O sol estava alto, o calor intenso, a brisa convidativa a mais um passeio até o riacho. Mas este era um dia em que todos já tinham ido ao riacho tomar banho, brincar e pescar; agora era hora de trabalhar e de aprender.
     A tribo estava toda em movimento, algumas mulheres faziam cestos, outras cuidavam das crianças, outras preparavam as comidas para a noite. Os homens se ocupavam em fazer ferramentas, em ensinar os meninos como atirar, como a caçar, como a atacar e a se defender, seus cantos de guerra e de morte. As crianças brincavam, outras trabalhavam no plantio e na colheita, outras ajudavam nas tarefas dos adultos. Jaciara não queria trabalhar. Não hoje. Jaciara queria era tomar banho de riacho!
     Jaciara com seus 11 anos já era quase considerada uma índia feita, pois já aguardava o momento de passar pelos rituais de iniciação; sendo assim, para ela já era como se fosse feita, pois era muito sabida e corajosa, Jaciara não temia nada. Ela sabia caçar, sabia pescar, sabia nadar, sabia matar se preciso fosse, pois atirava flechas muito bem, conhecia a mata e o segredo das folhas, sabia caminhar no escuro da floresta sem fazer barulho algum e sem se perder.
Índia esperta, tratou de ver se seus pais estavam bem ocupados com tarefas; para que não a dedurassem, pegou seus irmãos mais novos Rudá e Raoni e os levou consigo para o banho no riacho.
 
     O riacho ficava acerca de quatro quilômetros da tribo, mas para os índios nenhuma distância era grande o bastante que eles não pudessem trilhar. E lá seguiram pelas trilhas até o riacho. No caminho, os curumins brincavam com as aves e os demais animais que encontravam.
     Encontraram um veado já quase chegando no riacho, tentaram acertar nele suas flechas, mas ele escapou. Além de escapar, parecia zombar dos pequenos índios, pois a cada flechada, ressurgia logo mais adiante lhes incitando a mais tentativas vãs com suas flechas.
- Chega, Rudá! Chega, Raoni! Vejam lá adiante!
- O riacho!
E lá foram se atirar, nadar e nadar, rir, pular. Jaciara que era quem mais estava com desejo de tomar banho de riacho, ao chegar bem perto d'água sentiu uma repentina brisa gélida que a fez perder por completo a vontade de entrar na água.
- Vem, Jaciara! Vem! – Gritavam os curumins.
- Eu já vou. Eu já vou.
     Jaciara se lembrara de que ainda não aprendera a linguagem dos espíritos, ainda lhe faltava esse aprendizado. Jaciara sentiu o peso da irresponsabilidade. Será que seria o prenúncio de uma desgraça na tribo? Será que seria uma presença protetora? O que terá sido isso? Somente o vento, será?  
 
     Enquanto isso na tribo, houve um momento em que uma nuvem intensa cobriu o sol e um forte vento gelado envolveu a todos. As mulheres recolheram as crianças para uma única oca, enquanto os homens se reuniram com o Cacique e o Pajé na Opy.
 
     Os curumins se divertiam muito dentro do riacho que nem notaram a drástica diminuição da luz do sol ou de seu calor. Riam e gritavam tão alto que o chamado de Jaciara se tornara tão baixo que era inaudível por eles. Se andassem rápido, poderiam chegar antes da completa tomada da noite sobre a tribo. Jaciara já cansada em chamar e não ser ouvida, entrou na água e pegou os irmãos pelos bracinhos. Rudá chorava e Raoni esbravejava.
- Outro dia eu trago vocês mais cedo! Já está escurecendo. Não sei o que houve, mas o sol foi embora rápido demais! Temos que nos apressar.
 
     Na tribo, a mãe de Jaciara já dera por falta de seus filhos e estava desesperada! Já tinha se atrevido a chamar Ubiratã para dar conta dos filhos, mas esse estava reunido com o Cacique, o Pajé e os demais índios da tribo, logo não a ouviu. Jandira só conseguiu foi levar um sacolejo do índio.
 
     Jaciara colocou um curumim de cada lado, disse para que eles não brincassem na mata, pois era escuro e já tinha perigo à vista. Tinham que caminhar sem fazer barulho e eles tinham que prestar muita atenção, pois a qualquer momento, ela poderia pedir para eles saírem da trilha com ela ou subirem em alguma árvore para se esconderem.
 
- O que temos aqui é o prenúncio de que ronda nossa tribo uma alma antiga e má. Temos que invocar os nossos ancestrais para sabermos como nos livramos dessa maldição. Até o ritual estar completo, nem homem, mulher ou criança sai da oca onde está! Eu, Pajé, posso sair para avisar as mulheres e buscar as ervas de que precisamos para o ritual. Além de mim, o grande Guerreiro Ubirajara, pois por Tupã foi lhe dada a missão de caçar pela tribo. Se preciso for, Ubirajara também sai.
 
     Jaciara caminhava pela trilha cautelosamente, mantinha os curumins bem próximos a ela, a cada passo que dava, Jaciara sentia-se observada. Jaciara sentia em alguns momentos a mesma brisa gélida que sentira à beira do riacho naquela tarde. No meio da mata, a escuridão já dificultava a visão, os animais pareciam estar se comportando de modo estranho, pois ainda não era noite e os animais noturnos já começavam a aparecer. As corujas crocitavam, outras aves ululavam, os morcegos farfalhavam e as onças começavam a urrar. Cada vez que essa brisa gélida envolvia Jaciara, sua coragem era suprimida e em seu lugar imergia uma fraqueza e uma angústia muito grande.
     Caminhavam pela trilha, mas de repente Jaciara sentiu passos vindo na mesma direção, eram passos de gente, então tocou os irmãos conforme o combinado, e os direcionou para fora da trilha. Galhos e folhas secas estalavam como se firmes passos marchassem sobre eles.  Agacharam-se, respiravam bem baixinho e procuravam manter os olhos bem focados na trilha. Jaciara mantinha seus ouvidos atentos. Raoni também procurava ajudar sua irmã observando de onde vinham os passos. Rudá procurava não fazer barulho, mas era impossível controlar o som das batidas de seu coração. Os passos se aproximaram de onde estavam os curumins escondidos, Jaciara sentira a forte brisa gélida envolvê-la, mas logo os passos se distanciaram sem que pudessem ter visto qualquer sombra.
 
     O Pajé colhera as ervas para invocar seus ancestrais e pedir orientação. Todos estavam sentados em um grande círculo dentro da Opy aguardando o momento de iniciar o ritual para o Pajé entrar em transe.
 
     Quando Jaciara e os irmãos deixaram de ouvir as passadas sombrias, Raoni tomou a iniciativa de se levantar e estimular os irmãos a seguir a trilha. Rudá estava muito cansado e tão logo começara a choramingar de sono e de fome. Jaciara o colocara sobre suas costas para seguirem a trilha, e Raoni colhera umas bananas para o irmão que as devorara e dormira em seguida. De repente, Jaciara e Raoni se entreolharam.
- Irmão, a trilha se divide aqui!
- Não me lembro dessa divisão!
- O caminho está diferente!
- E agora?
     A escuridão já tomara de um todo a mata. Os curumins já perceberam que aquilo que nunca viram acontecer estava por vir, coisas que só tinham ouvido nas histórias do Pajé.
     Os curumins decidiram ir pela trilha que imaginaram ser a de onde teriam vindo. Ao percorrerem alguns metros, rasantes de morcegos que farfalhavam às suas costas se deram como um mau agouro; tentaram voltar, mas não encontraram a trilha de onde vieram. Não tinha outro jeito, tinham que continuar por ali mesmo e achar uma saída.
     Caminharam mais um pouco e logo adiante ouviram algo que os animaram, eram vozes conhecidas, eram as vozes de Ubirajara e de seu pai Ubiratã! Trataram de andar em direção às vozes e foram indo de encontro a uma clareira no meio da mata. Alcançaram a clareira, mas deixaram de ouvir as vozes, não encontraram o pai nem o Guerreiro. Tentaram voltar para onde estavam, mas o caminho se fechara, tentaram, ao atravessar a clareira, sair por outro caminho, mas o mato estava muito fechado. De súbito, morcegos deram um rasante pelo meio da clareira. Os irmãos se encolheram ao centro tentando entender o que estava havendo.
     Do meio da escuridão surgiu então o mesmo veado que viram pela tarde na trilha para o riacho. Agora, sem a luz do sol, podiam ver melhor, seus olhos eram vermelhos. O animal parecia ainda bem maior, e tinha um comportamento bem diferente, parecia agressivo, parecia um predador. Andava em volta dos curumins, cheirando-os, encarando-os. Seu olhar penetrava os olhos de cada um tornando-os frágeis e temerosos. Jaciara sentia-se completamente gelada. Parecia que todas as suas forças tinham se extinguido como o calor de seu corpo. Rudá mantinha-se forte. Raoni tremia, tinha seu coração saltando para fora do corpo.
 
     Na tribo, na Opy, muitos batiam palma compassadamente, enquanto alguns batiam no tambor, outros sacudiam os chocalhos em ritmo ritualístico e o Pajé que soltava a fumaça de seu cachimbo sagrado teve, de repente, seu tronco impulsionado para trás e para frente num rápido movimento e sua cabeça sacudiu em movimentos breves. Todos sabiam que agora o Pajé estava em transe. As palmas cessaram, os tambores e os chocalhos também. O Cacique e o Guerreiro Ubirajara foram chamados pelo Pajé juntamente com Ubiratã.
- Nossa tribo é assombrada por Anhangá. Espírito mal e andarilho. Espírito ruim quer vingança por seu banimento. Três curumins foram atraídos pelo Anhangá neste dia.  Anhangá está com nossos três curumins na escuridão da mata fechada. Ele vai enganar a menina e devorar a todos.
- Quem são os três?
- São os filhos de Ubiratã!
Nesse instante, o índio ficou duro. Lembrou-se de Jandira tentando avisá-lo e de sua ignorância. Seus filhos poderiam ter sido salvos. Índio era culpado!
-Índio Pai não se culpe! Índio tinha dever para cumprir.
- O que vamos fazer agora? Onde estão os meus filhos?
-Vamos invocar o espírito Guerreiro mais velho e mais próximo da sua família. Ele vai em busca de seus filhos. Ele vai mostrar como Ubirajara chegará lá.
     Na floresta, Jaciara não sabia o que fazer. Jaciara se lembrou de sua avó que lhe dera o seu nome, olhou para a lua, olhou para o veado e perguntou:
- Quem é você? Revele-se!
     Neste momento o veado de olhos vermelhos transformou-se em um índio forte e ameaçador com rosto cadavérico e assustador. Os irmãos ficaram ainda com mais medo, mesmo que Rudá não demonstrasse, ele temia muito o que estava por vir, pois sabia que não tinha ainda forças suficientes para lutar e defender seus irmãos e sua vida.
- Sou Anhangá!
- O que quer de nós?
- Há muitas luas me baniram dessa tribo. Há muitas luas que se esqueceram de quem eu sou. Há muitas luas que eu espero pelo momento certo!
- Nos deixe em paz! Não temos culpa de nada!
- Mas vocês pagarão pelos erros de seus ancestrais!
- Vou retornar à forma de veado e vocês me levarão à tribo e me colocarão dentro da Opy! Vou devorar o Pajé, o Cacique e o Guerreiro de Tupã! Todos me servirão ou morrerão!
- Isso não! Não posso trair o meu povo! Não posso trair a minha família!
- É isso ou você poderá me dar a vida de seus dois irmãos e eu poderei lhe deixar voltar a sua tribo e a deixarei em paz!
 
     O Pajé então mandou Ubiratã buscar Jandira na oca das mulheres. Ubiratã sentia vergonha pela primeira vez. O Guerreiro trouxera a índia que já vinha chorando em desespero! Ubiratã a abraçou e lhe pediu perdão por sua arrogância. O Pajé lhes chamou a atenção e pediu que se ajoelhassem a sua frente.
     Assoprando a fumaça sobre as cabeças do casal, o Pajé entoava cânticos enquanto os tambores eram tocados e os chocalhos eram chacoalhados ritmicamente. O casal pensava em todos os seus antepassados. E no embalo dos sons, numa rajada de vento que entrou pela Opy, uma grande coruja branca entrou e pousou sobre o ombro de Ubiratã.
     O Pajé então tomou a coruja em sua mão, trazendo-a bem próximo de seus olhos e então olhou para Ubiratã e lhe disse:
- Eis que o espírito Guerreiro de seu avô vem nesta coruja e ele quer salvar seus filhos e a tribo. Foi ele quem salvou a tribo em seu tempo desse mesmo Anhangá que voltou e quer vingança. Ele vai salvar a todos!
     Fazendo sinal para que o casal se levantasse, o Pajé, ainda em transe, levantou-se e seguiu para a porta levando consigo a ave acompanhado por Ubirajara e Ubiratã.
- A coruja vai em seu primeiro voo para localizar os curumins. A coruja volta e guia Guerreiro e pai até os curumins. Matem o veado com três flechas embebidas no sangue da Jurema. Tem que acertar o coração, tem que cortar a cabeça. Corpo tem que ser queimado e a cabeça tem que ser trazida para a Opy.
 
- E então, a menina vai me levar a sua tribo ou vai me dar seus irmãos?
     Jaciara temia e tremia. Não conseguia pensar. O frio que sentia era tão grande que a congelara. Jaciara ouviu de longe o crocitar diferente de uma coruja. Um crocitar que lhe fizera o coração bater e como que por um encanto, como se acordasse, o breve som fizera-a se sentir aquecida e tivera seus pensamentos novamente em sua cabeça. Jaciara procurou pensar em tudo que tivera aprendido até ali em busca de alguma resposta. Pensara muito em sua avó, olhara para a lua como se a chamasse.... Sentia seu coração inflamar como se sua avó falasse através dele.
     Anhangá tornava-se impaciente, usava de sua imagem aterrorizante para forçar Jaciara a se precipitar. Suas intenções estavam muito além do que revelou à índia, ele queria a alma dos curumins inocentes e queria voltar à tribo mais forte para devorar a todos e, quando fosse o tempo, tomar Jaciara por esposa. E assim, fazer sobre a terra uma legião de Anhangás!
     O espírito então sob forma de homem começou a andar em torno de toda a clareira, parecia estar ouvindo algo. Então tomou a forma de veado novamente e entrou pela mata desaparecendo.
 
     A coruja ia voando lentamente à frente do Guerreiro Ubirajara e de Ubiratã mostrando-lhes o caminho. Houve um momento em que a coruja parou de seguir em frente, fez um voo de retorno e pousou no chão. Os índios fizeram o mesmo. Calados aguardaram o próximo movimento da coruja. Minutos se passaram e nada acontecia. Ubiratã fez menção de levantar-se quando Ubirajara o conteve e lhe apontou a direção de onde vinha um som que ainda seus ouvidos não definiam.      Ubirajara manteve a atenção na mata, Ubiratã tentava localizar o som e o movimento que atraíra a atenção do Guerreiro, mas não conseguia, sentia-se gélido, observado, estava com o coração em disparada.
     Neste instante, Ubiratã, agarrou-se a pedra que ganhara de seu pai em sua primeira caça sozinho, agarrou-se, levou-a à testa e lembrou-se desse momento. Somente agora, percebera que esta pedra tinha o formato de uma coruja. Seu coração se aqueceu. Seus ouvidos se apuraram e como se a lua brilhasse mais forte, Ubiratã ouviu as passadas e enxergou o veado em um raio de quatro quilômetros por entre árvores e folhagens. Ubiratã pode ver também os olhos vermelhos do veado e sua tentativa de os farejarem.
- Ubirajara, o Pajé lhe deu ervas?
- Sim, deu.
- Tem mirra?
- Sim, por quê?
- Para que não sejamos farejados, teremos de usá-la. Somente ela disfarçará o nosso cheiro.  
-Vamos, esfregue mirra no seu corpo! - Esfregando em seu próprio corpo, Ubiratã, estava convicto do que fazia.
     Terminado o disfarce, a coruja alçou voou e retomaram a busca silenciosamente. Ubiratã, que agora podia enxergar através da escuridão, localizou o veado a um raio de três metros. Ele estava confuso, sentia a presença do calor dos índios, mas não os definia, não sabia ao certo se eram humanos ou outros animais.
     Ubiratã sinalizou Ubirajara que já estava atento aos sons dos passos do veado; esse preparou as flechas no sangue da Jurema, preparou-se, invocou as forças de Tupã, aguardou o momento próprio. Do meio da mata, surgem os olhos vermelhos e, como num lampejo, sua forma de veado desaparece e eis que surge Anhangá!
- Índios tentaram enganar Anhangá! Mas agora é tarde! Seus filhos já são mortos.
     Ubiratã ergueu seus olhos sobre a cabeça do espírito e pôde ver seus filhos vivos e assustados no meio da clareira.
- Anhangá já foi banido por medir forças com Tupã! Tupã agora ordena que seja extinguido!
     Ubirajara atirou as flechas no peito do espírito que, ao cair, transformou-se, novamente em veado. O Guerreiro cortou-lhe a cabeça, preparou a fogueira e cremou o corpo do animal amaldiçoado. A cabeça foi espetada em sua lança para que fosse levada ao Pajé.
     A coruja que a tudo assistiu, alçou voo novamente direcionando os índios até os curumins. Ubirajara e Ubiratã necessitaram cortar muitos galhos para conseguirem chegar até a clareira onde os curumins estavam presos. Após o reencontro, Jaciara pediu muitas desculpas ao seu pai por ter se afastado da tribo sem permissão e, por isso, ter posto seus irmãos e a todos em um perigo mortal. Ubiratã, agradecido a Tupã e aos ancestrais, só queria abraçar os filhos e retornar com eles à tribo.
     Caminhando pela trilha, Ubiratã tocou o ombro de Ubirajara.
- Ubirajara, depois desta caçada e do salvamento de meus filhos e de nossa tribo, sinto amor por você, irmão! Índio velho nunca sentiu amor por irmão como sente por este irmão agora. Obrigado, irmão! Obrigado, irmão!
- Ubiratã, somos todos filhos de Tupã! Esta noite, se não fosse pelo poder de sua visão de coruja eu não teria conseguido salvar ninguém! Obrigado, irmão. Este índio também ama seu irmão!
     A coruja seguiu seu voo direcionando-os até à tribo por caminho seguro. Ao chegar à Opy, o Pajé ainda se encontrava em transe; as palmas, assim como os tambores e os chocalhos continuavam ritmicamente tocados. Ubirajara entrou na frente com a cabeça do veado espetado na lança, a seguir os curumins, e então Ubiratã com a coruja sobre seu ombro. O Pajé, pediu para pausarem o toque. Ubirajara entregou a cabeça ao Pajé.  
     O Pajé baforou sobre a cabeça do veado, mandou chamar a índia mais velha da tribo.
- Jaguarema, arranque os olhos desta cabeça e me traga. Cozinhe os miolos com farinha e traga também. A cabeça deve ser preenchida com a palha e as ervas secas.
     Logo depois, a índia trouxe os olhos do veado. O Pajé chamou Ubirajara e Ubiratã, ambos se ajoelharam a sua frente, ele ordenou que cada um abrisse a boca e deu a cada índio um olho dizendo:
- Cada olho devorado por um Guerreiro de Tupã dá ao Guerreiro o poder sobre todo espírito da espécie que extinguiu. E, sim, Ubiratã, agora também é Guerreiro de Tupã junto com o seu irmão Ubirajara.
     Terminaram de comer. O Pajé deu permissão para que se levantassem. O toque continuou até que Jaguarema retornasse com a comida e a cabeça do veado.
     O Pajé chamou os Guerreiros e os curumins. Todos se ajoelharam diante dele.
- Agora, todos comem a sabedoria do inimigo. Ele era espírito ruim, mas era milenar. Trazia em si o conhecimento do tempo do surgimento da terra. O que cada um come, não é a maldade, mas sim a sabedoria.
     Todos comeram. O Pajé fez sinal então de que se levantassem. Agora, chamou o Cacique e pediu-lhe que chamasse todas as mulheres e crianças para o càà. Ordenou que todos saíssem da Opy para o càà. Todos tinham que tomar suas posições de rituais. Ubirajara e Ubiratã tinham que estar ao lado do Pajé e do Cacique.
     Quando Jandira avistou seus filhos e seu marido no lugar de Guerreiro de Tupã, teve uma tremenda emoção, mas foi obrigada a contê-la por ordem de seus compromissos.
     O Pajé pausou o toque. Anunciou que Ubiratã era agora também escolhido por Tupã. Ergueu a cabeça do veado e anunciou que seus Guerreiros o tinham extinto e que a tribo estava liberta por toda a eternidade pelo poder de Tupã e pela valentia de seus Guerreiros da assombração de Anhangá. O toque recomeçou. O Cacique pendurou a cabeça do veado na porta da Opy. Todos passaram a noite, sob a luz da Lua, em ritual de agradecimento a Tupã.
Marília Francisco
Enviado por Marília Francisco em 11/01/2017
Código do texto: T5878524
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