Um Pacto

Não era noite de lua vermelha, lua de sangue. Era uma noite comum. Mesmo assim me encontrei com tantos demônios. Eles grunhiam ferozmente; faziam-me propostas. Escravizei ali meus medos e bebi toda coragem que restava em um gole só. Embriaguei-me de desejos confusos. BEBIDA. MÚSICA. LUZES. E pensamentos intrusos começaram a festejar na minha mente. Todos eles eram você. Era o seu olhar; seus olhos pretos; seu sorriso; seu beijo doce; sua voz; seu jeito de andar bêbado; seu mau humor; seu perfume misturado com o cheiro de cigarro. Os demônios queriam minha alma e sussurravam lembranças suas no meu ouvido. Eles sabiam do que eu precisava, por isso jogavam baixo assim. Queriam um pacto: minha alma seria deles, e eu teria de volta meu coração; e o seu seria brinde. Achei justo já que você roubou o meu de mim.

Abandonei a festa na metade, tentaria buscar um pouco de paz. Mas ao tentar retomar meu caminho acelerei demais, fui rápido demais. Tantas curvas o destino me pôs na estrada, que me fizeram perder a direção. Um penhasco me esperava sorrindo. Quando eu quis frear, aí sim eu fui além. Senti o coração bater na garganta e o gosto do seu beijo me adoçou a boca por um instante. Tudo ao meu redor se apagou rapidamente e eu perdi o controle dos meus olhos, que se fecharam, pesados. Não sei por quanto tempo vi tanta escuridão e ouvi tanto silêncio. Despertei porque vários machucados me ardiam na pele, e só quando eu senti a dor eu percebi o barulho de água ao fundo. Eu havia caído às margens de um riacho. Levantei-me. Imundo que eu estava e todo ferido mergulhei ali. A correnteza forte me levou para um pouco mais adiante, quando, então, eu vi sobre as pedras do rio um demônio me encarava com um sorriso de canto de boca. Ele tinha a sua aparência. Ele se aproximou, e eu pude sentir o seu perfume nele. Então me puxou para si e me beijou como só você sabe beijar. Deixei-me envolver e de repente ele mordeu meus lábios, me machucando. Assim foi firmado nosso pacto de sangue, em um beijo.

O mundo girou tão rápido que me pôs tonto. Logo eu estava na mesma festa onde te conheci. O tempo havia voltado. Você me olhou e eu senti meu coração bater. Dessa vez não o entreguei a ti. Agi antes de você: tomei sua mão e a beijei te olhando nos olhos. Senti o seu coração bater também. Eu te sorri. Enfim, me reencontrei e lhe tenho, agora, para mim. Cigarros e cervejas nos faziam companhia. O que antes fora o pontapé para tantas poesias. Sinto-me leve e vazio, como o interior de um balão deve ser, e deixo-me levar pelo destino. Estou sonhando acordado.

Repentinamente, enjoei. Estou bêbado demais, mal posso andar... Procuro seu ombro para me apoiar, mas só a parede fria me segura. Não entendo. Eu estou sozinho. Não há mais música, não há luzes, não há você. Saio sem rumo e sem prumo. Desesperado. Eu só quero você. A escuridão e o silêncio de repente ganham o barulho e a iluminação do trânsito. Olho as horas e a data. Assusto-me. Tomo um táxi e vou embora para casa. E me deparo com várias pessoas na sala de visita. Meus amigos choram; minha família está despedaçada. Alguns comentam sobre mim e eu presto atenção: bêbado e saindo da festa onde te conheci deixei o carro cair no barranco; meu corpo foi levado pela correnteza. Fui encontrado ainda com vida e balbuciando teu nome. Mas ninguém ali sabia quem era você. E agora eu estava ali naquele caixão. Meus lábios mordidos, feridos chamavam atenção. E você nem sequer saberá tudo o que eu fiz por ti, o quanto custou te querer tanto assim. Mas agora dedicarei a eternidade a nós dois, mesmo que seja no inferno...