Coelho Branco - DTRL 29

Em uma escura estrada de chão, rodeada por árvores medonhas um coelho corria em desespero a frente de uma pequenina garota de cabelos loiros, sua pressa era notável ao observar seu pequeno corpo felpudo na cor branca trêmulo da cabeça aos pés, suas patas superiores possuíam um relógio de mão pequeno e dourado presas em um aperto firme. Atrás do coelho branco, com seus pés descalços estava uma garota, e enquanto a tórrida chuva caia com toda a força que possuía a menina mantinha-se firme em seus passos, corria com a mesma euforia enquanto seguia a traseira do coelho branco por um lamaçal grudento onde seguiam em desespero, o vestido antes azul celeste agora era encharcado e mesclava-se ao marrom imundo do chão, a menina, em sua perseguição não perdia um movimento sequer do coelho de olhos brancos.

Com seus joelhos doidos de tanto correr ela não conseguia saber por quanto mais tempo conseguiria manter aquele ritmo, porém, a pequenina criatura felpuda subitamente parou em frente a uma enorme construção de tijolos amarelos, como que ouvindo as preces da menina, a imunda ao ver-se parada desgrudou os cabelos de sua testa jogando-os em um movimento nervoso para trás dos ombros franzinos, o coelho branco conversara com um babuíno de longas asas na portaria da construção de tijolos amarelos, ele mostra o relógio para o macaco, e então o portão de ferro fundido se abre com um grito.

A chuva aliviou-se quando os dois entraram pelos portões as pressas, a pequena pausa havia servido para fortalecer os joelhos da menina, e novamente com força ela corria em sua perseguição, o coelho indiferente em nenhum momento haveria de ter mostrado algum indicio de que percebeu a presença de Alice, ao contrario, ele tremia por demasiado e repetia inúmeras vezes o quanto estava atrasado.

Estavam em frente a sete degraus que davam para uma grande porta feita de cerejeiras, o coelho parou de correr, pulou rapidamente até a entrada e bateu três vezes ritmadas na grande porta e então esperou, a menina alisou seu vestido e tentou se esconder, porém antes que pudesse jogar esconder-se em meio aos arbustos dois grandes valetes abriram as portas, o coelho virou-se a encarando num olhar firme, o Valete vermelho falou algo que não pode ser ouvido pela garota sussurrando ao coelho branco, que sorriu, guardou o relógio no bolso do casaco desaparecendo na construção de tijolos amarelos exibindo um sorriso sádico.

A menina até tentou fugir, virou-se em um movimento brusco e gritou correndo em todo seu fôlego, mas os valetes eram espertos, sequer mexeram-se, a menina por si mesma perdeu-se, rompantes de sua visão apareciam, um lugar escuro oscilava em seus olhos, uma ora estava frente a um castelo de tijolos amarelos, e então em outra a um enorme casarão, a garota parou sentindo-se transpirando de pânico, sem entender o que estava acontecendo. O tempo que parou foi o suficiente, os valetes a alcançaram, agarram os braços miúdos de Alice com violência a arrastando para dentro do castelo de tijolos amarelos, e pela primeira vez em toda sua caminhada Alice gritou, criando um alerta gritou na mente dos Valetes.

A garota foi arrastada por corredores escuros deixando uma trilha de lama por eles, foi jogada em um quarto de bonecas que fedia a cigarro, os brinquedos pequenos de porcelana com sorrisos sádicos em seus rostinhos delicados, Alice não sentiu-se bem no meio das bonecas traiçoeiras, algo estava terrivelmente errado, memórias de sua família voltavam a sua cabeça com força total, suas mães Hortência e Eva eram agnósticas e moravam em uma casa de alvenaria muito bonita no interior de Dublin, Alice era a única menina da vila que não estudava na escola católica local, suas mães a educavam em casa mas então mais nada vinha a sua mente, ela já estava perseguindo o coelho e sua mente nublava.

O vestido molhado começava a gelar o corpo da garota, seus lábios rosados atingindo uma coloração azulada, Alice levantou-se e tentou abrir as portas do quarto de bonecas, mas estava presa, todas as portas estavam trancadas. A garota queria desesperadamente chorar enquanto olhava ao redor. Novamente sua visão ondulava, enquanto em um segundo estava rodeada por bonecas de porcelana, em outro segundo era uma garota em meio a loucos fétidos e sujos de um manicômio, Alice não sabia em que acreditar.

— Ela ainda acha que pode ir embora – Era uma das bonecas que falou, umas das grandes de porcelana com cabelos verdadeiros em um castanho claríssimo, a boneca riu baixinho da garota.

— Esses pequenos demônios acham que podem fugir da fúria de Deus. – A boneca era pequena agora, com cabelos ruivos e crespos, sua amiga do lado com uma longa trança loira continuou.

— Pois na bíblia já dizia, o salário do pecado é a morte, Romanos, 6.23. – As ouvindo começou a chorar com pesados soluços despertando a risada das mais de quarenta bonecas na sala, a garota escorou-se na parede sentindo sua esperança escorrer juntamente de seu corpo que ia ao chão.

As bonecas sussurram palavras de ódio por horas entre os devaneios de Alice, após o que pareceu uma eternidade uma grande rainha vermelha rompeu às portas segurando uma agulha enorme em suas mãos gordas, com seus olhos vermelhos de choro a garota rastejou lúcida até a rainha em meio aos seus soluços.

— Por favor tire-me daqui, eu lhe rogo misericórdia! Minhas mães possuem muito dinheiro e podem pagar pela minha saída, deixem-me apenas dar um telefonema. – A rainha vermelha nada demonstrou em seu rosto gelado, anotou algo na prancheta que carregava , virou-se para trás e falou em bom tom com alguém que não conseguia ver.

— Doutor, a prisioneira mostra sinais de delírio e reluta contra as ordens... – a Rainha esperou, nada em resposta foi ouvido pela garota, porém a corpulenta mulher sorriu afirmando com um movimento de sua cabeça, voltou-se para a menina. – Sim senhor... Venha rata imunda, e não tente fugir de mim, será muito pior.

O aviso prévio apenas aumentou o desespero da jovem garota, levantou-se complemente trêmula e esforçou-se para seguir a Rainha vermelha, não pode deixar de reparar que cinco babuínos cercavam as duas. Pararam somente ao chegarem dentro de um consultório médico, Alice aos gritos foi amarrada em uma maca suja com o fedor de podridão, relutando com as amarras de couro foi que o enxergou pela primeira vez, em frente a pequenina menina de cabelos loiros embaraçados estava o Chapeleiro Maluco, mas ele estava estranho, mais diferente que o habitual pois hoje ele não ria, nem mesmo a tocou, isto serviu apenas para apavorar a menina por ainda mais.

O Chapeleiro avançou na direção da maca fétida, segurando um pequeno bisturi devidamente afiado que a névoa que cobria a mente de Alice clareou, o Chapeleiro revelou-se em sua frente um padre, vestido em uma túnica devidamente coberta por uma casula, ao seu lado uma enfermeira gorda com um jaleco vermelho de sangue de outro prisioneiro o seguia. O padre andou até que estava prostrado em frente à Alice.

— “Qui timet Deum, aeque habebit amicitiam eius, quoniam secundum illum erit amicus illius” (Quem teme ao Senhor terá também uma excelente amizade, pois seu amigo lhe será semelhante) – O padre beijou a testa da menina enquanto desenhava uma cruz em sua testa com água benta – Quem vive em pecado pagará com morte, o senhor não terá perdão com aqueles que descreem de sua palavra e vivem para desafiar as leis de Deus, que o Diabo tenha misericórdia de sua alma.

Um pequeno buraco de dois centímetros e meio de diâmetro foi aberto na cabeça da menina enquanto o padre repetia inúmeras vezes que estava libertando sua paciente do demônio, após longas horas a antiga menina que sofria de esquizofrenia jazia jogada na maca imunda, seu corpinho sujo inerte, as suas duas mães adentraram o quarto aos prantos após terem chegados tarde demais. O doutor ainda estava lá, o Padre sorria agora regozijando em deleite, em sua túnica não havia um pingo sequer de sangue, perdido em pensamentos franziu sua testa trancando a porta o prendendo junto ao casal de mulheres.

— Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus nosso Senhor! – O padre enlouquecido sorria, ele gritava em euforia, a enfermeira haveria de aplicar as injeções nas mulheres rapidamente após a bênção. Quando acordaram Eva e Hortência viram um coelho branco.

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Temas: Contos de fadas, fanatismo.

Bianca Todt