A noiva que saiu do túmulo - R. Santana

     Tabitha Gabiele ia recostada no confortável banco de detrás da limusine. Trajava-se com vestido de noiva trabalhado, de véu, cabelos bem penteados, ostentava na cabeça uma coroa de flores de cristal, brincos cintilantes nas orelhas, sapatos de camurça de salto alto, anel de noiva da Tiffany no dedo anelar direito, buquê nas mãos e rosário entre os dedos, um look perfeito, um look de princesa.
     A limusine rosa de Tabitha saiu de algum lugar de Brotas, destino à Igreja Nosso Senhor do Bonfim, localizada na Sagrada Colina, na cidade de Salvador. A limusine desceu a ladeira dos Galés, trafegou com cuidado a Rua Djalma Dutra até o Largo das Sete Portas, aí, dobrou à esquerda e saiu na avenida J. J. Seabra e segue em frente, pouco tempo depois, chega ao Largo de Aquidabã, dobrou à direita e atingiu o túnel Américo Simas, trafega pela Avenida Frederico Pontes, rumo ao Largo da Calçada, seguiu por ruas e transversais até o Largo dos Mares, saiu na Barão de Cotegipe, depois na Avenida Fernandes da Cunha, de lá, o motorista chega à Praça Irmã Dulce, quando deu início ao final da viagem pela Dendezeiros...

     Enquanto o carro trafegava em ruas e avenidas com paradas obrigatórias, Tabitha refletia sobre os 5 anos de namoro e noivado com Andreas Folic. Conheceram-se no final do curso de medicina da UFBA, depois de diplomados e feitos os cursos de residência médica, noivaram e marcaram a data do casamento e aquele dia seria o dia D.
     Optou por um casamento tradicional e elegante, mas sem exageros nem extravagâncias, não gostava de nada espalhafatoso, a discrição e a sobriedade eram suas marcas. Católica praticante, amiga do bispo e do pároco, obteve autorização pra se casar em outra igreja, de maneira especial, a Igreja Senhor do Bonfim.
     Naquele dia, ela pediu aos pais que lhe esperassem no átrio da igreja até o início do ritual de entrada, queria chegar sozinha: sem os pais, sem padrinhos ou damas de honra de casamento.
     Não trocou uma palavra com o motorista, o pobre do homem tentou ser agradável, mas em vão, pediu-lhe, apenas, que se livrasse do congestionamento o quanto possível, pois o casamento estava marcado para 20 horas e o relógio já passava das 19h30 min, gostaria de assistir a missa de início.

                                                                                          ***


     Vincenzo e Antonella estavam impacientes, pois àquela hora, sua filha ainda não havia chegado. Eles estranharam a demora porque sua filha era disciplinada e exigente com os horários de trabalho e compromissos outros, portanto, atraso por menor que fosse não era normal para Tabitha. Vincenzo não cabia em si de contente, passou a noite de véspera ensaiando como entrar com sua filha até Andréas, por isto, praticou com Antonella todo ritual do casamento, não queria fazer feio perante parentes e amigos.
     Quando a ansiedade e a impaciência tomavam conta dos convidados, da família e do noivo, Tabitha surgiu do nada e mais ansiosa que todos, seus pais correram pra lhe socorrer:
     - Minha filha, vamos!

     Começou o cerimonial: o noivo entrou de braços dados com sua mãe, depois vieram os padrinhos de ambos e as damas de honra. A noiva entrou com o pai. As formalidades exigem que as mulheres entrem pelo lado esquerdo dos homens, exceto a noiva. No altar, o noivo permaneceu do lado esquerdo com os padrinhos e os pais, enquanto isto, a noiva ficou do lado direito com os pais e os padrinhos. Depois que o pai entregou sua filha ao noivo, os pais da noiva e do noivo retornaram à entrada e voltaram depois ao santuário com os casais trocados, ou seja, o pai da noiva de braços dados com a mãe do noivo e vice-versa, no altar, ambos os casais retornaram aos seus lugares de origem e, os noivos se postaram de fronte ao altar, daí o sacerdote iniciou a celebração:

     - Irmãos caríssimos, nos reunimos com alegria na casa do Senhor para participarmos nesta celebração matrimonial de Andreas Folic e Tabitha Gabiele, que neste dia, eles se propõem constituir o seu lar. Este momento, para eles, é de singular importância. Acompanhemo-los com o nosso afeto e amizade e com a nossa oração. Juntamente com eles escutemos a Palavra de Deus. Depois, em união com a Santa Igreja, por Jesus Cristo, Nosso Senhor, nós supliquemos ao Deus Pai que acolha benignamente estes servos, que desejam contrair Matrimônio. O Pai desça sobre estes servos suas bênçãos e os una para sempre...

     Meus amigos e amigas, neste ponto da história, decidimos por conta e risco, encurtar o ritual por dois motivos: primeiro pra que o blablablá não descambe em conversa fiada; depois, a descrição passo a passo do ritual não irá acrescentar para explicação lógica dos fatos, portanto, nada mais prático que registrar, apenas, seu início e fim.

                                                                                               ...


.     .. Nos ritos finais da missa, o sacerdote abençoa os esposos e o povo dizendo:
     - Deus Pai vos conserve unidos no amor, que habite em vós todos, aqui presentes, a paz de Jesus Cristo para sempre.
     - Todos: Amém! – O sacerdote finaliza:
     - E a vós todos, aqui presentes, abençoe Deus Todo-Poderoso, Pai, Filho e... – o sacerdote interrompe a bênção abruptamente:
     - Filha, isso foi o quê? Seu sangue está escorrendo pelo pescoço! – todos os convidados e parentes ficaram estonteados, todos correram para acudir a moça, o pandemônio tomou conta de todos e o tumulto e o medo se misturaram quando Tabitha desapareceu ao tempo que o motorista da limusine de Tabitha, entrava na igreja:
     - Seu Vincenzo, seu Vincenzo, sua filha morreu!
     Mais calmo, o motorista diante de convidados e parentes absortos, falou do acidente que havia ocorrido na Avenida dos Dendezeiros com sua limusine e feito Tabitha vítima fatal. Seu carro tinha sido empurrado por uma Toyota Hilux, Cabine Dupla 2010. O motorista da Hilux, numa ultrapassagem imprudente, empurrou a limusine para o acostamento que após subir num barranco vira duas vezes no asfalto. Tabitha sem cinto de segurança foi a vítima fatal.
     Hoje, o viandante que por ali passa, vai ler a inscrição numa placa de cimento na beira da estrada.
     “Tabitha, a noiva que saiu do túmulo! - *1980 / 2010”

 



Autoria: Rilvan Batista de Santana
Licença: Creative Commons

Membro da Academia de letras de Itabuna

Foto: Google