendo exaustivamente acelerado em uma oficina, estava interferindo em sua televisão. TV paga com imagens em HD, às vezes, só uma chuva chegando consegue tal proeza. Ele sabia que não era isso. Resolveu trocar de canal, mesmo sabendo que não iria adiantar nada.
 
Depois de dois minutos, ele esperou, apareceram na sua tela nove operários vestidos a caráter. Com capacetes e roupas grossas, uniformes de companhias de construção civil. Eram os nove de sempre, às vezes com posições trocadas. Observou que o magrinho da direita sempre aparecia à esquerda. O que não mudava era o operário do primeiro plano. Esse pareciaser o chefe do grupo de fantasmas. Um mulato de lábios grossos, olhos brancos moldurados por vermelho sangue, fixos no engenheiro e com voz arroucada, disse o de sempre:
 
Salve a gente, doutor. Salva nós dez. Salve a gente doutor.

Eurico até repetiu a fala, sabia de cor. Era um tormento em sua cabeça. O ar da sala esfriou brutalmente, estava parecendo a câmara fria de um frigorífico. A poltrona em que Eurico estava sentado começou a se mexer, para frente e para trás e depois a rodopiar. e foi ganhando intensidade. A ornamentação passava pelos olhos de Eurico cada vez mais rápida. O engenheiro começou a vomitar o saboroso almoço de três horas atrás, sujando as paredes da sala. Zonzo, ele não se segurou, foi lançado contra a estante e bateu fortemente com a cabeça no chão. Alguns livros caíram de encontro ao seu corpo cansado. Viu com seu olho direito o sangue do supercílio esquerdo gotejar, manchando o carpete. Um grosso livro da Enciclopédia Barsa caiu sobre sua fronte. Desmaiou.
 
Quando acordou, Dona Eulália, sua esposa, estava com um algodão encharcado em álcool próximo ao seu nariz.
 
Parecia que tinha passado um tornado por ali. A secretária da Dona Eulália segurava um pano molhado em água fria umedecendo a testa do engenheiro.
 
Dona Eulália perguntou sobre o que tinha acontecido, já sabendo da resposta.
— Tudo de novo, meu amor. Tudo de novo. Do mesmo jeito que eu sempre te conto. Uma coisa sobrenatural.
 
— Você tomou seu remédio hoje de manhã?
 
— Eu não, quando abri a caixa, não tinha mais nenhum comprimido.
— Como assim? A cartela vem com 20 comprimidos, você só tinha tomado dois.

Olhando na direção da secretária, Eulália questionou:


— Você pegou os comprimidos dele?
 
— Eu não, dona Eulália. A senhora sabe que não mexo nos remédios do doutor.

O fato é que o sumiço de comprimidos antidepressivos de Eurico era uma constante. Dificilmente ele conseguia tomar uma cartela inteira sem que se perdessem alguns, ou a maioria. Chegou ao cúmulo de guardar o medicamento no cofre. Não resolveu. Sempre sumia, ele ficava sem o medica-mento, esquecia de comprar e acabava tendo as alucinações.
 
Nem seu psiquiatra conseguia explicar os fatos. Chegou a pensar que se tratava de um fenômeno paranormal. Então, coisa da alçada de um parapsicólogo.
 
Eurico Gasparini que pensava em curtir com a esposa sua aposentadoria viajando pela Europa, era um homem de antidepressivos, atormentado por algum tipo de maldição.

 

(Segue...)
OUTRAS PARTES DO CONTO
PARTE II
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Cláudio Antonio Mendes
Enviado por Cláudio Antonio Mendes em 10/01/2016
Reeditado em 11/07/2020
Código do texto: T5506785
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