O Escafedido

Segunda mal abrimos a porta da delegacia e a “clientela” vai despencando pra dentro (segunda é sempre assim). Eis que chegam três mulheres chorando, aflitas, relatando que o marido de uma delas desapareceu. Saiu para pescar na sexta-feira, e sumiu, abandonando sua carroça e cavalo; num acampamento próximo ao rio; na carroça todos seus documentos e mais alguns objetos; além de seu barco que ficou desamarrado encostado em um barranco. Pensamos: “se afogo o vivente”. Mais que de pressa se vamos ao resgate do sumido. Fizemos o contato com a PM local cientificando do fato, e nos largamos para as barrancas do rio, os três policias da DP, os dois únicos PMs que estão de serviço, junto com mais uns amigos do escafedido.

Os PMs ficaram em terra firme, aguardando a chegada da equipe dos bombeiros que viria da capital. Enquanto subimos de barco a motor aquelas águas barrentas, para ver se o CADAVER não estava boiando por ali. Nós sem nenhuma técnica especial para esse tipo de resgate, mais o pescador “motorista” do barco, vasculhando o rio na raça e na coragem. Apesar da aflição pela eminência de darmos de cara com um morto flutuante, era ótima a sensação do vento no rosto e a visão do rio repleto de curvas sinuosas e galhos boiando.

Descemos do barco e enfiamos a cara na mata fechada; muita vegetação e muito barro; me atolo até a cintura no meio do charco. Pior que pra nada, nem rastro do desaparecido. Segunda foi isso, muitas buscas, nós, a PM, os populares mas nem sinal do “homi”, já achávamos que estava morto preso a alguma vegetação no fundo do rio.

Os bombeiros chegaram quando já estava anoitecendo, efetuaram algumas buscas, mas a noite era muito perigoso, e jeito foi continuar no dia seguinte. Na terça-feira, ficamos na DP, agora a bronca era dos bombeiros. Esgravataram o rio com ganchos, para ver se se pescavam o corpo, mas da água só tiraram galhos. Nem sinal do desaparecido.

Quando já havíamos perdido as esperanças, recebemos uma ligação, informando que haviam avistado um homem a feição do sumido, na ponte de acesso a cidade. Pegamos a VTR e vamos ao resgate. Será que daríamos tanta sorte de achar o morto, vivo? Chegamos ao local, e ei-lo lá!

Todo sujo, faminto, estropiado, cansado, e louco de sede, sentado na ponte com uma sacola a seu lado. O abordamos; o pobre mal tinha forças para falar. E ao olhar na sacola qual não foi nossa surpresa, ao ver um rabo de tatu saltando para fora. Caça de animal silvestre é crime, tá na lei. Na DP, viemos a saber da verdade, o sumido, passou o final de semana caçando no mato, e quando estava voltando pro acampamento viu as viaturas, e achou que ia ser preso, por crime ambiental, e se foi “a la cria”, se perdendo na mata fechada.

Aí murchou os “balão” da festa. A esposa que estava toda faceira ao ver o finado vivo, desarmou o sorriso, ao ter que pagar a fiança. E daí sim quis matá-lo. E o escafedido, que estava fazendo arte, ao ser salvo foi autuado. E disso tudo ficou o legado, de não ir atrás de todo choro de viuvá, e que nem todo desaparecido é coitado.

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FSantana
Enviado por FSantana em 21/08/2014
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