TRÊS DIAS

DE CRISTO, R.P. Três dias. Coletânea de contos e histórias. Edição própria. Ji-Paraná, Rondônia, 2016

TRÊS DIAS

Estamos nos sentindo muito bem eu, meu esposo e minha filha Júlia que tem dois anos desde que chegamos nesta cidade há um mês. A princípio estranhamos um pouco por que nossa casa fica bem retirada da cidade.

Meu esposo conseguiu uma transferência de emprego, ele estava há mais de um ano lutando por essa causa, porque morar em cidade grande não é fácil e já estávamos cansados.

Aqui tudo é muito simples e a cidade é bem pequena. A única empresa grande por aqui é onde ele trabalha.

Em frente de nossa casa passa a rua principal, paralela a um rio que fica a duzentos metros aos fundos de nosso quintal. É um rio consideravelmente grande mas não é fundo, suas pedras são visíveis e a correnteza é forte.

Nos fundos do quintal, saindo da margem e adentrando o rio foi construído um trapiche. Era um lugar perfeito para contemplarmos as belezas que contornavam aquele lugar. A tardes eu e meu esposo pegamos a Julia, os petiscos e lá vamos nós desfrutar daquele lugar maravilhoso.

Júlia ficava bem protegida sentada sobre uma toalha, próxima de nós, brincando com sua boneca inseparável. E assim passamos horas conversando, sem perceber o tempo passar e quando nos damos conta já está no horário de jantarmos.

Um certo dia, como de costume estávamos no trapiche e a noite chegou sem que percebêssemos. De repente ao longe vimos que havia chegado um carro que parou em frente de casa. Pegamos as nossas coisas e saímos depressa para ver quem havia chegado, mas quando estávamos próximos de casa o carro foi embora e não ficamos sabendo quem estava lá.

Meu esposo falou: - Deve ser alguém que está perdido.

E não demos nenhuma importância por aquele acontecido.

Mas na mesma semana, durante a madrugada, o carro novamente estacionou em frente de casa. Acordamos com a luz forte do farol em nossa janela, e a pessoa que estava no carro acelerava com muita violência.

Assustado meu esposo levantou e eu em seguida atrás dele. Descemos até a sala onde fica a porta de entrada, mas não a abrimos. Não foi medo, mas segurança, pois era muito tarde. Percebendo que havia movimentação dentro de casa, o motorista parou de acelerar e o som do carro foi silenciando até que pareceu desligar.

Voltamos para o quarto, saímos até sacada, mas verificamos que não tinha nenhum carro em frente de casa.

Meio atordoado e sem entender, mais uma vez não demos crédito a estranha situação já que ali era a via principal e toda hora passavam carros nos dois sentidos, indo e vindo, supomos ser uma estranha coincidência.

Na noite seguinte, como de costume jantamos, arrumei a Júlia para dormir e aconchegava ela até que pegasse no sono. Assim que percebia que ela estava dormindo ligava a babá eletrônica e ia para o nosso quarto.

No meio da noite acordei com a Júlia chorando, fui até seu quarto, quando cheguei perto do seu berço fiquei atônita.... Pois ela não estava lá!

Acendi a luz às pressas e vi Júlia sentada no tapete do quarto, peguei-a e sai desesperada, por que era impossível que ela descesse sozinha do berço.

Ao chegar em nosso quarto, meu esposo estava deitado de bruços sobre a cama com metade de seu corpo no chão, como se alguém o tivesse arrastado da cama.

Desesperada por ter encontrado Júlia fora do seu berço e encontrando meu esposo naquela posição, comecei a chorar, gritar em pânico.

Ele acordou muito assustado, levantando abraçou a Júlia e eu e me disse:

“- O que está acontecendo? Eu estava tendo um pesadelo horrível”.

Contei a ele o que tinha acontecido com Júlia, e agora ele fora da cama. Chorava sem controle e ele tentava me consolar.

Descemos para a sala acendemos todas as luzes da casa e ficamos sentados no sofá da sala, enquanto conversávamos sobre o acontecido, por um instante o carro que parou outra noite em frente de casa novamente apareceu, e com o farol em luz alta e o motor acelerado.

Meu esposo já furioso com aquilo subiu correndo falando que isso ia acabar por que ele não estava suportando mais. Aos gritos, pegou sua arma e foi até a sacada do quarto, e mais uma vez para sua surpresa, não havia carro em frente de casa.

Ele desceu muito apavorado, e com muito medo subimos para o nosso quarto, nos trancamos e esperamos o dia amanhecer, aquela noite foi muito assustadora.

Tomados pelo cansaço dormimos durante o dia todo, e por isso ele não apareceu em seu trabalho.

Quando a noite começou a se aproximar, já começamos a ficar impacientes. Não ficamos separados por nenhum momento naquele dia, estávamos sempre juntos os três, sempre um ao lado do outro.

Fomos para o nosso quarto, Júlia ficou dormindo conosco, não arriscaríamos deixá-la sozinha em seu quarto.

Com todas as luzes da casa acesas e também em nosso quarto, conseguimos dormir.

Porém no meio da madrugada acordamos assustados. Havia barulhos estranhos que vinham do quarto da Julia, pois escutávamos pela babá eletrônica. Era tudo muito assustador. Parecia que estavam destruindo todo o quarto.

Parava o barulho e se ouvia muito choro, e aquele choro se transformava em grandes gargalhadas, muito apavorante.

Sem saber o que fazer, meu esposo ligou para a polícia e falou a eles que alguém tinha invadido a nossa casa e estava destruindo tudo. Informou também que estávamos trancados em nosso quarto, mas ouvíamos tudo pela baba eletrônica. Não demorou muito para que a polícia chegasse.

Ao chegarem, arrombaram a porta de entrada e foram subindo a escada correndo. Com muita cautela entraram no quarto de Julia. Qual não foi a surpresa de todos quando perceberam que o quarto estava intacto, com tudo em seu devido lugar. Não havia uma só pessoa lá dentro.

Os policiais pareciam em choque e sem entender o que estava acontecendo. Perguntaram se estávamos bem e dissemos que sim, apesar de estarmos envergonhados, mas também sem entender nada daquilo.

Um deles chegou bem perto do meu esposo e disse a ele que não deveria brincar com a polícia, afinal uma hora poderíamos precisar de ajuda e eles não viriam nos socorrer, ainda mais por já terem nosso telefone registrado.

Mas meu esposo disse que não estávamos brincando, ouvimos nitidamente um barulho muito forte, choros e gargalhadas.

Porém os policiais já estavam nervosos e sem paciência, um deles nos perguntou se éramos dependentes químicos, porque o que tínhamos passado por telefone a eles era alucinação.

Mesmo com todas as nossas descrições e explicações não conseguimos convencê-los do que tinha acontecido.

Foram saindo de nossa casa muito bravos conosco.

Mais uma noite de sono perdido.

No dia seguinte meu esposo compareceu em seu trabalho e eu fiquei com a Júlia, mas durante o dia eu sentia muito medo por estar só.

Final da tarde meu esposo chegou em casa, entrou muito abalado e muito entristecido, pois ficou sabendo que aqueles três policias que estiveram em nossa casa morreram carbonizados dentro da viatura onde faziam a ronda na cidade. Enquanto me contava do acontecido ouvimos como se tivesse caído uma grande pedra em nosso quintal. Mais que depressa meu esposo saiu para ver o que tinha caído e simplesmente não viu nada.

Tomado de uma certeza que só ele poderia ter naquele momento, disse para me acalmar que aquela noite seria diferente, pois acreditava que dormiríamos em paz. Ao cair da noite, fizemos como de costume, jantamos e fomos para o quarto, nos trancamos e mais tarde nos aquietamos para dormir.

Meu esposo já estava dormindo e Júlia dormia também ao lado dele, quando entrei no banheiro para tomar banho senti um arrepio dos pés à cabeça, mas me controlei tentando ser forte.

Fiquei aproximadamente dez minutos no banheiro.

Ao sair, fiquei sem fala, estática com meu coração querendo me saltar do peito. Meu esposo estava sendo arrastado de um lado para o outro dentro do quarto e eu sem poder falar fui tentando socorrê-lo. Sem entender como ou por quem senti minhas pernas serem agarradas também e éramos jogados de um lado para outro com muita violência. Por muito tempo estivemos em uma luta com um “ser” que não podíamos ver, mas sentíamos suas mãos fortes nos tocando.

Eu estava acordada, mas não conseguia falar, até que meu esposo foi jogado contra a parede batendo sua cabeça e seu pescoço deslocou e ele não se mexeu mais.

Quando minhas pernas foram soltas senti que elas estavam quebradas.

Com muito esforço consegui me virar, quando olhei em direção a Júlia, vi que ela se levantou da cama, desceu e foi em direção da porta. Era como se alguém estivesse segurando sua mão. Tentei me arrastar, mas não conseguia, era como se algo muito forte me prendesse ali. A porta se abriu e ela saiu do quarto, só ouvi seus gritos, e o barulho dela rolando pelas escadas.

E eu paralisada não pude fazer nada por ela e nem pelo meu marido.

Fiquei imóvel por muito tempo.

Quando findava a madrugada, consegui me arrastar até onde meu esposo estava, mas ele não tinha mais vida.

Muito desesperada, mas finalmente com a voz restabelecida consegui gritar. Pedi por socorro, mas ninguém me ouviu, afinal, nossa casa era longe de vizinhos.

Me arrastei pelo corredor chegando até a escada. Vi Julia morta no pé da escada.

Juntei todas as minhas forças e consegui descer as escadas, fui saindo de casa me arrastando para pedir socorro, quando ouvi o barulho de um carro. Era o carro misterioso, que veio em direção da casa com toda a velocidade batendo e explodindo no impacto, incendiando toda a casa.

Me arrastando, fui até o fundo do quintal e fiquei sentada na cabeceira do trapiche assistindo nossa casa em chamas e tudo se acabando.

Enquanto o dia amanhecia, as pessoas em desespero chegavam de todo lado para prestar socorro, mas era tarde demais tudo estava em chamas.

Logo me encontraram no fundo do quintal, acionaram o corpo de bombeiros e me encaminharam para o hospital.

Quando acordei já tinha se passado vários dias do acontecido, estava sozinha em um quarto e sem saber o que estava acontecendo. Comecei a gritar por socorro, logo o quarto ficou cheio de enfermeiras, pediam para eu ficar calma e por fim me sedaram novamente.

No outro dia comecei a lembrar de tudo que tinha acontecido. Lágrimas começaram a escorrer dos meus olhos incontrolavelmente. Chorei muito, mas agora sabia que tudo tinha acabado, meu esposo, minha filha, e minha casa não existiam mais.

Fiquei por muito tempo sentada em uma cadeira de rodas por causas das pernas quebradas.

Hoje sei que digladiei com o próprio demônio e que tudo o que aconteceu era uma obra diabólica. Mais tarde me contaram que o carro preto que aparecia era de uma pessoa que praticava sacrifícios humanos naquela casa. Existia um porão, o qual nunca tivemos acesso, pois ficava escondido atrás de uma parede falsa, onde tinha o altar do sacrifico. A casa onde morei, era um lugar onde muitas mortes aconteceram, lugar onde foi derramado muito sangue inocente.

Em apenas três dias o meu mundo desmoronou, todos os meus sonhos se findaram naquele fogo, em especial as pessoas que eu mais amava