O SOM NO CÉU

O dr. Azevedo fazia sua ronda pelo primeiro andar quando se viu paralisado do lado de fora do quarto 115. Ali residia um paciente que dera entrada há poucos dias. Um diagnóstico que ninguém conseguia entender. Família e amigos não compreendiam como tal ocorrido era possível. Um homem saudável, que não aparentava nenhum sintoma de doença mental, simplesmente enlouqueceu.

Após ter entrado no quarto e feito a rotina de investigação, o dr. Azevedo se espantou ao perceber que o paciente estava totalmente normal. Sem resquícios da loucura antes apresentada. De início, contava ocorrências escalafobéticas e afirmava avistar coisas além, e simplesmente, tudo aquilo não existia mais, nenhum vestígio notado diante das técnicas de entrevista psiquiátrica. O médico especialista sabia que não era resultado de efeito medicamentoso. Simplesmente o quadro psiquiátrico do paciente do 115 se normalizou por si só.

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Após quase uma semana de sol intenso, o céu amanheceu escurecido. Ventos brandos assobiavam nas janelas domiciliares. O calor desértico havia acabado, mas ninguém que morasse no Rio de Janeiro era esperançoso quanto ao clima. Havia uma torcida para que o forte calor não retornasse no dia seguinte.

Alex era uma das pessoas que rezavam para que o tempo mudasse. Quando acordou e olhou para o céu através da janela, agradeceu a qualquer que fosse a entidade responsável por aquilo.

Levantou da cama com certa dificuldade devido aos incômodos que tinha nos joelhos. Alex atribuía as dores aos anos de partidas de futebol realizadas em terrenos precários. Porém, nem mesmo as dores assolaram sua felicidade ao que acontecia do lado de fora.

Não demorou muito para que o som de trovoadas ecoasse por toda a cidade. A chuva estava anunciada, talvez uma tempestade. Normalmente, após dias muito acalorados, é esperado que uma pancada d’água caia do firmamento. E para Alex era uma mistura de sentimentos. Ao mesmo tempo em que estava jubiloso por saber que iria chover, que o calor tinha ido embora, ele sentia temor ao ouvir o som retumbante de uma trovoada. Mesmo que parecesse com sintomas de uma síndrome do pânico, jamais fora diagnosticado. Era um medo que não fazia sentido até mesmo para os especialistas.

Preparado para o que estava por vir, Alex saiu de casa para o trabalho munido de roupas longas e um guarda-chuva. O sofrimento devido aos muitos dias de calor fez com que Alex deixasse um pouco de lado o medo por trovões. A sensação de sentir a pele fresca era uma ótima recompensa.

Enquanto Alex estava a caminho do trabalho, em seu carro, os sons dos trovões ficaram ainda mais intensos. Muitas vezes eram estrondos que duravam mais de dez segundos. Um comportamento que Alex nunca vira em trinta e um anos de vida. Quando o céu rugia nessa magnitude, o sentimento de espanto ao desconhecido imperava no corpo de Alex que por alguns momentos se perguntava se realmente eram trovões que estavam emitindo os sons. Era a pior situação possível para quem tinha pavor do fenômeno natural.

O céu estava totalmente coberto por nuvens. Não era possível enxergar além delas. Nem o sol estava visível, mas o que Alex avistou acima de si o deixou perplexo. Enquanto dirigia, notou que algo se movia a cima das nuvens. Não compreendeu o que era, mas seja o que fosse, o assustou. A possibilidade de ser um avião foi descartada devido a forma física e aos movimentos estranhos. Havia algo no firmamento do Rio de Janeiro e Alex não tinha a capacidade de dizer o que era.

A escuridão do céu fazia com que o avistamento do desconhecido se mesclasse a cima das nuvens. Alex se indagou se não estava delirando, pois as formas excêntricas não apareciam pela maior parte do tempo. Poderiam ser alucinações devido ao pavor que já continha por trovões ou reflexos de algo que não se podia ver de onde estava.

Então a situação piorou. Não só os ventos ficaram mais fortes como as supostas trovoadas retumbaram por tempo mais prolongado. Alex pode contar, numa das vezes, mais de vinte segundos de emissão sonora. Em seguida, a estranheza se estendeu quando a sonoridade se modificou. Um trovão era como ouvir o céu proferir um arroto do universo; um som seco e gutural, mas o novo fenômeno acústico ganhou um tom mais metálico. E o mesmo se repetiu algumas vezes.

Sem saber como proceder à situação, Alex estacionou o carro e ganhou a rua pela porta do motorista. Saiu tão apressado e focado que não sentiu os joelhos rangerem de dor. Se sentia conectado àqueles desconhecidos acontecimentos que causavam uma sensação de estranha curiosidade. Querer saber o que estava acontecendo e que sons eram aqueles era o que Alex ansiava. A descoberta do desconhecido é uma das coisas mais recompensadoras que podem existir, mas para ele parecia ir muito além disso.

Como num estado de transe, Alex iniciou uma caminhada, sem jamais abaixar sua visão, em rumo ao que pudesse descobrir. Os sons continuavam, metálicos e prolongados, como que emitidos por um maquinário que nenhum homem jamais construiu em sua história. Quanto a movimentação a cima das nuvens, nada mais se via. A experiência antes vivida não se repetiu. Então, depois de um tempo caminhando com os olhos fixados para cima, Alex ouviu o som mais alto que seus ouvidos poderiam aguentar. Ao menos essa fora a impressão que obtivera. Era difícil compreender o que acontecera. O barulho tinha um aspecto que deveria causar ensurdecimento, mas nada disso aconteceu. Os ouvidos enviaram ao cérebro a informação de que o som era extremamente alto, mas as consequências disso não vieram em seguida. Isso causou uma sensação de confusão mental junto ao espanto do próprio acontecimento.

Alex estava paralisado quando notou que as nuvens a cima de si se movimentaram e se espalharam. Pela primeira vez o céu estava se revelando, mas o que foi visto não era o conhecido e imenso azul claro do dia, e sim, uma desconhecida e estranha estrutura metálica. Do objeto, cabos, como se fossem tentáculos, ricocheteavam o céu carioca e a revelação fez com que Alex permanecesse em seu estado de paralisia.

Atônito com o aparecimento no céu, Alex se encontrava também espantado. Sua mente tentava compreender a estrutura, mas a ela nada se comparava. Sequer podia confirmar se era um objeto ou um ser vivo, pois os supostos cabos que saíam da composição mais se pareciam com membros.

Então, mais uma vez, ouviu-se o som ensurdecedor que, incrivelmente, não afetava os ouvidos. Súbito, Alex agachou-se protegendo os tímpanos, mesmo que não fosse necessário. Olhou em volta e não viu nenhum vidro quebrado, ainda que essa situação fosse a esperada. Em seguida, dois dos cabos-tentáculos desceram da estrutura em direção a Alex, que entorpecido, nem sequer teve o desejo de fugir.

Suspendido pelos cabos, o rapaz foi levado de encontro com o estranho objeto no céu, que revelou uma pequena abertura possuidora de detalhes esquisitos. O que aconteceu dentro da estrutura é um fato desconhecido, pois Alex não conseguia encontrar sentido nas explicações e muito menos descrever o que viu. Mas mesmo que sua mente se mostrasse confusa e embaralhada, seu corpo possuía algumas memórias físicas. Ele sabia que fora conduzido a algum aposento, e que estava deitado numa estrutura que se parecia com metal numa temperatura elevada. O mesmo acontecia com o ambiente que era intensamente quente. Junto a sensação de calor, Alex teve contato com um odor nunca antes sentido em sua vida. Era uma mistura de cheiros que, no final do seu aroma, predominava uma acidez.

Outras lembranças físicas estavam espalhadas em vários pontos de sua anatomia que nunca mais pararam de doer. Algo fora feito com ele. Eram dores por todo o corpo que lembravam, exatamente, os incômodos que sentia nos joelhos.

Ninguém sabia o que acontecera com Alex, que, depois daquele dia, fora encontrado nu, a três quarteirões de sua casa. Também não havia esforços para isso, já que fora diagnosticado em estado de loucura. Mesmo que tentasse se explicar, Alex não conseguia convencer os médicos da clínica psiquiátrica. Seu caso não se parecia com nenhuma outra ocorrência relatada. E não adiantava mentir dizendo que nada tinha acontecido, pois sua mente era assombrada por sonhos estranhos todas as noites e sua visão se confundia com o que estava e não estava de fato lá para os demais.

Alex não conseguia fugir das supostas alucinações. Não sabia quando desmentir, porque tudo que via, para ele, era real. Parecia ter um dom da visão que ninguém mais possuía. Talvez realmente pudesse ver seres que se mesclavam à atmosfera, talvez seus olhos tivessem acesso a uma realidade alternativa, mas o certo era que não havia como comprovar, não só por um teste comprobatório, mas que suas visões passaram a diminuir e seu estado foi retomando ao que parecia ser normal. Um caso que deixaria até o mais especialista em doença mental perplexo.

Os sonhos de Alex foram sumindo junto com os relatos que dizia ter passado e sua visão não capitava mais nenhuma excentricidade. Com o passar dos dias, os acontecimentos pavorosos foram ficando cada vez mais para trás, num longínquo e profundo esquecimento, restando para Alex apenas as dores no corpo e o medo por trovões incompreensível.

RENAN MOTTA
Enviado por RENAN MOTTA em 13/01/2017
Reeditado em 13/01/2017
Código do texto: T5881345
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