Três

Era o verso de uma página de caderno. Era naquele verso que ninguém queria escrever. Era sobre aquilo que não deveria ser escrito.

Começou numa tarde ensolarada, parecia tudo bem. Os pássaros cantavam, o sol raiava e o céu estava limpo, o mar estava azul.

Ela era Brida, ele era Raul. Destinados a ficarem juntos, as coisas não iam muito bem. “Eu não consigo mais te amar” dizia Brida. “Eu não consigo parar de te amar” era a única frase que Raul dizia nesses momentos.

Brida gostava do universo, das estrelas, das galáxias que sua mente habitava nas noites frias do inverno. Brida era uma alma perdida. Uma alma que já havia alcançado o nirvana e perambulava pela Terra. Raul era Raul. Não era mais ninguém. Recatado, bonzinho, era até meio Raul demais.

“Batata doce faz bem, sabia Brida?” Dizia Raul.

“A quantos anos luz está Alpha Centauri?” Pensava Brida.

Como arroz e feijão, se completavam. Ela ensinava e aprendia com ele. Ele aprendia com ela. Ambos os pensamentos caminhavam juntos – cada um de sua forma – mas estavam a séculos perdidos na expansão do universo. Se amavam, eram românticos um com o outro, eram um típico – não tão típico – casal apaixonado.

Ele acariciava seus cabelos, ela beijava seu peitoral. Ela gostava de deitar naquele ombro e olhar o teto do seu quarto imaginando que fosse o céu. O seu céu. Se beijavam, como dois amantes. Como se não existisse amanhã. Eles sempre foram assim, desesperados por amor. Vivam dele, viviam por ele, e dele nasceu Edu. Abreviação de Eduardo, o pequeno coração deles. Coração fora do peito como dizia Brida.

Viviam felizes. Mais felizes do que você está imaginando agora.

Raul invadiu a simples casa. Foi fácil. A porta estava apenas encostada. “Que burros, acreditam que estão protegidos por Deus, só pode ser” riu debochadamente. Riu da desordem daquela casa. Flores... velas, incensos? Incensos foram demais para aquela mente insana. Na sua mão havia um pé de cabra.

Em meio a gritos e pedidos de misericórdia, ele não se deixou abalar. Usava o pé de cabra como se estivesse martelando uma parede para pendurar um retrato. Não dava importância a ele, mas ela... ela o deixava com ódio. Um ódio sufocante. Martelou. Martelou mais uma vez. E mais uma. Os gritos pareciam música. Ele estava feliz. Ele sentia prazer, aquele prazer que ela não havia lhe dado naqueles anos passados. Pensou na criança, o tal de Eduardo. Aquele Eduardo... “ela me disse que nosso filho se chamaria Eduardo” pensou. Martelou mais uma vez. Ele já estava morto. Ela ainda não. Mas não importa, ele gostava de martelar. A criança chorava. Não chorava mais. Ele resolveu esse problema.

Terminou.

O sangue escorria em suas mãos. Como um pé de cabra faz tamanho estrago! Estava contente. Ele estava feliz. Muito feliz. O trabalho havia começado, havia sido feito e estava terminado. Ele era Raul. E eles, que já dormiam para sempre, eram finalmente – depois de tanto esperarem – almas livres.