O ÚLTIMO SOPRO DE VIDA

1
 
Ela acordou ainda com os sentidos desnorteados, sem saber onde estava ou ao menos quem era, como alguém que acorda meio assustado de um sono profundo em que houve um pesadelo. Apesar de abrir os olhos meios lacrimejantes, nada pode ver. Estava envolta em uma completa e sinistra escuridão.

Tentou mexer os braços e as pernas no intuito de levantar-se, mas algo a impediu. Agora, já sabendo que se chamava Ana, ela começou a perceber que estava trancafiada em algum local. Madeira, sim, madeira era o que separava o seu corpo do resto da existência.

Ana gritou, pediu socorro. Esticou os braços o mais forte que conseguiu. Ao tocar a parte superior de onde estava ela notou que pequenas nuvens de poeira atingiram sua pele. Ela sentiu uma pequena dor em um dos dedos da mão esquerda, parecia uma queimação na pele, como alguém que toca em uma urtiga.

Ela ficou algum tempo sem querer acreditar naquilo, achou que novamente acordaria, agora de verdade, que despertaria ao lado de seu marido e faria café para ele e seu pequeno filho de sete anos de idade. Fechou os olhos, contudo não conseguiu despertar do real pesadelo. Trancafiada naquela penumbra solitária ela entendeu que havia sido enterrada viva.

 
2
 
O dia havia sido triste e cansativo. Foi difícil para Edgar ir ao funeral da amada esposa Ana. Ela havia falecido no dia anterior. No auge da idade ele não podia acreditar que ela tinha sofrido um ataque fulminante. Era jovem, praticava exercícios físicos frequentemente e não matinha nenhum hábito nocivo à saúde. Como aquilo poderia ter acontecido? Era algo que martelava continuamente na sua consciência.

Os médicos perguntaram se poderiam realizar uma autopsia. Ele disse que não, que o corpo da esposa não merecia ser vilipendiado como se fosse carne em um açougue.

Ainda durante o velório, Edgar se aproximou do caixão, tocou o rosto da esposa de leve. Ela parece estar dormindo, pensou. O corpo de Ana não tinha a gelidez mórbida e deprimente dos cadáveres, mas ele nunca havia tocado em um corpo sem vida antes, portanto não sabia dizer qual a seria a diferença gritante entre ambos.

A urna contendo o corpo de sua amada foi sepultada já no inicio da noite. Ele estava sozinho em casa, o filho tinha ido ficar com os avós maternos naquela noite. Assim que chegou na sua residência Edgar tomou um sonífero, dormindo logo em seguida.

Sonhos inquietantes tomaram conta da sua mente enquanto ele dormia induzido pelos medicamentos. Em um destes sonhos ele viu claramente a figura da esposa gritando o seu nome e lhe dizendo: “amor, ainda sou sua, salve-me, rápido, meu tempo está acabando, estou começando a sufocar”. Ele acordou suado, eram 21 horas. Fazia menos de 3 horas que havia acontecido o sepultamento.

Nem ele mesmo acreditava no que estava fazendo, não raciocinava direito. Entrou no carro e saiu em disparada rumo ao cemitério.

Chegando à entrada ele viu que o lugar estava trancafiado com cadeados. Edgar gritou pedindo por ajuda, mas ninguém respondeu. Sem pensar duas vezes, voltou para o carro e acelerou contra os portões, que cederam parcialmente.

Ele saiu correndo em direção ao túmulo de Ana. Sentia que existia pouco tempo restante. Ao passar por outras sepulturas viu algumas pás largadas em um canto, pegou uma delas e continuou sua batalha contra o tempo.

 
3
 
Ana estava quase sem forças. Respirar estava cada vez mais difícil. Em um último ato de força antes de perder os sentidos ela falou:
— Meu amor, cuide bem do nosso filho, um dia estaremos juntos novamente.

 
4

Edgar, com uma fúria e forças descomunais acabou cavando com incrível rapidez o local onde a esposa havia sido enterrada. Chegou finalmente onde à urna fora depositada, com um golpe forte conseguiu abrir os cantos. Levantou a parte onde estava a cabeça de mulher. A iluminação fraca do local deu um aspecto fantasmagórico ao corpo, mas ele percebeu com facilidade que a mulher não estava na mesma posição em que havia sido sepultada. Ele gritou:

— Ana, acorde, estou aqui, senti que você me chamava, acorde, está tudo bem. O corpo da mulher ainda estava quente. Ele não desistiu. Começou a fazer respiração boca a boca e a chamar pela amada.

Ela acordou novamente. Na sua frente Edgar chorava e ria ao mesmo tempo. Ele havia conseguido salvar a mulher. O som de ambulância podia ser notado à distância.

Ana foi levada ao hospital. Depois de vários exames realizados chegaram à conclusão de que quando ela estava fazendo uma caminhada de rotina teria sido picada no dedo por algum inseto, sendo alérgica ao veneno do mesmo. A picada ocasionou um caso raro de uma síndrome, onde os batimentos cardíacos e sinais vitais são bastante reduzidos, dando a impressão aos mais desatentos de que a pessoa estaria morta.

 

 
Crowvox
Enviado por Crowvox em 19/08/2016
Reeditado em 24/08/2016
Código do texto: T5733446
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