Cabra ,metido a besta!     



 Conflito moral de um homen marcado,
       que derepente se envolve em uma tragedia urbana que pode destruir-lo





     A cidade de Mogi das Cruzes , no incio do vale do paraiba , fica ao pe da serra do Itapeti e tem clima agradável, ainda que  chuvoso como  é o clima da serra do mar. Em séculos passados,  a cidade era refém de constantes inundações na periferia da cidade , inclusive da várzea do rio Tiete . Com o desenvolvimento, e o aumento das construções, a prefeitura optou  pela construção de píscinões,  verdadeiros reservatórios de agua da chuva , para controlar os alagamentos do perímetro urbano que deixavam os bairros planos inundados e intransitáveis na  maior parte do ano.
Bem no centro, aproveitando um grotão, em paralelo a Rua principal, dr Deodato ,no trecho  entre a Rua Ipranga  e a rua Pedro no fim do perímetro central, foi construido um desses reservatórios. Com  mais de duzentos metros, ocupando a parte mais baixa  entre as duas colinas, termina em um parede  de represa na parte mais baixa da rua Pedro . Ali  há uma comporta e os bueiros que se comunicam com a tubulações  de escoamento por baixo da rua em direção a saída da cidade no sentido das praias de Bertioga.
Quando há uma precipitação grande , a agua da chuva  não suportada pela tubulação fica armazenada  no piscinão, escoando lentamente pelos bueiros sub comporta.  Terminada a chuva  o escoamento  segue por horas ou dias.  A capacidade  é de milhões de metros cúbicos de agua, com profundidade de mais de  dez metros, e um desnível com a rua Deodato de  aproximadamente  25 metros. A comporta como qualquer outra  represa é  uma abertura de dois metros de acionamento eletro mecânico, que de fato nunca foi  usada, bastando apenas os  bueiros  para o funcionamento normal.
 Esse reservatório, fica situada  no fundo das casas que tem frente  para  a rua Deodato. E há becos , que são continuação das ruas transversais  que vem do alto das colinas, da direita e da esquerda .  Na esquina da Deodato e a Pedro , no inicio da pista dupla de saída para Bertioga , há um  prédio na ladeira da rua Pedro e  muitas lojas comerciais  nos dois lados  da esquina.  Um comercio que esta bem na esquina, no semáforo, é a padaria Aliança. Ponto de referencia, é um comercio antigo, de boa reputação e que acolhe clientes ,amigos e desocupados.
Elcio é um desses desocupados  que se acomodava  no balcão da padaria numa tarde tormentosa de fim de verão.  Normalmente  ele vai até a padaria Copacabana , cinco quadras a frente, mas como  mora no prédio  em frente , na rua Pedro, e estava se iniciando um temporal, preferiu ficar por ali mesmo para tomar a sua cerveja de happy hour. Muito conhecido por todos, a muito tempo,  era considerado bom sujeito, ainda que bebesse sozinho.
Elcio tem trinta e cinco anos , é mestiço de pele clara,  cabelos ondulados e lábios grossos. Um homen de bom coração. Procura se apresentar bem , aparentando um vendedor ou corretor de seguros como era seu pai e seu irmão. Tem uma fala correta , clara e que inspira confiança, principalmente por ser um bom ouvinte. Educado ouve o que as pessoas falam , demostrando interesse. Isso não e muito comum, em pessoas normais  com o ele , mas é frequente no lugar onde  morava  quando era mais jovem:  a Penitenciaria  Estadual de Paraguassu no Recife.
Quando completava  vinte e um anos  foi condenado por  furto e  agravantes. Trabalhando com o pai numa agencia de seguros, achou meios de enganar e fraudar as companhias de seguros  de veículos , recolhendo  dinheiro  ilegal para um vida mundana de festas e desperdícios.  Descoberto, foi preso. Oito anos recluso na penitenciaria, saiu  e deu um jeito de andar na linha.  Com a morte do pai, deixou a mae no nordeste e veio para São Paulo,  onde   já morava o seu irmão com a mulher e duas filhas. Com  esforço se acomodou como vendedor de planos de saúde. Autonomo, solteiro e quase  reestruturado  na vida , cinco anos  depois  recebeu um golpe forte ao ser chamado ao IML para reconhecer o corpo do irmão que fora morto por ladroes que  lhe roubaram a moto fugindo da policia em plena  avenida no centro de São Paulo.  Nunca ficou sabendo se o tiro procedia  dos policiais ou dos ladroes. A metalugica onde  o irmão trabalhava  deu toda ajuda a cunhada e as sobrinhas, mas com o passar do tempo ele achou melhor ficar  por  perto e veio morar em Mogi das Cruzes ao lado do apartamento que o irmão comprara no alto da rua Pedro.  Ali moravam  também  as famílias de primos vindos de Pernambuco.
De inicio ele ficou muito triste e  revoltado, mas se controlou e superou  as vicissitudes. Aprendeu muito vendo a cunhada,  que  dez anos mais velha que ele ,  ficara semiparalítica  por um acidente  na tecelagem que  trabalhava  quando as filhas tinham apenas 1 e dois anos. Ela era verdadeira fortaleza  de mulher.  Viúva, criara  as duas filhas , agora duas lindas moças  crescidas de   11 e 12 anos, apenas costurando para a confecções de coreanos do Bom Retiro.
A amizade com os primos e outros amigos  do nordeste, não lhe alterou o caráter solitário e introvertido , mas ajudou em seu convívio social. E assim  ele ia levando a vida , viajando muito pelo interior para vender seus planos , e estudando a noite para tentar um vestibular na  faculdade de administração de empresas. Um comportamento regrado, sem namorada fixa, mas indo a igreja. Seu prazer maior, não escondia,  era a praia, como no Recife, descendo  toda semana para Bertioga para  curtir o mar. Outro gosto era a cerveja no fim de tarde.
E  uma coisa que não gostava era tormenta. Temporal.  E nessa tarde o ceu ficou preto, as luzes da rua se acenderam, e os relâmpagos e trovoes foram se sucedendo . enquanto a chuva caia. E a cada momento a chuva aumentava . Era  torrencial. Na esquina a agua  descia  formando verdadeira cachoeira. A calçada já estava inundada e  a agua entrava  na padaria.  Elcio se levantou e foi ate a porta .  Nesse momento chegam pessoa molhadas gritando que um carro tinha caído pelo beco., logo acima.E junto um ônibus. Pessoas saíram , descendo pela rua Pedro para olhar o piscinão.  Elcio ouviu o rapaz do balcão dizer que  a descida pela travessa  do alto é  muito perigosa , e desde que estavam em  concerto na rua Deodato o perigo de um carro despencar para o piscinão era  grande .  Era tudo rua de paralepipedo , um sabão na chuva .
Elcio se arriscou até  a ponta da rua, onde já se estava formando uma multidão. Mesmo  com a chuva forte  deu para perceber  um ônibus amarelo , escolar,   de  bico, mergulhado  no piscinão.  Nesse momento ouve-se a sirene dos bombeiros em dois carros grandes  atravessando   a rua Pedro, para o outro lado do piscinão.
Elcio, molhado voltou a padaria , mas pela confusão que se formava e a gritaria  das pessoas  voltou para o balcão incomodado. Sera que tinha crianças no onibus?
A chuva continuava forte . Quando alguém gritou que os bombeiros estavam tentando resgatar as crianças de dentro do piscinão, Elcio pensou  no reservatório se enchendo. Olhou para a rua e a agua corria  cobrindo todo  asfalto e parte da calçada . Já nao havia carros  na rua. E mais e mais  relâmpagos e trovões.
A padaria estava cheia, mas Elcio, arregaçou as calças e saiu , tentando atravessar a rua  com a correnteza. Cobrindo a cabeça  com um saquinho  atravessou a rua e  subiu em direção ao prédio. E mais relâmpagos.
Na entrada do prédio havia alguns vizinhos falando e quando ele entra a vizinha do primeiro andar pergunta .
- Foi o onibus escolar que caiu no pisinão?.  Ta cheio de criança . ...suas sobrinhas vem no outro ônibus, não é ?
 Subito foi como  se recebesse  um golpe na cabeça. Um susto. As sobrinhas.  Elcio fechou os olhos pensando nas sobrinhas que de fato  a essa hora sempre chegavam de ônibus do colégio estadual .
-É o onibus do colégio  ? perguntou a vizinha
Elcio saiu pela portaria e voltando a calçada correu  para a portaria do predio da cunhada , ao lado. Na porta estava ela na cadeira de roda, no meio dos vizinhos.
-Elcio as meninas não chegaram ... tao dizendo que um ônibus escolar caiu no piscinão...
Elcio fez um gesto, rápido
- Elas não vem  no outro onibus.... são dois ônibus , não? ... já chegou algum?
- Não chegou nenhum ônibus ainda , são cinco e dez- respondeu a vizinha  ao lado da cunhada – estamos tentando ligar....
- Não  se preocupe, com certeza elas  estão  no outro ônibus... melhor ligar pra escola....disse Elcio e saiu  voltando ao seu prédio
 Subiu rápido as escadaria ate o quinto andar e abriu a porta saindo na cobertura . Subiu os degraus da caixa de agua , e com chuva no rostro,  olhou por cima do teto  padaria onde estava o piscinão. Se via  um carro já quase coberto pela agua , o onibus com agua  pela metade e os bombeiro do outro lado pondo a  escada  da beira do reservatório até o onibus. E era o ônibus amarela do colégio estadual.  Estava  escurecendo.   Elcio ficou olhando, alguns minutos,  enquanto a agua lhe corria pela nuca . Na extremidade do reservatório , onde estava a comporta via-se dois bombeiro s mexendo com a comporta.
Com certeza  querem abrir a comporta para baixar o nível da agua do piscinão. A rua Pedro da padaria para baixo já estava se inundando. Não se  percebia bem mas claro que o nível do reservatório estava subindo.  Se via algum movimento no ônibus, flutuando, e se movia , e a escada  magirus dos bombeiros não consegui  alcança-lo.
Elcio desceu. Estava ensopádo. Tinha agua ate nos ossos. A cabeça a mil remoendo  hipóteses. Nesse momento o bairro ficou a escuras .A energia elétrica cessou. Todas as luzes se apagaram. O corredor ficou as escuras. Enquanto descia pela escada para o terceiro andar, onde morava ,seguia  pensando.
Sera que as meninas estão no onibus?: E quanto tempo mais para agua cobrir o ônibus? Sera que vai dar tempo de resgatar as crianças  antes da agua cobrir o veiculo: E a comporta porque já não abriram? . E se o motor da comporta  for elétrico agora sem energia é que não abre mais.
Entrou em casa  arrancou a roupa e foi ao quarto . Colocou  roupa seca  e pela janela olhou em direção a padaria.  A chuva continuava forte.  Olhou  para o relógio e já se passaram quinze minutos que saira da padaria. Já estávamos com  mais de hora e meia de chuva forte.
Num impulso, sem pensar muito abriu o guarda-roupa , tirou  uma tampa do fundo falso e  recolheu alguns objetos. Sentou na cama arrumou  algumas peças  e  correu na cozinha onde  apanhou treis sacos de lixo e  embrulhou tudo. Vestiu  uma capa escura  ,com capuz, e  saiu correndo para a rua carregando  o  pacote.  A chuva diminuira .  Com cuidado desceu a rua , passou em frente da  padaria e  parou na  ponta do muro  da represa. Na linha da calçada existe um muro baixo e um barranco. Logo a caixa  grande do bueiro e acima a comporta  do piscinão.
Elcio foi ate o extremo do paredão e olhou  na direção do carro de bombeiros.  Havia gente  curiosa por ali. Um isolamento. Olhou e subiu o barranco para ver o interior do reservatório.. Estava  pela metade e  subindo. Já cobria mais de meio onibus, que estava embicado.
Não viu ninguém no alto da comporta.  Rapido  desceu ate o pé da comporta que  é uma porta de madeira com um revestimento de chapa,  posta  em duas canaletas. Como uma guilhotina.  Parecido com as portas de lojas comerciais, porem  mais robusta.  
Onde ele estava , não era visto da rua , mas podia ser visto do alto da murada , do alto da comporta.  Se abaixou e pensou  em voz alta
- E agora ou nunca... deus me  ajude!
E em  pouco mais de dois minutos com  uma habilidade impressionante , e a destreza  própria de quem  esta  acostumado com o que fazia,  Elcio   colocou as duas bananas de dinamite, cobertas pelo  saco de lixo , um de cada lado  , no pe da comporta  e a  fixou com massa de calafetar para segurar. 
Voltava a chover mais forte . Sacou os estopins  para fora  do saco plastico, e olhou para o barranco que ele tinha que subir para voltar para a rua. Rota de escape.  Olhou bem e sacou rapido  o seu ascendedor  eletrico, como sempre fazia  quando  estava para explodir os caixas automaticos nas agencias bancarias do interior.  Encostou no estopim e  viu , imediato, o  jato de fogo saindo do tubo plástico amarelo  . Soltou, e se  virou numa corrida só.  Patinando subiu o  barranco em direção a rua. Agil e rápido.  Quando pulou o muro, viu um bombeiro vindo na sua direção.
-Volta ... vai explodir ...vai explodir ...gritou e seguiu  correndo pela rua Pedro  acima.
Não olhou para traz, calculando que  o bombeiro estava longe e com certeza , mesmo que  subisse na parede do reservatorio, nada iria lhe acontecer.   A carga explosiva  era apenas  suficiente para  explodir o trilho da comporta , nunca  a parede  de concreto. Nisso ele  já tinha pratica , já tinha aprendido a  colocar a carga certa para evitar que o dinheiro dos caixas automáticos, que ele os comparsas assaltavam,   virasse poeira.
 E correu rua acima.  O retardo era de 100 segundos.  É inacreditável  quanto se corre em cem segundos!....E  dando tudo certo, os cinco metros de altura do reservatorio, quem sabe um milhão  de  litros,  iriam descer para a rua  Pedro invadindo tudo, e carregando  o que tivesse pela  frente. Um avalanche.
 Bingo. Quando se deu a explosão, Elcio virava a esquina   do lado oposto da padaria, correndo com a cara coberta pela mascara  ninja, sob o capuz amarrado da capa.  Numa olhada  rápida ainda viu o bombeiro na rua ,  uns vinte metros longe  da explosão. Mas correu, e continuou correndo  sob a chuva, rua acima para dar a volta, porque a rua Pedro com certeza ia ficar submersa , impedindo sua passagem  para casa .
Deu uma volta de meia hora, pela ruas do bairro, contornando o piscinão,   e chegou na padaria Copácabana, sem a capa e sem a mascara. Sentou e bebendo ficou a meditar sobre a estupidez que  cometera se arriscando  a ser descoberto ,só para tentar  baixar o nível da agua. Claro que naquela hora só ele tinha a solução. Era  agora ou nunca .Meia hora mais tarde e  já haveria gente morta por afogamento.   Um impulso. Claro que o bombeiro não tinha como reconhece-lo, mas quem, sabe algum curioso. Que risco!
A chuva  ainda durou até a  as 22 horas, quando a energia elétrica foi restabelecida  e as crianças do ônibus já estavam  resgatadas e em mãos das ambulancias .

Depois de quatro cervejas Elcio voltou para casa. E soube pela cunhada , que os bombeiros tinham arrebentado a comporta para esvaziar o piscinão e tirar as crianças do onibus.
Exatamente essa era  a noticia no jornal do  dia seguinte: Chuva torrencial. Onibus escolar, e carro menor colidem e despencam ladeira abaixo caindo no piscinão. Todos salvos e bem. Bombeiros, sem  energia elétrica ,  tiveram que arrebentar  a  comporta de tal jeito que a saída da agua na sua violência de saída pareceu ate uma explosão. Isso evitara o afogamento dos acidentados permitindo   resgata-los. Ruas abaixo houve inundação, sem maiores consequências.

De manha, depois de providencias necessárias,  Elcio embarcou para o Recife para visitar a mae. Pretendia ficar uns tempos longe da curiosidade de qualquer bombeiro ou policial.
Explosivos e ex-presidiario é uma mistura indigesta. 


Pretendia  contar para a vovô que as netas tinham escapado de uma boa ,  afinal não estavam no ônibus acidentado,  porque  tinham permanecido  até mais tarde na escola ajudando, como voluntarias, a professora a  tirar a agua  que invadira as salas de aula durante a chuva.

FIM
Mikaelnavarro
Enviado por Mikaelnavarro em 24/10/2014
Reeditado em 24/10/2014
Código do texto: T5010539
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