Yolanda




Do poeta de Electra a triste ária
Teve o dom de salvar da morte certa
De Atenas a muralha milenária.

Milton



Yolanda foi o que podia ser chamado de belzebu em forma de gente. O primeiro sinal foi, quando ao nascer, mordeu a mão do médico, que registrou o fenômeno em seu prontuário.

Ao terceiro dia do nascimento, a menina, que nasceu com tênues pelos ao redor do órgão genital, balbuciava as primeiras palavras, para desespero dos pais. A família trancou a filha a sete chaves. No primeiro mês de nascimento começou a rolar de um lado a outro da cama e engatinhou. Fome insaciável, após sugar todo o leite dos seios da mãe, mordia-os, irritada, pois os primeiros dentes nasceram prematuramente. Já no terceiro mês de vida deu os primeiros passos, derrubando objetos, enfiando dedo nas tomadas. Com menos de cinco meses, foi encontrada sobre o vaso, pernas abertas, acariciando a vagina, despudoradamente. Apesar do crescimento precoce, Yolanda seria uma adulta de estatura baixa, menos de um metro e meio, como será esclarecido adiante.

Os pais estavam desarvorados. Mas ao completar um ano, a garota, que tinha um corpo delineado, aquietou-se. Um fenômeno, que chamava a atenção de quem a visse. Pequenos seios redondos e salientes; coxas torneadas, bumbum avantajado. Um caso digno de estudos científicos, que não foi possível, por conta do receio dos pais. A partir dos sete anos transformou-se, de certa maneira em uma criança normal. Ia à escola regularmente, gostava de chocolates, brincava de boneca... Porém esse bom comportamento iria terminar por volta dos nove anos, quando um certo tio, em visita à irmã, não resistiu aos encantos da garota.
Os pais de Yolanda não poderiam imaginar que um parente próximo ousaria molestar a criança. Mas enganaram-se. De volta à casa, ficaram pasmados com a cena: O tio tombado sobre a cama, sem a cabeça. É isso, caro leitor e caríssima leitora: Yolanda lutou bravamente, para se defender e foi além: Com a navalha do pai e um único golpe no pescoço, a cabeça do tio caiu feito fruta podre no piso do quarto. Cama e piso cobertos de sangue. Mas onde estava a cabeça? Onde estava a garota? Os pais chamaram-na. Não houve resposta. Vasculharam todos os aposentos e nada de encontrar a filha.

A mãe lembrou de não ter averiguado o sótão. Lá estava a garota, segurando a cabeça do tio com uma das mãos, enquanto com a outra, perfurava-lhe os olhos com uma agulha. A mãe foi a primeira a abraçar a filha, seguida do pai. Yolanda soltou a cabeça, que rolou sobre o piso, como num filme de terror.

A polícia foi chamada e as investigações foram iniciadas. Yolanda começou um tratamento psicológico, mas em pouco tempo recebeu alta, sem que o psicólogo diagnosticasse alguma sequela. Não parecia ter ficado traumatizada com o acontecimento. Continuou estudando, tornou-se uma bela moça, compassiva, alegre, comunicativa, mas evitava os adultos. Entre os doze e dezesseis anos, pelo menos três corpos de homens foram encontrados sem as cabeças, nas adjacências da casa da garota, mas as mortes jamais foram esclarecidas. No bairro, muitos desconfiam da jovem.

Só aos dezessete anos deu seu primeiro beijo e se apaixonou por um homem mais velho que ela vinte dois anos e sete meses. Abandonou definitivamente a escola, para se casar. Teve filhos, educados com zelo.

Aos cinquenta e oito anos, Yolanda resolveu dar um novo rumo em sua vida. A pequena estatura era um estorvo. Depois de um ano de terapia, descobriu que o único motivo de ter estacionado em um metro e quarenta e oito de altura, foi resultado de um bloqueio, provocado pelo trágico evento na infância. Descobriu, também, ser portadora do complexo de Electra.


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