INVOCANDO ESPÍRITOS

Vou logo dando uma dica a quem se interessar. É relativamente fácil fabricar um Ouija (ou também conhecido como jogo dos espíritos) de forma caseira. Bastam nada mais que uma cartolina, um pincel atômico e uma boa caligrafia para distribuir o alfabeto na folha. Ah! não podemos nos esquecer também do copo. Afinal é a partir dele que os espíritos vão se comunicar, guiando divertidamente as mãos de quem estiver brincando. Ou melhor, nesse caso não sei bem se posso tratar esse jogo como "brincadeira", afinal ainda não soube definir os acontecimentos do último verão, a primeira e última vez que jogamos aquilo.

Já era final que tarde, quando reunidos na calçada da casa dos meus avós do interior, um dos garotos que brincavam conosco (e devo dizer que somávamos cinco meninos, incluindo meu primo, Tiago), teve a brilhante ideia de reproduzir um jogo que havia visto em um seriado de TV. Quando ele nos contou sobre o que se tratava o jogo e suas poucas, mas estranhas regras, o grupo ansioso por diversão fez tudo parecer incrível e interessante. Afinal, todos ficamos curiosos para experimentar esse tal jogo misterioso que permitiria nos comunicar com espíritos. Mal sabíamos o quão ingênuos estávamos sendo.

Rumamos para a casa dos nossos avós. Fomos pegos por cobaias, meu primo e eu, para encontrar os materiais para o jogo. Tiago subiu as escadas e logo voltou com uma cartolina branca, enrolada de mau jeito embaixo do braço e em uma das mãos um pincel preto. Faltava o copo. Era a minha vez de encontrar no armário algum que não fizesse falta à minha Avó, pelo menos pelo tempo em que estivéssemos usando. Foi fácil. Consegui pegar sem estardalhaço e sorrateiramente saí da cozinha. Do lado de fora, os outros me esperavam.

- Então, acho que estamos prontos, né? - disse Roni, o dono da ideia, com um sorrisinho no rosto.

- Bom acho que sim - disse Tiago, respondendo por nós - Acho melhor irmos logo, precisamos fazer isso antes que escureça.

Todos nós concordamos e seguimos ao nosso destino. O cenário para o jogo, e até então eu não sabia se era necessariamente uma regra, seria o cemitério da cidadezinha, que ficava nos arredores do bairro dos meus avós, à algumas quadras de distância. O dia não era de sol, mas pelas contas ainda tínhamos pelo menos uma hora de claridade. Como era um cemitério pequeno, não tinha nenhum vigilante. Chegamos e entramos facilmente. Nos ajeitamos em volta de uma lápide qualquer e Tiago abriu a cartolina. Roni então tomou o pincel do meu primo e logo transformou a folha em branco em um tabuleiro. Os outros dois garotos, um mais alto, loiro e o outro mais baixinho estavam de olhos estatelados, que era por sinal a única característica que sustentava o fato de serem irmãos. Estavam apreensivos. Todos nós estávamos, afinal! Foi quando, então, Roni anunciou:

- Pronto, agora podemos jogar... - disse de maneira de maneira sombria, de modo a assombrar eu e os outros garotos.

Recitando alguns versos ensaiados, Roni invocou os espíritos em palavras, convidando-os para participar do jogo. Nesse momento, inexplicavelmente, uma brisa forte nos atingiu e nos fez estremecer. Todos nós nos entreolhamos assustados.

- O que foi isso? - disse o garoto mais alto.

- Ora bolas, mas que pergunta idiota! Foram os espíritos, é claro! - exclamou Roni e depois caiu na gargalhada.

- Não sei, não, eim... Isso me pareceu muito estranho - opinou pausadamente Tiago.

Eu só conseguia observar tudo calado. Estava como que paralisado.

- Calem a boba e vamos jogar! Os espíritos estão esperando! - bradou Roni.

Posicionamos os dedos sobre o copo e fizemos a primeira pergunta:

- Tem alguém ai? Sim ou não? - Iniciou Roni.

Depois da pergunta o copo começou a se mexer em direção ao sim escrito no papel. Ficamos todos pasmos!

- Como isso é possível!? - disse o garoto baixote, estatelando ainda mais os olhos.

Continuamos a jogar. Fizemos uma rodada de perguntas, muitas delas idiotas e a cada vez o copo se mexia de forma diferente pelo tabuleiro formando ora palavras, ora se encaminhando somente para o 'sim ou para o 'não'.

- Já chega! - gritou o garoto mais alto. - Está claro que não tem espírito nenhum aqui!

- É verdade! - completei tirando o copo do tabuleiro. - Isso está se mexendo porque algum de vocês está indicando o caminho do copo, é claro! - completei.

- É, para mim também já chega - completou Tiago se posicionando ao meu lado.

- Ah, então vão embora, seus medrosos! - bradou Roni em nossa direção- Eu e os meninos continuaremos brincando. Vou lá em casa pegar outro copo!

Disse e também se levantou se preparando para ir mesmo buscar outro copo. Foi então que os dois irmãos gritaram:

- Eu que não! - disseram juntos.

- De jeito nenhum que continuo brincando disso - completou o mais alto.

- Nem eu! - completou o seu irmão e juntos foram saindo.

Tiago e eu fomos em seguida, deixando Roni para trás. Nas nossas costas ainda ouvimos ele gritar " seus medrosos!" mais uma vez. Seguimos, meu primo e eu, um caminho diferente dos irmãos, rumo a casa dos nossos avós. Não falamos nada pelo caminho, a não ser uma concordância mútua: "que jogo mais idiota", dissemos juntos e sorrimos enquanto caminhávamos rápido.

Quando entramos pelo portão da casa a noite já estava prestes a cair. Escondi o copo por debaixo da blusa para não levantar suspeita se alguém nos visse. Vovô estava distraído na poltrona lendo e nem percebeu quando entramos. A cozinha estava vazia. Fomos juntos até o armário e coloquei o copo exatamente como havia pegado. Assim que demos a volta, um voz nos fez pular de susto.

- Posso saber onde vocês estavam meninos? - Falou vindo da porta dos fundos a nossa avó. - Parecem estranhos, assustados... Devem estar metidos em travessuras! - acusou ela.

- Que nada... - disse Tiago de modo estranho, tentando esconder o nervosismo.

- É, Vozinha, só estávamos brincando na rua, nada demais! - completei com um sorriso tenso.

- Hmmm, sei...

Mal ela havia terminado de dizer essa última palavra de desconfiança e já estávamos correndo pelo corredor rumo às escadas que davam ao nosso quarto, que sempre usávamos nas férias de verão. A partir dali, com a sensação boa de ternos nos livrado da nossa avó descobrir a nossa diabrura de mais cedo, a noite se seguiu tranquila. Já deitados na cama, antes de dormir, ainda conversamos sobre os acontecimentos do dia, meu primo e eu, e rimos bastante sobre o acontecido no cemitério.

Comecei a pegar no sono. A cabeça rodava com as primeiras imagens que surgiam, desconexas sob as pálpebras. Foi então, que prestes a perder a consciência, um barulho vindo do andar debaixo me sobressaltou.

"Droga, o que foi isso?", disse comigo mesmo, me pondo ereto.

Olhei para a cama do lado. Meu primo já dormia, profundamente. Me levantei e saí do quarto em direção as escadas.

"Deve ter sido um sonho? Esse barulho deve ser coisa da minha cabeça...", defini rapidamente.

Já no andar de baixo, a casa parecia em silêncio. Ninguém havia acordado com o tal barulho. "Deve ser algo da minha cabeça mesmo", comecei a me convencer. Acendi a luz da sala e vasculhei rapidamente. Tudo parecia em ordem. Andei pelo corredor escuro, que levava até a cozinha. Subiu-me um calafrio. Senti um medo forte se apoderar de mim. Não sabia explicar. Chegando na cozinha, coloquei a mão na parede, tateando para encontrar o interruptor. A luz se acendeu. Travei. Não foi preciso procurar muito para encontrar a origem do barulho. Na hora me senti empalidecer. Minhas pernas ficaram bambas e comecei a ofegar. O sentimento de medo chegou ao limite, vindo do estômago e chegando até a boca.

Gritei.

O mais alto que consegui.

Não era coisa da minha cabeça. O barulho que tinha ouvido vinha de um copo que havia caído do armário e se estraçalhado no chão da cozinha. O mesmo copo que mais cedo tínhamos usado para falar com os espíritos.