O irmão mais novo

— Por quê? – perguntou o escritor para o seu irmão mais novo.

O funcionário público não respondeu. Em vez disso, desceu o martelo com toda a força em cima da mão direita do irmão mais velho.

Outra martelada e mais outra e mais outra.

Quebrou as duas mãos do escritor.

Depois, quebrou os dedos da mão direita – um por um, do polegar até o mínimo.

O funcionário público deu risadas. Saiu sem dizer nada, sem dizer os motivos de praticar tal ato de maldade.

Só uma vez ele disse: “você não serve para nada, você não ganha dinheiro”.

Tudo começou quando Carla tinha oito anos.

Foi com essa idade que ela pariu o escritor.

Ou talvez ele já tivesse nascido com ela.

Carla tratava-o bem e com carinho.

No início, o escritor tinha muita imaginação; mas, ainda não sabia escrever direito. Cometia erros grosseiros de português e nem sabia usar a vírgula da forma correta.

Na medida em que Carla foi estudando e crescendo, o escritor foi evoluindo e até aprendeu o uso da crase.

Quando a garota completou quinze anos, o escritor já criava contos fabulosos, histórias de amor, de mistério, de assassinatos e paixões.

Antes de Carla se formar na faculdade, o escritor decidiu escrever um romance, algo mais complexo, pois pretendia ser um escritor de renome e ganhar dinheiro com direitos autorais.

Carla se formou na faculdade. Prestou concurso público e passou e foi trabalhar na secretaria do governo.

Então veio o segundo filho, o funcionário público.

Já nos primeiros dias, ele não foi muito com a cara do escritor. Achava-o demasiadamente inútil e sem valor.

Reclamava com a mãe que o irmão mais velho só sabia escrever, e mais nada.

Era o funcionário público que tinha de pagar as contas da mãe, economizar dinheiro na poupança e levá-la para passear nos fim de semana.

Sendo sustentada pelo funcionário público, Carla se esqueceu do escritor. Não lhe pedia mais para escrever e criar histórias.

E assim o escritor passou os últimos 30 anos sendo maltratado pelo funcionário público e sem a proteção materna. Sofreu absurdos na mão do irmão mais novo, como ter as mãos quebradas.

Porém, o que mais doeu não foram as marteladas do funcionário público, o que despedaçou o escritor foi ouvir de sua mãe que ele era apenas um “passatempo”.

Então o funcionário público morreu e deixou uma bela pensão para a sua mãe.

Carla contava com 60 anos nesta época.

Decidiu ela que era hora de dar mais atenção para o escritor. Queria que ele escrevesse, que criasse mundos, pessoas, fatos, histórias, livros e contos.

Mas, o escritor se negou. Respondeu que sua imaginação e que seu talento perderam-se com o desprezo da mãe, com as torturas do irmão, com o descaso, e que ele já não tinha mais vontade de escrever, e que seus dedos doíam quando escrevia pelas fraturas causadas pelo martelo do funcionário público.

Carla insistiu. Ela argumentou que não tinha muito que fazer da vida agora que vivia da pensão do funcionário público.

Com pena da mãe, o escritor escreveu, só que sem qualidade, sem amor, sem paixão, escreveu por escrever, acabou mesmo escrevendo para passar o tempo.

Quando Carla sofreu um AVC e ficou incapacitada de ler ou de falar, o escritor decidiu por bem se matar. E assim o fez em um dia de abril.

Batuta Ribeiro
Enviado por Batuta Ribeiro em 13/11/2017
Reeditado em 13/11/2017
Código do texto: T6170977
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