LIVROS E TIROS (Capítulo primeiro)

Nesta cidade não havia profissão que lhe agradasse por mais do que o tempo necessário para lhe garantir quatro alguns de seguro desemprego. Vivia em bares e bordeis, trocando de amigos e de parceiras sexuais mais do que trocava de roupa. Quando em casa, passava horas a fio lendo romances diversos, contos, livros de filosofia, poesia e crítica literária. Comia pouco e mal. Achava uma extrema perda de tempo o preparo da comida, acrescentado a limpeza da cozinha em comparação ao prazer que a comida lhe dava ao corpo; talvez por que não soubesse cozinhar decentemente. O mesmo se dava com o sono. Talvez por que não soubesse dormir um sono decente, dormia pouco; e, no pouco que dormia, tinha muitos pesadelos. Houve um tempo em que boas doses de trago lhe proporcionavam um sono profundo, mas já fazia anos que isso não era mais um bom remédio para este sintoma, mesmo que para tantos outro ainda era eficaz, como, por exemplo, amenizar a amargura da vida. Dizia ele para suas amantes " A vida é um espetáculo de péssima qualidade, de tal modo que seria até mesmo um crime me recriminar por assisti-lo embriagado." Seu nome: Notório.

Não havia quem, na cidade, que não fosse da opinião de que ele devesse ir embora. Uns por que diziam que era uma má influência para todos, outros por que tinha um talento - só não saberiam nunca dizer qual - que não poderia ser apreciado por aquela cidade tão mesquinha de gosto e de cultura. Cidade esta que ficava ao norte de uma outra um pouco maior, de muitas indústrias; ao sul de uma grande metrópole; e, ao leste e ao oeste de outra coisa qualquer. Contava, ele, nessa época, 31 anos e aguardava ansiosamente a primeira parcela de um de seus muitos seguros desemprego. Seu último trabalho fora como jornaleiro. Mas tão ruim era a qualidade daquilo que entregava, que se sentia mais como um aviãozinho. De fato, preferiria vender drogas do que aquela porcaria de jornal.

Morava numa casa herdada de um avô que nem sequer conhecera. A casa era antiga, mas muito boa. Paredes solidas e móveis velho que duravam muito mais que os atuais.Nesta casa ele estava lendo um romance qualquer, tragando um fumo de má qualidade, quando, talvez por alguma algum parágrafo, linha ou palavra que lera, lembrou de um sonho que teve no dia anterior. Quando percebeu que não conseguiria, de forma alguma se concentrar na leitura, recuou maios ou menos três páginas - que lera sem realmente ler - a marcou com uma seda e fechou o livro.

Lucas Esteves
Enviado por Lucas Esteves em 24/08/2014
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