O PECADO MAIOR 
 
         "Há alguns dias ...
     Sabe naqueles dias?... quando a gente acorda com uma paciência infinita? Pois é, foi num desses meus dias que um camarada engravatado me pediu licença de um jeito ... como diria? ham ... veemente para sentar ao meu lado no ônibus. Não puxou assunto sobre o clima, sobre o trânsito ou coisas assim, mas foi, da altura da Praça Roosevelt até perto da Biblioteca Mário de Andrade, fazendo perguntas e gesticulando muito, sempre respondendo a ele mesmo. Não me dava tempo para pensar. E entre gestos, perguntas - dele a mim -, reflexões e respostas - dele a ele -, eu apenas o seguia "fazendo caras e bocas" nas tentativas de entender. Quando terminou a viagem ele, assim como os outros passageiros, desceu e sumiu na multidão enquanto eu, tive que ouvir: - Ei, dona; dona ... final. Se vai voltar pra Pinheiros, vai ter que pagar outra passagem. Vamos então ao monólogo do sujeito fora de si, ou dentro de si; sei lá:
         'Você tem ao menos um segredo?
          Retroceda um pouco a película bem guardada da tua história. Proponho isso supondo desde já positiva tua resposta e mensurável esse segredo.
          Qual o peso que ele tem para você neste momento?
          Tem o pesinho de um pequeno e inconsequente deslize? o peso incômodo de uma fraqueza até certo ponto perdoável? ou o insuportável pesar por uma falta grave?
          Seja como for, se uma leve "mancada", um pecado digno do purgatório ou do inferno, ele - isso é quase certo -, pesa o peso da testemunha imaginária de Sêneca, considerando aqui e agora, os bons parâmetros éticos e morais em que você, quero crer, tenha tido formação.
          Entretanto, conjecturas sociais a parte, considero ser a manutenção desse segredo condição muito superior à guarda de um mero sigilo. E existe por motivos tão somente a você, cabidos. Inconfessáveis, talvez.

                 Contudo, compete à publicidade transformá-lo em pecado mortal numa fração até muito pequena de tempo, posto que decidisse por ela.
         O nosso mestre do Realismo: Machado de Assis, como você deve saber, com toda a propriedade discursiva que lhe é peculiar, afirma em sua primorosa obra Quincas Borba que "o maior pecado, depois do pecado, é a publicação do pecado".
          Muito bem: sabemos que tudo aquilo que faz-se público, torna-se fracionado. Mas não dividido e, menos ainda, diminuído. A fração, nessa situação, pode ter um efeito multiplicador, por vezes arrasador, escandaloso, quando menos, tende a ser denunciativo!
          Daqui volto à questão inicial: "você tem ao menos um segredo?".
          Ora ... deixe-o lá mesmo, pausado no filme onde o tem mantido e suportado até a pouco. Não me fale nada do que possa ser impublicável, por uma simples razão: escancará-lo não mudaria os fatos nem para melhor e nem para pior. E mesmo sob forma de desabafo sobre o competente divã ou diante do sagrado confessionário, tal atitude poderia apenas funcionar como um falso refrigério para a alma.           
               Ao escandalizar, causaria giros descontrolados no ponteiro da balança da justiça. Vai daí que, assistir a uma ilibada reputação ser lançada à somatória do joio, pareceria, para mim, mais um desperdício filantrópico.
          Decida então pela manutenção do segredo. Este é o meu conselho. E lembre-se: antes do juizo final, há juizos mediadores.
          Ou, caso contrário, apreciando a publicidade no sentido perigoso da palavra resolva-se, com todos os riscos, pelo transformar de um secreto seguro em um pecaminoso escancaro. Só assim é que você poderá saber do tamanho do teu pecado, ou o valor do teu segredo.
Até logo.'


     Ainda bem que, além de lindíssima, sou inteligentérrima porque, quando o tal sujeito começou a falar, já acionei, discretamente, o gravador do Celular!!!. E agora no final da digitação, posso concluir: Afff... o cara é um chato, mas não é que ele tem toda a razão?!
     Alguém poderia me dizer onde encontro um bom terapeuta?! - tenho modéstia extrema e segredos de mais.

Marizelda Frivoledo
(para o Jornal Banal) "
       
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Marisa Silveira Bicudo
Enviado por Marisa Silveira Bicudo em 15/04/2014
Reeditado em 06/02/2015
Código do texto: T4769784
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